Por Pedro Greco
Esse texto apresentará de forma condensada algumas ponderações sobre o gênero e a etnia aplicadas ao planejamento urbano. Acreditamos que é necessário incorporar a questão étnica e do gênero ao planejamento urbano, e isso significa que entendamos que um mesmo tipo de violência contra o homem e contra a mulher será vivido de forma diferente por cada um dos gêneros. Em giro próximo, a mesma violência praticada contra uma mulher branca e contra uma mulher negra também será experimentado de forma diferente por cada uma dessas pessoas.
Por isso é necessário rever a prática tradicional dos direitos humanos de apenas olhar o tema por meio de um prisma, sem levar em conta possíveis interseccionalidades como por exemplo o gênero e a etnia, sendo que a pobreza e as questões periféricas também deveriam ser levadas em conta, pois são também outros fatores que trazem uma maior gravidade para esse debate da interseccionalidade.
Desse jeito, é citado por Kimberle Crenshaw[1] como exemplo o caso da empresa General Motors que praticava uma modalidade de preconceito que cruzava o gênero feminino e a etnia negra. Ao se examinar o caso era difícil para os Tribunais dos EUA alcançar essa segregação interseccional: gênero e etnia ao mesmo tempo. Como consequência, isso pode produzir problemas sérios como cifras ocultas de crimesou preconceitos que não chegam a ser considerados porque as autoridades não perceberam que estavam diante de uma exclusão composta que envolvia simultaneamente o gênero e a etnia.
Além disso, ainda é preciso tratar da apropriação indébita da violência contra as mulheres como ressaltou Kimberle Crenshaw, pois para alguns setores ainda se analisa um estupro contra uma mulher como se fosse uma ofensa à comunidade e/ou ao seu marido, por exemplo, sendo que não é comum que se enfatize a violência sob a ótica da mulher que foi estuprada, por exemplo. Isso acaba por esvaziar a luta a favor da defesa dos direitos das mulheres ao mesmo tempo que se coloca luz em outras agendas. Dessa forma, é necessário considerar as interseccionalidades, pois se não fizermos isso estaremos marginalizando e invisibilizando grupos que deveriam ter prioridade ao elaborarmos leis e construirmos politicas públicas.
Com essas ideias postas devemos saber que essa ausência da pauta de gênero também pode ser sentida no planejamento urbano como ressaltaram Claudia Andrade Vieira e Ana Alice Alcantara Costa[2]. Essas autoras desdobram a ideia e que o sujeito do conhecimento não é neutro, dado que o conhecimento dentro do planejamento urbano, regra, é produzido por homens, brancos e de origem europeia, fato que normalmente acaba reforçando a lógica patriarcal.
De mais a mais, devemos saber que a mulher pode contribuir com novas técnicas, novos usos e novas ocupações do espaço urbano, como por exemplo, a proposta de aproximar o homem da criação dos filhos, pois existe, regra, uma distância considerável entre o local de trabalho e a moradia, sobretudo de pessoas das classes menos abastadas, o que faz com que se gaste mais horas no trajeto casa/trabalho e com isso sobra menos horas para que o homem se dedique às tarefas domésticas e/ou de cuidado com os filhos.
Ao mesmo tempo se percebe que o planejamento urbano tradicional reverbera a diretriz de que a mulher deve ficar em casa, ignorando os avanços das mulheres no mercado de trabalho. Isso pode ser exemplificado no fato de que menos mulheres tem acesso a um veículo próprio e com isso como o local de trabalho é, regra, longe do espaço de moradia. Isso dificulta o acesso ao mercado de trabalho pelo público feminino, sendo que isso é uma característica que pode estar associada a um planejamento urbano mais antenado aos anseios masculinos que valorizam a aquisição de um carro.
Como proposta para mitigar esse ideário maioritariamente masculino pode-se citar como exemplos os casos de Copenhagen, da Alemanha, de Londres e de Cuba, locais onde existe integração entre as moradias das mulheres que são mães e creches comunitárias, lavanderias comunitárias, refeitórios comunitários, tudo em um só lugar, perto da moradia da genitora, sendo que aqui se deseja auxiliar as mães que estão inseridas no mercado de trabalho.
Esse último exemplo serve para que repensemos o sujeito do conhecimento e tenhamos uma postura ativa na lida das questões que envolvem o universo feminino materno. Cremos que devido a elevada complexidade dessa matéria deve-se encarar esse assunto de forma plural e assim é viável que se inclua nesse debate diferentes olhares. Isso permitiria que todas as pessoas, homens, mulheres, negros, brancos, latino americanos, europeus, etc possam contribuir com essa discussão, como também analisaram Leonie Sandercock e Ann Forsyth[3] em proposta similar.
Nesse sentido, não estamos defendendo que apenas um grupo possa escrever sobre o planejamento urbano feminino, tendo um monopólio, pelo contrário, todos podem emitir a sua opinião, sob pena de criarmos um espaço exclusivista em que apenas um segmento tenha voz, o que eventualmente possa empobrecer as construções teóricas que por ventura possam surgir.
Vale salientar que não se deve ignorar o lugar de fala das mulheres e de outros grupos que estejam em situação de vulnerabilidade e que sofrem diretamente com seus respectivos problemas, sendo que essas opiniões, de quem enfrenta o desafio, são riquíssimas justamente para que tenhamos um mosaico de informações que possa ser mais certeiro na resolução ou no melhor tratamento dos desafios que giram em torno do planejamento urbano. Dito isso, podemos articular a concepção de que haja uma arquitetura urbana advinda de múltiplos públicos, sendo que não se pode negar que a visão da mulher, d(a) negro(a), das pessoas periféricas e outros públicos subalternizados deve ter um espaço central nesse tema.
Em síntese, pelo que vimos, pode-se perceber que o planejamento urbano é um setor de lutas e um lugar de diferentes interpretações. Com isso, fica mais nítido que o urbanismo pode ter díspares tratamentos, permitindo um avanço na pauta social ou uma melhor organização da questão racial e/ou étnica, dentre outros debates que possam surgir.
[1] CRENSHAW, Kimberle. Interseccionalidade na Discriminação de Raça e Gênero. Cruzamento: Raça e Gênero. Disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/09/Kimberle-Crenshaw.pdf
[2] VIEIRA, Claudia Andrade; COSTA, Ana Alice Alcantara. Fronteiras de Gênero no Urbanismo Moderno. Revista Feminismos. Vol.2, N.1 Jan-abr, 2014, p. 7-17.
[3] SANDERCOCK, Leonie; FORSYTH, Ann. Feminist theory and planning theory: the epistemological linkages. In: Campbell, Scott; Fainstein, Susan. Readings in planning theory. Malden/Mass, Blackwell Publishers, 1996, p. 471-478.
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