O Decreto 9.571, de 21 de novembro de
2018 (publicado no Diário Oficial da União de 22 de novembro de 2018),
estabelece as Diretrizes Nacionais Sobre Empresas e Direitos Humanos,
direcionadas a todas as empresas brasileiras (pequenas, médias e grandes), bem
como às empresas transnacionais em atividade no território nacional; sendo que
as microempresas e as de pequeno porte poderão cumprir as novas diretrizes “na
medida de suas capacidades”.
Consideramos que se trata de tema de
grande interesse para toda a sociedade, tendo em vista os constantes avanços
tecnológicos que têm precarizado em demasia as relações humanas nas empresas.
O cumprimento das Diretrizes Nacionais de
Direitos Humanos será voluntário (não obrigatório) para as empresas; contudo,
as que vierem a implementá-las serão certificadas com o Selo “Empresas e
Direitos Humanos”.
As Diretrizes Nacionais têm como
fundamento:
a)
a
obrigação do Estado de garantir a proteção dos Direitos Humanos em atividades
empresariais;
b)
a
responsabilidade das empresas de assegurar o respeito aos direitos humanos;
c)
a
criação de acesso aos instrumentos de reparação e remediação para as pessoas
que tenham seus direitos violados, em consequência de relações decorrentes de
atividades desenvolvidas pelas empresas e no âmbito de suas atividades; e
d)
a
implementação, monitoramento e avaliação das referidas Diretrizes que venham
ser adotadas pelo Estado, de forma obrigatória, e pelas empresas, de forma
voluntária.
Vale lembrar que a atividade econômica,
apesar de direcionada ao lucro, é destinada às pessoas, que vivem em sociedade,
a qual desejam que seja harmoniosa, plural e pacífica. Sendo assim, é do
interesse coletivo possibilitar e preservar um padrão de vida digna e salubre para
todos.
O Estado brasileiro, a partir de sua
organização política, estruturada na Constituição da República, tem entre os
seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político.[2] Além
disso, a Constituição garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade[3]; e
estabelece como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o
trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância e a assistência às pessoas desamparadas.[4]
A empresa, formada pela livre
manifestação de vontade, constitui-se numa propriedade que têm proteção estatal,
que nela não pode interferir nem criar embaraços para a sua constituição e
funcionamento[5]; a empresa, enquanto propriedade,
cumpre uma função social[6], uma
vez que constitui um bem comum, que engloba
os interesses interligados dos sócios, dos empregados, dos fornecedores e da
comunidade em geral.
Em razão disso, a ordem econômica
brasileira tem como fundamento a valorização do trabalho e da livre iniciativa,
uma vez que a opção adotada politicamente pela sociedade brasileira na
Constituição vigente foi a de assegurar a todos a existência digna e com
justiça social, sendo um dos princípios da ordem econômica a propriedade
privada e a sua função social[7].
Portanto, o tema dos direitos humanos,
segundo a decisão política em que se forjou o Estado brasileiro, passa também
pelo funcionamento das empresas, que têm a missão de compatibilizar
(no modelo adotado no Brasil, a partir de um pluralismo social) a valorização do
trabalho e da livre iniciativa, a fim de
assegurar “a existência digna e com justiça social” para todos os
membros da sociedade, o que constitui a essência dos Direitos Humanos.
Por isso, o Decreto 9.571, de 21 de
novembro de 2018, estabelece que as empresas deverão respeitar[8] os
direitos humanos protegidos nos tratados internacionais e os direitos e as
garantias fundamentais previstas na Constituição; cabendo às empresas monitorar
a sua aplicação e orientar e educar seus empregados sobre as normas
internacionais e nacionais relacionadas ao tema, inclusive comprometendo-se a
cumprir os direitos humanos nas suas relações internas e externas com os
empregados, fornecedores e a sociedade em geral.
Nesse ponto, o Decreto estabelece que
“compete às empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de
ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade,
equidade e segurança”, devendo observar aos seus colaboradores o direito de
livre associação e afiliação a sindicatos de trabalhadores; não exceder a
jornada de trabalho legal; comprometer-se com a erradicação do trabalho análogo
à escravidão e do trabalho infantil; e garantir um ambiente de trabalho saudável
e seguro[9];
cabendo-lhes ainda “combater a discriminação nas relações de trabalho e
promover a valorização e o respeito da
diversidade”[10], resguardar “a igualdade
de salários e de benefícios para cargos e funções com atribuições semelhantes,
independentemente de critério de gênero, orientação sexual, étnico-racial, de
origem, geracional, religiosa, de aparência física e de deficiência”[11],
inclusive ressaltando a importância do respeito à pessoa do idoso, do deficiente
e das mulheres e sua empregabilidade, bem como ser respeitada “a livre
orientação sexual, a identidade de gênero e a igualdade de direitos da população de lésbica, gays,
bissexuais, travestis, transexuais, ou transgêneros no âmbito empresarial.”[12]
O Decreto estabelece uma série de outras
normas de proteção ao trabalhador, que nos últimos anos vem sofrendo com cortes
de direitos e tem atravessado um profundo quadro de insegurança e desemprego.
Por mais que o avanço tecnológico tenha
acabado com muitos postos de trabalho, as empresas são constituídas
essencialmente por pessoas e para pessoas, que necessitam ser respeitadas e
protegidas, tanto em relação à propriedade quanto à força motriz do trabalho,
para dar prosseguimento ao desenvolvimento da própria humanidade.
Assim, é recomendável às empresas que
abracem as normas constantes deste decreto, pois acreditamos que as
organizações que venham a adotar as diretrizes traçadas no referido instrumento
poderão se surpreender com as alterações no seu desempenho e alcançar melhorias
significativas em seu resultado final. Quanto às empresas que já adotam estas
orientações, recomenda-se que reivindiquem o selo de certificação do
cumprimento dos Direitos Humanos, que possibilitará o seu reconhecimento pela comunidade
como uma empresa diferenciada, o que pode favorecer a ampliação de seus
negócios.
[2] Artigo 1.º, incisos III
e V, da Constituição da República
[3] Artigo 5.º (caput)
da Constituição da República.
[4] Artigo 6.º da
Constituição da República.
[5] Artigo 170, parágrafo
único, da Constituição da República.
[6] Artigo 170, incisos II
e III, da Constituição da República.
[7] Conforme previsto no
artigo 170 da Constituição da República.
[8] Artigos 4.o
e 5.o do Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018.
[9] Artigo 7.o
do Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018.
[10] Artigo 7.o do
Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018.
[11] Artigo 8.o,
I, do Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018.
[12] Artigo 8.o,
inciso IX, do Decreto 9.571, de 21 de novembro de 2018.
Comentários
Postar um comentário