Por Jorge Folena
O ato promovido contra a estátua de Borba Gato (bandeirante caçador de índios e negros para utilização como mão de obra escravizada pela classe dominante colonial e exploradora) simboliza uma reação aos desmandos e crueldades perpetrados desde sempre pelo Estado contra as classes oprimidas e subalternas, que, nos dias de hoje, encontram-se ainda mais espoliadas e fragilizadas pela crise que devora o país. A crescente concentração de riqueza pelas elites tem gerado cada vez mais desequilíbrio e desemprego, intensificando os conflitos sociais num Brasil que segue à deriva e inteiramente sem rumo sob o comando de Bolsonaro e seus apoiadores.
Ao refletirmos sobre a natureza humana desde os primórdios da existência do homem, constatamos a tremenda força propulsora de sua imaginação, mas, igualmente, ficamos perplexos com seu comportamento diante da realidade. Pois, ao mesmo tempo que tem uma imensa capacidade de pensar e construir as maiores maravilhas culturais, o ser humano tem igualmente essa pulsão pela destruição, o desejo insano de matar, explorar, saquear, humilhar o seu semelhante e maltratar a mãe natureza, impondo um quadro de guerra permanente a si mesmo.
A constância da guerra e a racionalização de que ela promove não apenas a destruição do homem, mas também o exaurimento dos recursos materiais, levou à necessidade da criação da figura do Estado, que surgiu como entidade política capaz de garantir a manutenção da segurança e da paz. O Estado passou, então, a estabelecer os limites a serem observados por todos, impondo-se por meio do direito, desde o início controlado pela classe dominante.
Como afirmou o conservador Edmund Burke, “o Governo é uma invenção da sabedoria humana para prover as necessidades humanas” e, nesse passo, Karl Marx afirma que “foi o Estado político, a constituição, o mais difícil de ser engendrado”.
Por esta concepção, o Estado é uma abstração criada com a finalidade de suprir os interesses da classe dominante, tendo em vista o processo de exploração em relação à classe dominada, que, em qualquer época, ocorre sempre por meio da violência estatal legitimada. Nesse ponto, Max Weber registra que o Estado tem “o monopólio legítimo da coação física para realizar as ordens vigentes”.
Sendo assim, papel do Estado e de suas instituições é assegurar a estabilidade das relações sociais, mesmo que pelo uso da força, e o faz pela imposição da ordem e do cumprimento das leis para garantir os interesses da classe dominante.
Como expõe Gramsci, “o Estado sempre foi o protagonista da história, já que é em seus organismos que se concentra a potência da classe proprietária; é no Estado que a classe proprietária se disciplina e se constrói como unidade”.
Entretanto, a dominação do Estado pela burguesia não foi suficiente para limitá-lo ao papel de mero órgão repressor em favor da classe dominante, titular dos meios de produção e sempre à frente do controle político, pois ao longo da história houve períodos em que se tornou necessário estender direitos sociais e bem-estar à classe trabalhadora, que se agitava na base da sociedade.
Nesse sentido, Gramsci fez um grande avanço na análise da dominação exercida pela classe burguesa por meio da figura do Estado, ao perceber que esta não se encontra limitada apenas ao uso da força e da repressão física, mas atua também pelo poder da hegemonia, que impõe um efeito psicológico de fracionamento aos dominados (maioria), que acabam consentindo com a minoria dominadora e controladora do Estado, submetendo-se quase que totalmente a ela.
Segundo Gramsci, no Estado hegemônico o consenso e a coerção são exercidos principalmente pela ação de certos intelectuais, que atuam como “‘prepostos’ do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político”. Com sua influência, alimentam o “consenso ‘espontâneo’ dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social”. Assim, justificam e convalidam o prestígio do grupo dominante “por causa de sua posição e de sua função no mundo da produção (...)”, tornando aceitáveis as ações “do aparelho de coerção estatal que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente.”
A necessidade de obtenção desse consenso da classe trabalhadora fez com que, a partir do final do século XIX, se iniciasse uma forte intervenção estatal, e, por iniciativa de conservadores como Bismarck, na Alemanha, houve a concessão de programas de seguridade social aos trabalhadores. Tais ações ficaram conhecidas como Estado-Providência e seu fortalecimento deve ser creditado às Revoluções proletárias do início do Século XX e às ações capitalistas liberais ocorridas após a Primeira e Segunda Guerras Mundiais.
Na verdade, a concessão desses direitos sociais e de uma maior participação econômica para a classe trabalhadora visava meramente tentar acomodar as tensões e evitar as mobilizações sociais, diante das lutas de classes despertadas pela brutal desigualdade social e pela concentração de capital nas mãos da classe dominante.
O Estado de Direito, tal qual o conhecemos hoje, com suas Cartas Constitucionais que se esmeram em assegurar a liberdade (física, patrimonial e cultural, em formatos individuais e coletivos), os direitos sociais de proteção à classe trabalhadora e a descentralização e separação de poderes (executada no interior de sua estrutura por autoridades políticas distintas e independentes) afirma ter como objetivo garantir o equilíbrio das relações políticas e sociais, mas seu intuito principal é assegurar os interesses da classe dominante.
Sendo assim, o mesmo Estado que não se importa com a crescente situação de fome e miséria em que se encontram milhões de crianças, mulheres e idosos, levanta-se prontamente diante de qualquer tentativa de reação das forças populares (mesmo que desorganizadas), que lutam meramente por justiça e um pouco de igualdade.
Por sua predisposição histórica, o Estado que se omite na solução dos graves problemas sociais é o mesmo que atua com rapidez e violência para reprimir e encarcerar pessoas como Luís Inácio Lula da Silva (580 dias encarcerado indevidamente) e o jovem Paulo Galo (mantido preso sem necessidade), os quais, segundo a ótica da classe dominante, representam uma ameaça aos seus interesses e à perpetuação do seu domínio.
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