O
resgate do passado é necessário para que a sociedade possa compreender o
presente e construir o futuro. Porém, existem pessoas que lutam contra o
resgate do passado, mesmo quando busca esclarecer as atrocidades praticadas
contra os seus semelhantes ou mostrar a destruição sistemática da cultura dos
povos. Tudo isto foi promovido pelo colonialismo europeu e pelo imperialismo
americano, por meio de saques e expropriação de riquezas e também pela
implementação de governos ditatoriais e
sanguinários por diversos cantos do mundo.
O
debate entre o resgate do passado e/ou seu esquecimento pode ser sintetizado
pelas manifestações de Walter Benjamin, para quem “os mortos têm direito sobre nós, uma vez que, do ponto de vista deles,
somos as futuras gerações”, e Max Horkheimer, que defende que “os mortos estão mortos e não podem ser
despertados”.
Subjacente
a este dilema, de se resgatar ou não o passado, encontra-se a necessidade de se
estabelecer uma justiça de transição, que alcance o período entre o final das
ditaduras e a retomada da democracia liberal, para se manifestar a respeito das
atrocidades praticadas contra os direitos humanos, seja na forma de crueldade
pessoal direta (como genocídios, assassinatos, mutilações, torturas etc.), ou
indireta (representada pela negação de direitos essenciais à vida e ao
desenvolvimento dos povos, como alimentação, educação, saúde, lazer, salário
justo etc.).
Nesse
ponto, é oportuno salientar que muitos atentados contra os direitos humanos
foram praticados sob o estandarte de uma pretensa democracia (sendo que foi o
liberalismo que introduziu o estado de exceção, como registra Giorgio Agamben),
que, desgastada em consequência da concentração de capital no início do século
XX, deu origem ao fascismo e ao nazismo nos governos da Itália, Alemanha,
Japão, Espanha e Portugal.
Além
disso, pode-se considerar o fracasso da democracia liberal quando, para
defender interesses de seus expoentes, impôs ditaduras civis ou militares na
América Latina, África e Ásia, no pós Segunda Guerra Mundial, sob o argumento
de combater uma suposta doutrina comunista (jamais existente em tempo algum, na
História), que culminaram em prisões ilegais, mortes, torturas e expropriação
de bens, cultivadas no âmbito da Operação Condor.
A
Operação Condor foi uma ação norte-americana constituída depois da Segunda
Guerra Mundial e no curso da “guerra
fria”, cujo objetivo era estabelecer o combate ao comunismo, mas serviu
principalmente para abrir caminho para que empresas transnacionais
norte-americanas se instalassem e prosperassem em países em desenvolvimento na
América Latina, África e Ásia, e também na Europa e no Japão, aproveitando-se
da execução do Plano Marshall, como registra J. Patrice
McSherry.
O
debate a respeito da garantia da memória, segundo Andreas Huyssen, passa diretamente pela questão da violação
dos direitos humanos, em consequência dos genocídios constatados no período da
Segunda Guerra. Por isso, é primordial apontar os autores e buscar sua
condenação; e, depois, trabalhar para manter vivas as lembranças do passado
negro, a fim de evitar sua repetição,
como tem reiteradamente ocorrido em outras situações no século XX.
Todavia,
a maior preocupação de historiadores e cientistas sociais sérios têm sido
evitar distorções deste passado na transposição para o presente, na medida em
que são construídos conceitos teóricos que podem não corresponder à realidade
dos fatos, como o “totalitarismo”, além
dos genocídios não registrados ou negados por Estados, a exemplo da
mortandade provocada pelas bombas atômicas lançadas sobre o território japonês
em 1945, em um episódio de crueldade que, de alguma forma, é apagado da memória
dos povos.
Neste
ponto, pode-se apontar também as violações e os massacres promovidos contra os
povos indígenas; e o não reconhecimento de direitos aos descendentes de negros
escravizados em decorrência das ações do colonialismo europeu, cujas
consequências têm atravessado gerações e perduram até os dias de hoje. E não se
pode ignorar a ausência de conscientização da população colonizada, que, além
de não se libertar da memória imposta pela cultura dos impérios, que exploraram
seus ascendentes e ainda a explora (Edward Said), cultiva por ela verdadeira
admiração.
Abordamos,
assim, a questão da cultura como ação transformadora do homem, que se manifesta
em seus múltiplos aspectos, como força construtiva ou destrutiva e, inclusive,
mediante variadas formas de violações dos direitos humanos.
Portanto,
analisar a memória de um povo é também atentar para a sua formação cultural,
pois não seria razoável negar o que foi realizado pelos antepassados (de forma
positiva ou negativa), a fim de que a gerações presentes tenham conhecimento
dos acontecimentos pretéritos e também para evitar que os erros do passado
sejam repetidos no futuro.
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