Claude Raimond-Dityvon, Paris, 1968. |
A
racionalidade, conjugada à ação política, produz a cultura. Cultura é o
fenômeno decorrente das interações do homem com o meio (geografia), nele
produzindo transformações.
A
sociedade é o conjunto de todos os indivíduos, que, em determinado estágio de
seu desenvolvimento, fundam o Estado, que decorre da criação intelectual. A
política exige racionalidade de toda a sociedade para se evitar diversos tipos
de conflitos, principalmente aqueles com capacidade para provocar o pior mal
social, que é guerra, causadora de mortes e geradora de destruição.
Nesse
contexto, Hobbes (1979) salientou que o homem é o lobo de si mesmo, quando não deixa
a racionalidade e a política imperarem em sua vida. A esse respeito, Hobbes
(1979, p.78-79) propõe a formação de um pacto político em torno do soberano,
visando a união de todos e o estabelecimento da segurança e da paz.
Esse
pacto constitui o nascimento do Estado moderno, fundado pela ação política do
homem com dois objetivos principais: o primeiro visa por fim às guerras e o
segundo consiste em entregar ao Estado (governo) o estabelecimento das regras
para garantir o direito à vida, por meio da paz.
A
política é marcada por luta, como registram Weber (2014, p. 194) e Comte-Sponville[1]
(2002, p. 30). Contudo, é luta para se conquistar e/ou preservar direitos, que
deve se processar em um nível fundamental de diálogo e participação na vida
social, como deve ocorrer numa sociedade em que se prega a democracia, em que a
vontade da maioria deve ser respeitada e esta, por outro lado, deve conviver
pacificamente com a minoria sucumbente.
Assim,
o ponto mais alto da política é a preservação do equilíbrio das forças sociais,
nos debates de interesse de todos, como registrado por Montesquieu (1973). Não é
razoável que a maioria vencedora do embate queira impor exclusivamente sua
vontade à minoria; ou que esta, não aceitando a derrota, passe a trabalhar para
desestabilizar a ordem política e social, pois isto trará discórdia, ódio,
guerra e desequilíbrio prejudicial à sociedade, podendo até mesmo provocar a
quebra do pacto social que deu origem ao Estado, a partir de Hobbes.
A
política da paz social somente virá com equilíbrio e com as forças sociais
respeitando-se mutuamente; caso contrário, virá o estado da guerra, que Hobbes (1979)
identificou como o “estado da natureza”.
O
exercício da política por todos é fundamental para se estabelecer o grau de
felicidade da sociedade, como expõe Freud (2011, p. 30). Não será pelo saque, pela destruição, pela
expropriação e pela exploração que a humanidade irá encontrar a felicidade,
necessária para que haja a paz social. Neste ponto, Freud aponta o fracasso da
civilização ocidental cristã, que se impôs pela força sobre os demais povos do
mundo.
A
felicidade, enquanto bem buscado pela política, não será alcançada apenas pela acumulação
da riqueza mediante a exploração do trabalho (Locke, 2014), principalmente se não forem respeitadas
as fragilidades humanas. A conquista e a acumulação
da riqueza decorrente do trabalho somente para alguns também é motivo para
lutas e discórdias políticas, uma vez que poderá criar excessiva desigualdade
econômica e dar causa a graves confrontos sociais, podendo levar ao fim da proposição que deu origem ao Estado
moderno, que consiste em assegurar a paz.
Nesse
passo, observe-se que é fundamental que os indivíduos – dotados de
racionalidade – participem ativamente da política, para determinar o tipo de
sociedade em que querem viver.
Porém,
é essencial destacar, nesta parte, que política difere totalmente de moral. Enquanto
a política exige ação, decorrente do pensar e agir humano, a moral tem relação
com os valores humanos de bondade, solidariedade e humanidade; que não são imprescindíveis
para a política, que “é o reino das relações de forças e de opiniões, dos
interesses e dos conflitos de interesses. (...) A política não é um forum de
altruísmo: é um egoísmo inteligente e socializado”, segundo Comte-Sponville
(2002,p. 33).
A
política exige encaminhamentos para a harmonia social, que, muitas vezes podem
vir desacompanhados de valores morais. Por isso, para a política - no seu
objetivo de se estabelecer o equilíbrio de forças sociais – a moral pode ser
deixada de lado, desde que os motivos empregados atinjam os fins políticos
almejados pelo governo ou pela sociedade,
como esclarece Maquiavel (1991, p. 75), ao acertar que “os meios que empregar
serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado
pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados.”
Numa
sociedade democrática, a ação política exige, para sua efetividade, muita
participação social, sendo que a vontade do povo deve se sobrepor à vontade dos
dirigentes que comandam as organizações criadas, a partir do Estado Moderno,
para representar os interesses da população, como os Poderes Legislativo e
Executivo.
A
sociedade atual enfrenta uma situação de grave fragilidade, que consiste em
permitir que a vida política seja conduzida pelas entidades estatais, que a deixam
de tal forma restrita às suas instâncias que passam a ditar à sociedade o que
esta deve fazer, numa inversão dos valores democráticos.
Nesse
passo, saliente-se que as pessoas deveriam participar da política, que tem ligação
direta com a vida e o futuro de cada um. A esse respeito, já afirmava Martin
Luther King que “o que preocupa é o silêncio dos bons”. Não se pode deixar o
destino da sociedade nas mãos de meros representantes nas instituições
políticas, como governantes e parlamentares, pois que estão cada vez mais
influenciados e tomados pela força do capital.
Na
atual fase histórica, as representações políticas estão tomadas por pessoas que
representam os interesses de determinados negócios, sendo direta ou
indiretamente financiados em suas campanhas eleitorais, “o que gera distorções
e a crise de legitimidade entre os representantes eleitos e a maioria da
população, pois promove o favorecimento de alguns grupos econômicos em
detrimentos da sociedade em geral”. (Folena de Oliveira, 2016, p. 237).
Este é mais um motivo para o cidadão perceber
que tem o dever de atuar na vida política, ocupando os espaços nos diversos conselhos
populares, nas associações, nas escolas e universidades, nos sindicatos, nas
igrejas e até mesmo em casa, porque a política faz o presente da sociedade
acontecer e projeta o futuro que ela deseja para as próximas gerações.
O
mandato político não pode ser simplesmente entregue pelo cidadão (outorgante)
aos representantes dos governos e do parlamento (outorgados), que são, a partir
de Rousseau (1995), meros “comissários” do povo, e não o poder em si. O
outorgante, num contrato de mandato, deve fiscalizar, exigir contas e participar
das instituições; caso contrário, poderá ter seus interesses violados, como se
vê na atualidade, em que governos e parlamentos praticam atos contra os
interesses da população e favorecendo o poder econômico com atos perversos como
redução de salários, retirada de direitos sociais e venda do patrimônio
público, sem qualquer consulta popular que autorize tais atos.
O
fenômeno que encantou Tocqueville[2]
(1998, p. 146) durante sua passagem pelos Estados Unidos do século XIX,
representado pelo associativismo e a ampla liberdade de associação, hoje se
apresenta de forma tímida ou quase inexistente na vida do cidadão americano,
que tem deixado de lado a vida política e associativa, optando por jogar
boliche sozinho (“bowling alone”), como registra Robert Putnam (2000).
Em
uma análise superficial, pode-se atribuir muito desse desencanto associativo aos
escândalos políticos e também ao estabelecimento de uma sociedade de consumo
desenfreado. Porém, entendo que tal fenômeno tem como causa importante a
implantação da linha de produção em massa, a partir do fordismo, como expõe
Gramsci (2015) em “americanismo e fordismo”.
A
produção em massa retirou do trabalhador a visão do todo e limitou seu
conhecimento ao respectivo segmento na
linha de produção. Podemos considerar que essa limitação da visão do processo
produtivo, alienante por si, tenha sido um
fator gerador do desinteresse pela vida política como um todo, associado às
facilidades tecnológicas, que levam à acomodação do indivíduo a uma vida
prazerosa, à primeira vista, porém pequena.
Gramsci,
ao tratar da hegemonia (2015, p. 273), demonstra que o consenso e o dirigismo
na formulação da ordem política têm por objetivo a manutenção das coisas como
estão, utilizando-se, para isso, de artifícios que tornem desnecessário o
emprego da violência direta. Tomamos
como exemplo a concessão de supostos benefícios e eventuais “altos salários”,
como fez Ford em relação aos demais empregadores americanos. Esse tipo de
atuação promove a divisão e o isolamento, que retiram do trabalhador o desejo
de lutar e querer uma vida melhor para si e para todos.
Pois,
se o trabalhador de determinada categoria, além de ter seu trabalho limitado a
uma certa atividade, de forma a sofrer menos desgastes físicos e psicológicos, ainda
recebe benefícios econômicos, para quê lutar, então, pela sociedade, uma vez
que tem atendidas, de alguma forma e em dado momento, as suas necessidades
imediatas?
Tal
concepção é típica de uma sociedade individualista, na qual cada um cuida de
si, por suas próprias forças. Em tal universo, já não é mais necessário lutar
por todos, pois o problema de um não é mais meu ou seu, como acontecia antes na
sociedade americana, no século XIX, como registrou Tocqueville (1998, p. 147):
“Nada há que a vontade humana se desespere de atingir pela ação simples do
poder coletivo dos indivíduos”. Mas, como se sabe, o problema de uma pessoa
também é da outra, pois todos estão
sujeitos a sofrer os mesmos males, seja agora ou num futuro próximo.
Porém,
essa visão equivocada permitiu que a ordem econômica transferisse atividades e
respectivos postos de trabalho de um país para outro, em suposto benefício daquele
que oferecesse melhores vantagens econômicas para as empresas. Por conta disso,
os americanos, criadores do associativismo, vêem hoje enfraquecida esta
organização plural; em decorrência da perda de milhões de postos de trabalho, seu
povo está empobrecido e, de alguma forma, alienado politicamente. Os Estados
Unidos da América do Norte são uma grande potência econômica, tecnológica e
militar. Porém, com maioria de sua população composta de pessoas muito pobres e
desinteressadas pela política, esta se apresenta cada vez mais controlada pelos
bilionários do país, constituindo uma típica plutocracia.
O
desinteresse atual dos cidadãos pela política tem permitido que instituições
burocráticas ocupem o papel de outras, intimamente ligadas à representação
popular, como os parlamentos e governos. Assim, funcionários públicos e juízes
adquirem um papel de protagonismo nos debates políticos, como denuncia Weber
(2014): “Num Estado moderno, o verdadeiro governo, que não atua nos discursos
parlamentares nem nos pronunciamentos dos monarcas (chefes do Executivo), e sim
no manejo da administração na vida cotidiana, está necessária e inevitavelmente
nas mãos do funcionalismo, tanto militar quanto civil.”.
Contudo,
estes agentes técnicos não têm vocação para a arte da política, que, além de
capacidade de observação das necessidades humanas, exige habilidade de
negociação para propor e implementar soluções, sempre respeitando o equilíbrio
de forças, a fim de se manter a paz e a harmonia social.
O
destino da política não pode estar subordinado às instâncias burocráticas
governamentais, que existem tão somente para facilitar o funcionamento racional
da máquina organizativa do Poder Público; sendo que esta burocracia, ao
contrário das instituições políticas, está vinculada a agir observando as
regras oficiais e dentro de suas respectivas competências, instituídas pelos
políticos de forma racional, formando a “autoridade institucional”, como
denomina Max Weber (2014-b, p. 143).
Referida
autoridade institucional tem que seguir regras em sua ação, no âmbito de sua
competência, restando limitado o seu campo de conduta política. Uma das graves
crises com que nos deparamos, na atualidade, decorre da atribuição de ação
política às “autoridades institucionais”, na medida em que não é papel destas
fazer ou conduzir os negócios da política. Estas instituições não foram desenvolvidas
para tal fim, mas para cuidar dos negócios do Estado, conforme as determinações
definidas pela política.
Este
fenômeno de “protagonismo” de instâncias burocráticas ganha relevância maior
com a politização da justiça, que, nos últimos anos, está em curso no Brasil e
em outros países: “A politização da justiça está relacionada ao fortalecimento
e ao protagonismo institucional do Poder Judiciário, que – segundo seus
defensores – deveria ser tão importante quanto os Poderes Legislativo e
Executivo.” (Folena de Oliveira, 2016,
p. 157).
Contudo,
os juízes não têm revelado a capacidade de atender as demandas da sociedade
(como gerar empregos, desenvolvimento e renda), pois a função básica do Poder
Judiciário é aplicar o direito, enquanto instrumento da violência institucional,
restando-lhes, certas vezes, o papel de “poder intermediário” para acomodar os
conflitos políticos e sociais em curso.
O
“Poder Judiciário, como instituição política, está em certa medida amarrado
numa camisa de força, por constituir, em última instância, um ‘poder
intermediário’ entre os outros poderes constituídos e a soberania popular.”
(Folena de Oliveira, 2016, p. 167).
Portanto,
não é papel do Poder Judiciário – enquanto instituição integrante da
burocracia, como as Forças Armadas e a polícia -, exercer papel de protagonista
político. Porque a política deve ser traçada não pela burocracia, mas pela ação
da sociedade, que, com seus acertos
e desacertos, irá traçar o seu caminho ao longo da história, conforme os
interesses dos seus participantes, para finalmente se acomodar no grande pacto
político.
Um
fator importante que tem influenciado a política contemporânea atual é a rede
mundial de computadores, pois com frequência são utilizados robôs para influenciar
a vontade popular, num papel semelhante ao desempenhado pela mídia para a
formação da opinião pública.
Como
revelou Julian Assange, em entrevista ao jornalista Fernando de Morais (postada
em 10 de janeiro de 2017, no blog Nocaute[3]),
nos dias de hoje os robôs induzem as pessoas a acreditar que o caminho
programado pela máquina é o melhor a ser trilhado pela sociedade; quando, na
verdade, trata-se de uma vontade viciada, pois é manipulada pelo controlador da
informação, que se esconde por detrás de uma “inteligência artificial”.
Esta
situação é muito grave para a política, que necessita efetivamente da
participação da sociedade, mas que, num modelo liberal tradicional, é
construída conforme a influência exercida pela chamada opinião pública. Por
outro lado, a “inteligência artificial” dos robôs, presente de forma atuante na
rede mundial de computadores, não tem coração nem sentimento, sendo dirigida
para controlar a vontade das pessoas e com interferência direta sobre suas
vidas.
Este
tema da “inteligência artificial” como influência
sobre a vida social necessita ser aprofundado em pesquisas para conhecermos o
grau de influência exercida pelos robôs no destino da política, pois tem o
poder de atuar como instigador de
massas, podendo iniciar levantes, golpes e/ou falsas revoluções (a exemplo do
ocorrido em 2010, na denominada “Primavera Árabe”, ou em 2013, no Brasil e na
Turquia), na medida em que tais
movimentos não tem demonstrado a capacidade
de promover mudanças no quadro político.
Pelo
contrário, o que se tem visto como consequência é o agravamento das crises
sociais, com governos e parlamentos trabalhando diretamente contra os interesses
da população, num grande desvio da finalidade da política – que é atender às
expectativas dos homens, e não agir contra eles e em favor da ordem econômica.
A
economia, como prática da vida, só existe para satisfazer as necessidades
humanas. Quando a economia falha, é porque a sociedade política assim o permitiu,
seja por sua omissão ou pela opção por um caminho diverso do ajustado na
formação do Estado, que foi criado com a finalidade de se estabelecer a paz.
Não
existe paz em sociedades em que os direitos humanos fundamentais não são
atendidos e onde prevalecem a miséria e a espoliação da população. Em
sociedades deste tipo, a política fracassou, pois não conseguiu estabelecer um
mínimo de justiça. E pode-se dizer que o fracasso da política é o fracasso da
sociedade.
Nesse
contexto, verificamos que institutos liberais clássicos, apresentados ou reintroduzidos
a partir das necessidades da modernidade, tais como Estado, soberania, nação,
povo, democracia, vontade coletiva etc., não estão mais atendendo à sua formulação
originária.
Isto
porque, no atual estágio da pós-modernidade, cresce cada vez mais o poder do
capital concentrado sobre a política, provocando o surgimento de efeitos diretos
sobre as instituições clássicas, que vêm se transformando para atender as
exigências de poucos bilionários. Nos dias de hoje, bilhões e bilhões de
pessoas trabalham, na verdade, para oito ou dez pessoas, que concentram grande
parte da riqueza do mundo em suas mãos.
Assim,
é possível imaginar que inexiste Estado, enquanto instituto originalmente
concebido para atender a todos e estabelecer a paz. Porém, se poucos
bilionários controlam a riqueza de mais de metade da humanidade, não existe
partilha alguma da riqueza gerada pela união da sociedade, representada pela
figura do Estado. O caminho para a construção da paz e da segurança que o
Estado promete assegurar à sociedade quando de sua fundação, passa
fundamentalmente pela partilha e distribuição da riqueza entre todos, mesmo que
de forma desigual, dada a existência de uma classe social que controle a
política e as instituições públicas. Porém, deve haver uma razoável distribuição
da riqueza gerada.
Com efeito, Thomas Piketty (2014, p. 239) diz que “a participação dos 10% dos indivíduos
que detêm o patrimônio mais alto é sempre superior a 50% do total da riqueza,
chegando às vezes a 90% em algumas sociedades”.
Ora,
verificamos assim que a humanidade trabalha para muito poucos, que são os donos
de todas as riquezas e controlam os recursos da terra; logo, infere-se que o
Estado está limitado somente àqueles que se beneficiam de todas as riquezas
geradas pela humanidade.
A
partir destes dados investigativos, constata-se a derrota mais profunda da
política, o que põe fim à noção de Estado, que não serve mais para partilhar as
riquezas e assegurar a paz, mas tão somente para punir, exigir cada vez mais
trabalho com menor remuneração e desviar o resultado de toda a produção (gerada
pelo conjunto de todos os trabalhadores) para este seleto grupo de bilionários,
que comandam os destinos da humanidade e fazem o que bem desejam, impondo
ordens e manipulando governos, que se dobram aos interesses dos “investidores”
internacionais, como se escuta com frequência nas falas das autoridades
governamentais em diversos países.
A
propósito, como forma de sintetizar estes fatos, Giorgio Agamben (2015, p. 102),
analisando a política contemporânea, principalmente depois do ataque às Torres
Gêmeas, em Nova York, em 11 de novembro
de 2001, tem manifestado que “a opinião pública e o consenso não têm nenhuma
relação com a vontade geral, assim como a ‘política internacional’ que conduz
hoje as guerras não tem nenhuma relação com a soberania do jus publicum europeum.”
Sem
dúvida, esta situação faz o norte da política apontar para um caminho em que
pouquíssimas pessoas, no universo, passem a controlar as instituições do Estado,
em contraposição à massa de bilhões de pessoas que estão no caminho inverso, de
exploração e expropriação, em que lhes são exigidas horas e horas a mais de
trabalho com quase nenhum benefício social.
Tal
situação aponta para uma sociedade em que impera o estado de exceção, que vive
sob o argumento falso da existência de uma suposta ordem democrática, onde se
vota a cada período determinado, mas na qual impera o quadro de repressão e violência
sobre a população, e que favorece apenas os bilionários e os fundos de
investimentos de que se utilizam para manobrar a economia dos países.
Com
efeito, este quadro promove um grave “mal-estar da civilização”, já esboçado
por Rousseau (na Origem da Desigualdade entre os Homens) e por Sigmund Freud;
sendo certo que, na atualidade, esta situação perversa encontra-se em estágio cada
vez mais elevado, com a infelicidade, a depressão e a ausência de esperança
reinando por todos os cantos da terra.
Sem
dúvida, um dos pontos fundamentais da
racionalidade política é a busca do bem estar e da felicidade em todos os estágios da humanidade. Quando
prevalece a infelicidade geral, decorrente da concentração desmedida de capital
(que considera que tudo pode em seu objetivo e não encontra instância para
limitá-lo), a política está sendo vencida na sua essência.
Mesmo
assim, tudo isso se passa como se a situação estivesse muito bem para todos, e ninguém
parece se importar com o que está ocorrendo ao seu lado, acreditando no que lhe
dizem os meios de comunicação social e os robôs nas redes sociais. Parece que a
verdadeira política tornou-se uma casa perdida, pois constrói-se um mecanismo
psicológico em que basta a cada um cuidar apenas de seus interesses e esquecer
o resto.
Este
individualismo extremado, que favorece apenas aos bilionários, faz com que
pessoas, por problemas de diversas naturezas, abandonem seus países de
nascimento e ponham-se em uma marcha repleta de perigos para ir em busca de
outros lugares, em que sonham (quase como fazem as crianças) amenizar seus
sofrimentos e esquecer seus medos.
Tal
situação cria um espaço natural para que a política seja deixada de lado,
abrindo-se o caminho para as pessoas pensarem somente em si e nas pessoas mais
próximas, numa grave despolitização da sociedade.
Porém,
é possível afirmar que mesmo a fuga (de um lugar para outro) é uma decisão política,
que exige muitos sacrifícios, pois, na verdade, constitui a busca de um caminho
para a felicidade não efetivada.
Sem
dúvida, mesmo neste cenário controverso em que se encontram a humanidade e a política,
será exigido que as pessoas se posicionem por um caminho de luta, sob pena de
serem conduzidas à mais completa servidão. Por isso, a política é uma
necessidade humana que se faz cada vez mais premente, diante das adversidades
que atormentam a sociedade.
Portanto,
é requisito inegociável da política que ela seja exercida por todos, e não
apenas por alguns, que se apropriam dos negócios do Estado para si ou seus grupos.
Fazer política é buscar sempre o equilíbrio das forças sociais para, com
moderação, construir uma sociedade desenvolvida, solidária e fraterna para
todos, “porque, sem política, o (homem) não poderia assumir inteiramente a sua
humanidade” (Comte-Sponville, 2002, p 36).
É
certo que a política exige sempre, acima de tudo, resistência e combate,
porque “a política não é o reino da
moral, do dever e do amor. É o reino das relações de forças e de opiniões, dos
interesses conflitantes e dos conflitos de interesses” (Comte-Sponville, p. 33),
como está registrado na História moderna e pós-moderna, em que que todas as
conquistas revolucionárias, ocorridas nestes períodos, foram consequência de
muitas lutas e discussões. E política se faz assim, ocupando-se os espaços
públicos, que devem pertencer a todos, especialmente numa república, que para se
efetivar exige, fundamentalmente, transparência e igualdade.
[1] “O que é política? É a
vida comum e conflituosa, sob o domínio do Estado e por seu controle, é a arte
de tomar, de conservar e de utilizar o poder. É também a arte de
compartilhá-lo, mas porque, na verdade, não há outra maneira de tomá-lo.”
(Comte-Sponville, 2002, p.30)
[2] “A américa é o país do
mundo, onde mais se tirou partido da associação e onde se tem aplicado esse
poderoso meio de ação à maior diversidade de objetos. Independentemente das
associações permanentes, criadas pela lei sob o nome de comunas, cidades e
condados, existe uma multidão de outras, que só devem o seu nascimento e seu
desenvolvimento a vontades individuais.” (Alexis Tocqueville, 1998, p. 143)
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