Pular para o conteúdo principal

ULTRALIBERALISMO

O Sonho, de Salvador Dalí
O Estado liberal moderno foi criado como forma de garantir a paz e a segurança para as pessoas, uma vez que, no anterior estado da natureza (conforme Hobbes), viviam em permanente guerra  e destruição.
Porém, o Estado criado para dar segurança à propriedade e garantir as liberdades individuais, não foi suficiente para atender às necessidades humanas. Por isso, com a evolução do liberalismo político, tornou-se necessário que fossem concedidos direitos sociais, como forma de estabilizar os muitos conflitos humanos. Assim, por meio do consenso político, econômico e social, buscou-se a harmonia imprescindível para a evolução da sociedade.
Nesse passo, foram os liberais que criaram o Estado-providência ou do bem estar social; foram os liberais que estabeleceram, a partir do utilitarismo, que o interesse coletivo deveria prevalecer sobre o individual. Desta forma, todo um sistema de solidariedade foi constituído nos países ocidentais, com a finalidade de prover de forma gratuita a educação, a saúde, o transporte público e  a previdência e assistência social.
Tudo isto foi construído e colocado em prática pelos liberais, e não exclusivamente por socialistas ou comunistas, que têm entre seus fundamentos a solidariedade e a boa vontade entre os homens, a exemplo do que prega o cristianismo.
Porém, o que tem ocorrido no mundo, nos últimos tempos, é o extermínio de todos os sistemas de proteção social e de solidariedade, outrora constituídos para proteger os homens, motivo de criação do Estado moderno. Induzidos por falsos motivos, os homens são jogados uns contra os outros, o que os leva a uma situação de conflito permanente;  por outro lado, as causas de todo esse mal-estar contemporâneo são distorcidas, de forma a serem atribuídas ao Estado.
O Estado não pode ser um mal em si, uma vez que foi criado pelos liberais para estabelecer a paz e a segurança social, bem como para criar um sistema de proteção social para seus associados (os cidadãos, que se unem e pagam tributos para obterem os serviços públicos).
Na verdade, o que tem triunfado, como uma quimera, é o discurso do mercado financeiro, em que pouquíssima gente ganha dinheiro em demasia, sem trabalhar, e que age disseminando boatos e especulações como essas, que propõem para os desavisados que a raiz de todo mal é o Estado; que, por isso, deve ser extinto para que o mercado financeiro possa fazer o que bem entende, sem qualquer fiscalização.
Esta prática, na primeira década do século XXI, impôs ao mundo duas grandes crises do capital, em consequência da ausência de fiscalização proposta pelo mercado financeiro. A primeira foi em 2002, com a quebra da gigante empresa americana do setor de energia, Enron, cujos dirigentes fraudaram os balanços da empresa para inflar seus lucros. Em 2008, ocorreu a falência do banco americano Lehman Brothers, em consequência da manipulação da concessão de empréstimos bancários. Nas duas situações, cujos efeitos se percebem até hoje, a causa foi a proposta de um estado mínimo, no qual o mercado é seu próprio fiscal e o Poder Público não pode intervir em nada, devendo abster-se de prestar qualquer tipo de serviços.
Esses agentes do mercado financeiro, que praticaram fraudes contábeis e simularam a concessão de financiamentos, que impuseram a grave crise econômica que a humanidade tem experimentado neste século XXI (que tem sido debelada mediante a transferência dos recursos dos cidadãos para os bancos e as empresas falidas), são os mesmos que defendem, com todo descaramento, que deve ser demolido todo o sistema de solidariedade e de proteção social (que provê previdência social, educação, saúde etc.), construído pelos liberais a partir das idades moderna e pós-moderna.
Estes homens do mercado financeiro, como o atual ministro da Fazenda Henrique Meirelles, defendem o fim do Estado para que pouquíssimas pessoas no mundo possam triunfar e viver da exploração de todo o resto.
Isto é o que se denomina ultraliberalismo, que propõe a máxima exploração dos homens (sem se importar com nacionalidade, raça, gênero etc.), da forma mais perversa e cruel, que atenta diretamente sobre a vida, o direito natural por excelência, segundo Hobbes.
Portanto, o momento exige resistência, uma vez que estão destruindo todo o arcabouço de proteção criado pelos liberais para estabelecer a paz e a harmonia social, a exemplo do que faz sem qualquer piedade o desgoverno de Michel Temer contra o povo brasileiro.

O Estado mínimo proposto por eles significa, efetivamente, nenhuma prestação de serviços, nenhuma ação social, nenhuma proteção, nenhuma salvaguarda na doença, na velhice, na orfandade. É isso o que desejamos efetivamente, nós, os cidadãos?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

SEQUESTRO DAS NAÇÕES PELO CAPITAL

Foto de Aly Song/Reuters O jornalista Andy Robinson, em seu livro “Um repórter na montanha mágica” (Editora Apicuri, 2015), revela de que forma os integrantes do exclusivo clube dos ricos de verdade comandam a política universal, a partir da gelada Davos, e patrocinam a destruição de nações inteiras para alcançar seus objetivos econômicos particulares. Muito antes que alguns cientistas sociais cunhassem a expressão “tropa de choque dos banqueiros”, ao se referirem ao grupo considerado como classe média, Robinson desvendou como aqueles menos de um por cento da população universal manipulam sem qualquer piedade os outros noventa e nove por cento, inclusive promovendo ações sociais de suposta bondade, que contribuem para aumentar e perpetuar a miséria entre os povos. Ao falar sobre as mencionadas ações caritativas, patrocinadas por bilionários como Bill Gates e o roqueiro Bono da banda U2, Slavoj Zizek rotulou seus realizadores   de “comunistas liberais”, que manipulam org...

Superação do fascismo no Brasil

A nau dos loucos de H. Bosch Por Jorge Folena   Infelizmente, as instituições têm normalizado o fascismo no Brasil. E foi na esteira dessa normalização do que deveria ser inaceitável que, na semana passada circulou nas redes sociais (em 02/07/2024) um vídeo de treinamento de policiais militares de Minas Gerais, em que eles corriam pelas ruas cantando o refrão “cabra safado, petista maconheiro”. [1] O fato configura um absurdo atentatório à Constituição, pelo qual todos os envolvidos (facilmente identificáveis) deveriam ter sido imediatamente afastados das suas funções, inclusive sendo determinadas prisões disciplinares, e, em seguida, sendo processados administrativa e criminalmente.  Outro caso esdrúxulo foi o de um desembargador do Paraná, que em plena sessão de julgamento, não teve qualquer escrúpulo em derramar toda a sua misoginia, ao criticar o posicionamento de uma mulher (o caso analisado no tribunal era de uma menina de 12 anos, que requereu medida protetiva contra a ...

O país ingovernável

  Por Jorge Folena   No dia 27 de julho de 1988, o ex-presidente José Sarney, com certo tom de ameaça, dirigiu-se aos constituintes, em cadeia nacional de rádio e televisão, para afirmar, ao longo de vinte e oito minutos, que o texto constitucional que estava para ser aprovado deixaria “o país ingovernável”.  Na verdade, José Sarney manifestou na ocasião os interesses mais atrasados da classe dominante brasileira, que entendia que o reconhecimento dos amplos direitos sociais inseridos na Constituição brasileira de 1988 teria um grande impacto sobre o orçamento geral da União, controlado para satisfazer apenas os interesses dos muito ricos, deixando os pobres entregues à própria sorte. É importante lembrar, por exemplo, que, antes da Constituição de 1988 não existia o sistema único de saúde com atendimento universal para todos os brasileiros.  E o presidente Sarney, com o velho e surrado argumento, afirmava que o novo texto constitucional representaria um desencorajam...