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A QUEM INTERESSA MAIS UMA CONCILIAÇÃO


 Prisioneiros na Guerra de Canudos. Fotografia Flávio Barros. Acervo Museu da República. 


Por Jorge Folena

 

Na sexta feira, dia 06 de maio de 2022, na posse da diretoria do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (SENGE/RJ), o advogado Roberto Amaral, ex-ministro da Ciência e Tecnologia do governo do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, fez importante e lúcida palestra sobre o grave problema que ronda a História do país desde a sua fundação em 1822. Trata-se do que ele denominou de “conciliação”, que tem impedido o desenvolvimento do Brasil e a formação de um autêntico projeto de nação soberana.

Na verdade, apesar de definido como conciliação por grande parte da historiografia e do pensamento político brasileiro, entendo que o processo político apontado por Roberto Amaral constitui outro fenômeno e tem sido uma imposição da classe dominante, que sempre procurou impedir qualquer forma de ascensão das classes populares ou subalternas. 

A classe dominante brasileira, em seu projeto de poder, procurou firmar acordos por cima, como se o povo não existisse no país, fazendo prevalecer apenas os interesses das elites. O que se tenta fazer mais uma vez, no país, é um grande acordo (o infame “acordão”), pelo qual as diversas frações da classe dominante buscam manter-se à frente do Estado e impedir a chegada ao poder das classes populares.

Ao longo da história republicana, as Forças Armadas têm sido a representação dos interesses da classe dominante, que se expressa principalmente em nome do imperialismo norte-americano ou do colonialismo europeu; e é por isso que seu principal papel nessa dinâmica perversa tem sido o de sempre fazer prevalecer os interesses estrangeiros no país, desde a independência.

Precisamos recordar que, ao contrário do que tentam incutir em nosso pensamento, visando acomodar e adormecer qualquer vestígio de rebeldia contra tantos desmandos e injustiças, o passado do Brasil é marcado por lutas históricas do povo contra as mais variadas opressões.

Falamos de lutas cuja memória tem sido em grande parte escondida pela elite do país, que, por meio da violência militar, massacrou populações indefesas, a exemplo do ocorrido na Guerra de Canudos (1896-1897), na Guerra do Contestado (1912-1916) e no Caldeirão de Santa Cruz do Deserto (1937).

Mais recentemente, durante o regime autoritário de 1964-1985, deu-se o prosseguimento ao extermínio dos povos indígenas, iniciado desde o descobrimento, e durante o qual civis foram presos, torturados, desaparecidos e mortos.

Infelizmente, esse massacre continua nos dias atuais, mediante os cortes indiscriminados de direitos sociais pelas chamadas “reformas”, que, na verdade, deformaram a Constituição de 1988; e não dá trégua, em sua perseguição contínua contra a população negra, mestiça e pobre das favelas e periferias das cidades e do campo.

Ressalte-se que a Constituição de 1988 nasceu para abolir toda forma de autoritarismo e violência, representados pelas ditaduras do passado (1937-1945 e 1964-1985). Mas, infelizmente, esses males ainda se fazem presentes, por conta do “passado não resolvido”, que consiste em ignorar o extermínio dos povos indígenas e as mazelas da escravidão e relegar ao esquecimento os delitos dos períodos de exceção, como faz o atual governo.

A hipocrisia com que se busca apagar estes episódios trágicos da história brasileira se repete na indiferença demonstrada diariamente por uma sociedade apática, que não se indigna diante da crueldade dos mais de cinquenta mil assassinatos de jovens negros pobres, por ano; que não protesta diante da ausência de proteção do Estado, durante a grave crise sanitária da COVID-19, em que, para um governo frio e desumano, morrer um ou um milhão dá no mesmo. 

Descaso e descompromisso constituem as marcas características do olhar da classe dominante e parcela da classe média (que compõe a elite do país) sobre a população, e foram registrados muitas vezes pela arte, como no poema “De frente pro crime”, do saudoso Aldir Blanc, em canção eternizada na voz de João Bosco: “está lá o corpo estendido no chão”.

Temos que dar um fim a tanta indiferença! Pois está mais do que na hora de se resgatar a força originária da Constituição para retomarmos a construção do Brasil, interrompida pelo indevido impeachment de Dilma Rousseff em 2016, que abriu as portas do país para o fascismo.

Por tudo isto, o ex-presidente Lula da Silva, principal candidato para derrotar o fascismo no Brasil, deve estar alerta para não repetir mais uma “conciliação” como a de seus governos anteriores, que foi prejudicial à maioria do povo brasileiro.

Nos dias atuais, a maior parte da população ainda continua a viver marginalizada e na pobreza, e isto está em desacordo com os objetivos fundamentais da República, conforme pactuado pelos constituintes de 1987/1988.

Por tudo isso, denunciar o que se convencionou chamar de “conciliação”, como fez Roberto Amaral no SENGE/RJ, é um dever cívico dos brasileiros que sonham com um país livre, justo, solidário e soberano!

 

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