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MILITARES E O DESGOVERNO TEMER

No dia 21 de novembro de 2016, o professor Lincoln Penna (aposentado do departamento de história da UFRJ e atual presidente do Modecon) lançou, na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro, o seu belíssimo livro “República e insurgências: lutas de classes na cidade e no campo”, pela editora Autografia.
Logo na introdução do livro o professor Lincoln fala da importância do conceito de “lutas de classes” (“lutas” no plural, como no Manifesto de Marx e Engels) para demonstrar os constantes embates e insurgências “que se processam no cotidiano de nossas vidas”, em suas múltiplas manifestações, como expressa o filósofo italiano Domenico Losurdo, referencial teórico inicial da obra.
Como exemplo de movimento de lutas de classes, e, portanto, de insurgência social, Lincoln Penna apresenta a proclamação da República no Brasil, frente ao que representava diante da monarquia, “até porque o movimento republicano foi plural, ou seja, abarcou diferentes concepções políticas e doutrinárias.”
Nesse processo plural, a República brasileira foi fundada com forte influência das “camadas médias urbanas”, incorporadas por forças militares, particularmente do Exército brasileiro.
Sendo assim, ao tratar da proclamação do regime republicano no Brasil, o livro aponta para a importância do estamento militar na defesa dos interesses da soberania nacional e do povo brasileiro (com exceção do golpe de 1964), como assim registra o autor:
“Os vários exemplos de participação das Forças Armadas na República alteraram posições que nem sempre estiveram ajustadas aos interesses dominantes, seja pelo recrutamento junto a camadas sociais intermediárias e até subalternas, ou pela convicção de uma inserção autonomista em defesa das riquezas de solo e subsolo nacionais.
Coladas aos movimentos cívicos e patrióticos, só deles se descolou quando a correlação de forças  apontou para formas dominantemente antipopulares, como no golpe de 1964.
Todavia, os militares cujo passado combinou com sabedoria o ímpeto insurgente com a força da tradição ordeira em nome do regime republicano, que abraçou com convicção, desempenham hoje um papel importante na defesa da soberania nacional e popular. Suas principais lideranças são reverenciadas não apenas pelos exemplos de bravura, mas muito especialmente pelo fato de terem assumido a tarefa que mais os satisfaz: de serem os bastiões da independência nacional e a garantia das liberdades e do progresso social.” (páginas 37-38)
Ocorre, porém, que existe um claro descompasso entre a tradição militar brasileira acima apontada no livro do professor Lincoln  e o desgoverno Temer. 
Isto porque no último dia 23 de novembro de 2016, durante o seminário “Defesa: política de estado, soberania, desenvolvimento e inovação tecnológica”, realizado na Câmara dos Deputados, o ministro da defesa defendeu perante diversos militares das três forças que a base de lançamento de mísseis de Alcântara, no Maranhão, deveria ser disponibilizada comercialmente para utilização por outros países, particularmente os Estados Unidos da América do Norte.
Em 29/11/2016 (terça-feira), o vice, que se encontra no exercício da presidência, utilizou as instalações do Palácio do Planalto para festejar a sanção da lei que entrega o Pré-sal para a exploração estrangeira, em total afronto à soberania nacional; como se não bastasse, o vice-presidente ainda debochou do povo brasileiro, ao afirmar que tal “flexibilização” (privatização do petróleo) gerará muitos empregos para os brasileiros, o mesmo que foi dito à época de FHC, quando da aprovação da lei do petróleo (9.478/97).
Na noite do mesmo dia 29, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno de votação, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo desgoverno, que tem por objetivo congelar os investimentos públicos por 20 anos; o que poderá representar o fim do estado brasileiro e atinge diretamente o desenvolvimento em ciência e tecnologia, tão necessários à defesa do país contra possíveis ameaças estrangeiras.
Qualquer pessoa de razoável inteligência sabe que este desgoverno, que trabalha nitidamente contra o Brasil e sua gente, mediante a imposição de um dos mais duros ataques aos direitos sociais da História do Brasil, por meio das PEC(s) 241/55 e outros ajustes fiscais, conta com a sustentação das forças militares, contrariando a sua própria tradição histórica e pondo em risco a manutenção dos seus projetos de renovação, que tinham o desenvolvimento tecnológico como garantia da soberania e independência do país.
A cada dia torna-se mais nítida a possibilidade de os militares estarem atuando como em 1964, pois nas gravações das conversas entre Sérgio Machado e o senador Romero Jucá (ex-ministro e atual líder do desgoverno no Senado), trazidas a público pela Folha de São Paulo em maio de 2016, foi revelado por Jucá  que ele estava “conversando com os generais, comandantes militares”. Na referida gravação Jucá afirmou: “Está tudo tranquilo.”
Ao contrário do afirmado por Jucá, a situação do país não está tranquila sob nenhum aspecto, pois temos assistido ao desmonte das principais empresas brasileiras, tanto públicas quanto privadas, em um processo de destruição da economia do país, que se depara a cada dia com mais desemprego e empobrecimento da população e diante da possibilidade de apropriação de nossas riquezas por empresas e países estrangeiros.
Nos últimos seis meses o país retrocedeu 14 anos e foram jogadas no lixo todas as conquistas políticas, institucionais e sociais alcançadas no período.
Em consequência, neste curto período descemos da sexta para a nona posição na economia mundial, deixamos de ser uma nação respeitada pela comunidade internacional e retornamos ao posto de mero peão no cenário geopolítico atual.
Na origem desse processo de desconstrução, nos deparamos, tanto agora quanto no passado, com os interesses de  oligarquias regionais, habituadas a utilizar o patrimônio público em benefício de seus interesses privados. Como exemplo mais recente temos o episódio que culminou na renúncia do ministro da cultura e que teve a participação direta do atual ocupante da chefia do desgoverno, que interferiu em favor de interesses particulares, sob a alegação de mediação de conflito entre órgãos, mas cuja única finalidade era aprovar a construção de empreendimento imobiliário privado.
Diante de tudo isto, acreditamos que é chegada a hora de se recordar o exemplo do Marechal Floriano Peixoto (destacado na obra do Prof. Lincoln Penna), que defendeu a soberania do Brasil e lutou contra as oligarquias entreguistas (como as atuais) para estabelecer a república no Brasil, na esperança de que “ela pudesse dar vazão às expectativas de uma sociedade cansada das velhas práticas políticas exclusivistas e, portanto, excludentes.”
Qualquer semelhança não é mera coincidência, e, por isto, é necessária uma ação imediata para o restabelecimento da democracia no Brasil, violada com o golpe perpetrado contra o governo legítimo de Dilma Rousseff, que nenhum delito cometeu que justificasse seu impedimento político; ao contrário do que se verifica todos os dias pela  divulgação das condutas do chefe do desgoverno, seus assessores diretos e aliados no parlamento.



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