Controlador do universo. Diego Rivera, 1934. |
Por Jorge Folena
O desgoverno de Jair Bolsonaro atua a pleno vapor para implodir o Estado brasileiro, conforme exigido pelos financistas ultraliberais. O argumento empregado é a falácia da “liberdade econômica”, que pode ser lida como nenhuma ação efetiva do aparelhamento estatal, seja para fiscalizar ou atuar na defesa da sociedade, o que se contrapõe até mesmo ao objetivo de constituição do Estado liberal, como iremos demonstrar a seguir.
Tendo em vista o prosseguimento dessa política de morte, a sorte e o destino dos cidadãos estão entregues aos senhores do mercado, que estão atuando livremente, sem qualquer fiscalização ou freio; desse modo, impõem preços abusivos sobre produtos essenciais, como alimentos, combustíveis, energia etc.; e, com isto, aumentam exponencialmente os seus lucros diante da exploração cada vez maior da força de trabalho, que empobrece assustadoramente.
O grau de exploração atual é tão intenso que se contrapõe à proposta inicial de formação do Estado, que tinha por objetivo garantir a paz e a segurança para as pessoas, uma vez que, no anterior estado da natureza, viviam em permanente guerra e destruição.
Porém, o Estado criado para dar segurança à propriedade e garantir as liberdades individuais não foi suficiente para atender às necessidades humanas em razão da concentração de capitais. Por isso, com a evolução do liberalismo, tornou-se necessário que fossem concedidos direitos sociais, como forma de estabilizar os muitos conflitos, e, por meio do consenso político, econômico e social, buscou-se um caminho para a harmonia imprescindível para a evolução da sociedade.
Assim, foi criado o Estado-providência ou do bem-estar social e estabeleceram, a partir do utilitarismo, que o interesse coletivo deveria prevalecer sobre o individual. Desta forma, todo um sistema de solidariedade foi constituído nos países ocidentais, com a finalidade de prover de forma gratuita a educação, a saúde, o transporte público e a previdência e assistência social, de modo a assegurar a existência digna como um pressuposto dos direitos humanos.
Tudo isto foi construído e colocado em prática pelos liberais, diante do avanço dos ideais socialistas, que difundiam um ordem baseada na valorização do trabalho e na solidariedade.
Porém, nos últimos tempos, no Brasil e no mundo, tem sido imposto o extermínio de todos os sistemas de proteção social e de solidariedade, outrora constituídos para proteger os homens, motivo de criação do Estado moderno. Induzidos por falsos motivos, os homens são jogados uns contra os outros, o que os leva a uma situação de conflito permanente; por outro lado, as causas de todo esse mal-estar contemporâneo são distorcidas e atribuídas ao Estado, ocultando-se, entretanto, que a frente dele está a classe dominante, que se beneficia da exploração do trabalho.
Mas nos últimos anos, o que tem triunfado como uma quimera é o discurso do mercado financeiro, essa esdrúxula estrutura onde pouquíssima gente ganha muito dinheiro sem trabalhar, que age disseminando boatos e especulações e propõe para os desavisados que a raiz de todo mal é o Estado e seus gastos sociais; e que, sendo assim, este deve ser extinto para que o mercado financeiro possa fazer o que bem entender, sem qualquer fiscalização, como colocado em prática por Jair Bolsonaro.
Esta prática, na primeira década do século XXI, impôs ao mundo duas grandes crises do capital, em consequência da ausência de fiscalização proposta pelo mercado financeiro. A primeira foi em 2002, com a quebra da gigante americana do setor de energia, Enron, cujos dirigentes fraudaram os balanços da empresa para inflar seus lucros. Em 2008, ocorreu a falência do banco americano Lehman Brothers, em consequência da manipulação da concessão de empréstimos bancários. Nas duas situações, cujos efeitos se percebem até hoje, a causa foi a submissão a essa proposta de estado mínimo, no qual o mercado é seu próprio fiscal e o Poder Público não pode intervir em nada, devendo abster-se de prestar qualquer tipo de serviços.
Esses agentes do mercado financeiro, que praticaram fraudes contábeis e simularam a concessão de financiamentos e impuseram a grave crise econômica que a humanidade tem experimentado neste século XXI (crise que tem sido debelada mediante a transferência dos recursos dos cidadãos para os bancos e as empresas falidas), são os mesmos que defendem, com descaramento, que deve ser demolido todo o sistema de solidariedade e de proteção social (que provê previdência social, educação, saúde etc.), construído a partir das idades moderna e pós-moderna.
São esses mesmos homens do mercado financeiro, como o atual ministro da Fazenda Paulo Guedes, que defendem o fim do Estado e a privatização de todas as riquezas do país, para que pouquíssimas pessoas no mundo possam triunfar e viver da exploração de todo o resto.
Isto é o que se denomina ultraliberalismo, que propõe a máxima exploração dos homens (sem se importar com nacionalidade, raça, gênero etc.), da forma mais perversa e cruel, que atenta diretamente contra a vida, o direito natural por excelência.
A investida ultraliberal contra o povo brasileiro, imposta e incentivada pelo desgoverno de Jair Bolsonaro, exige a resistência de todos nós, uma vez que estão destruindo todo o arcabouço de proteção criado para estabelecer a paz e a harmonia social, que até então garantia um mínimo de dignidade para a população.
O Estado mínimo proposto por eles significa, efetivamente, nenhuma prestação de serviços, nenhuma ação social, nenhuma proteção, nenhuma salvaguarda na doença, na velhice, na orfandade.
Na verdade, todas estas práticas estão em desacordo com a ordem econômica prevista na Constituição, que dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”. Ou seja, o Texto Maior estabeleceu que a ordem econômica deve ser pautada na “existência digna, conforme os ditames da justiça social”; deixando nítido o conteúdo de proteção social e que o trabalho antecede ao capital!
Por tal razão, a destruição do Estado brasileiro, posta em curso por Jair Bolsonaro (que entregou o destino dos brasileiros nas mãos do mercado e acha que tudo pode, como um deus messias), constitui gravíssimo atentado à Constituição de 1988.
Aliás, todas as reformas impostas desde o golpe de 2016 no Brasil ofendem frontalmente o compromisso assumido na Constituição, inclusive no capítulo da ordem econômica, de assegurar a todos uma existência digna.
É o que não está ocorrendo no país, diante da situação de miséria que vem sendo imposta à classe trabalhadora e do desmonte dos serviços públicos, que deveriam atender e dar proteção aos cidadãos, em respeito ao princípio fundamental da dignidade humana, proposto pela ordem liberal em curso.
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