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NOTÍCIAS FALSAS E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O grito, Edvard Munch, 1893.
O grito, Edvard Munch, 1893.

Por Jorge Folena

 

Quando da votação do projeto de lei de combate às notícias falsas (Projeto de Lei 2.630/2020), o líder do governo de Jair Bolsonaro no Senado Federal, Fernando Bezerra, manifestou que “a liberdade de expressão está sendo limitada”. 

No passado, era comum que os fascistas distorcessem o sentido dos termos e o seu significado. Assim fizeram com o conceito de trabalho que “liberta” e, até mesmo, com o emprego do termo socialismo, que foi cunhado num partido de extrema direita, o Nacional Socialista alemão de Adolf Hitler.

A Constituição prevê, como direito fundamental, que é “livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ocorre que a liberdade de expressão, como as liberdades em geral, tem limites, que são impostos de modo a não prejudicar nem causar danos aos outros.

Esta ideia vem sendo defendida por liberais da escola do utilitarismo inglês desde o século XIX, como John Stuart Mill, que, em sua obra Sobre a liberdade, afirma que: “O princípio é que a única finalidade que justifica que a humanidade interfira, individual ou coletivamente, na liberdade de ação de qualquer de seus membros é a sua própria proteção. Que o único objetivo da utilização legítima do poder sobre qualquer membro da comunidade civilizada contra a sua vontade, é para evitar que outros sejam prejudicados.”

Assim, quando as inverdades se tornam lugar comum, a ponto do ocupante da Presidência da República expressar que ele próprio divulga notícias falsas, como ocorreu no episódio do churrasco do seu aniversário, em plena pandemia do COVID-19, é necessário que haja uma interferência jurídica para proteger os membros da sociedade, que estão sendo prejudicados por mentiras reiteradas, inclusive divulgadas por dirigentes governamentais, pela imprensa e pelas redes sociais.

As mentiras proferidas em violação ao pudor ético e às regras da moral têm interferido diretamente no processo eleitoral e viciado a manifestação de vontade expressada pelos eleitores, como ocorreu em diversas eleições presidenciais brasileiras.

O caso mais gritante ocorreu em 2018 e beneficiou a chapa Bolsonaro/Mourão,  quando foram feitos disparos de mensagens de forma coletiva, por meio do WhatsApp e das redes sociais do Facebook e do Twitter, de modo a influenciar o voto de milhões de eleitores.

Tudo isto foi revelado por dirigentes das mencionadas empresas, ex-aliados da questionável dupla vencedora, e  está sendo apurado nas investigações em curso na CPI mista das Fakes News e no inquérito aberto no STF, que poderá ser utilizado como prova emprestada no julgamento  da impugnação da referida chapa, no TSE.

Além disso, a internet tem sido um campo fértil para a proliferação de mentiras, inclusive com o emprego da inteligência artificial (robôs), muitas vezes manchando a honra e a imagem de pessoas e invadindo  a sua privacidade e intimidade.

Assim, é necessário aperfeiçoar a legislação atual (Marco Civil da Internet e Proteção Geral de Dados pessoais) para regulamentar, com rigor, a responsabilidade tanto de quem divulga notícias falsas quanto das empresas que permitem a sua circulação, sem nada fazer.

Manifestação de vontade baseada em inverdade não encontra proteção na liberdade de expressão constitucional, uma vez que causa gritante prejuízo à sociedade.  Deste modo, seu combate não representa nenhuma forma de censura, como defendem, indevidamente, os que se utilizam da mentira de forma descarada e contumaz para alcançar seus objetivos políticos e que nos dias atuais estão conduzindo o Brasil à barbárie.

A Constituição não protege a mentira, a calúnia, a difamação, sendo assegurado o direito de resposta, proporcional ao gravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Sendo assim, é urgente combater, quem quer que sejam, as pessoas e estruturas que mentem descaradamente para manipular o medo e propagar o terror, a fim de alcançar ou se manter no poder.

 

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