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PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA



Por Jorge Folena

Trabalhadores nos setores público e privado foram incentivados por seus patrões a aderir aos fundos de pensão das empresas em que trabalhavam, sob instigante propaganda, que assim lhes prometia: “O futuro a gente garante hoje”. “Agora você tem a oportunidade de garantir um futuro melhor para você e sua família”. “A estabilidade está finalmente ao seu alcance.”

Os empregadores afirmaram a seus empregados que o ingresso na fundação de previdência privada lhes asseguraria o bem-estar e o amparo de suas famílias quando se aposentassem, pois teriam uma complementação dos benefícios pagos pela Previdência pública.

Assim, o somatório dos recursos aplicados pelos trabalhadores, associados aos dos empregadores, constituiu uma significativa reserva de poupança, cuja finalidade era assegurar, por meio da administração do fundo de pensão, o pagamento dos benefícios e vantagens prometidas aos que nela ingressaram e preencheram os requisitos previstos nos estatutos e regulamentos.

Cabe registrar que os empregadores investem seus recursos (patrocínio) na constituição do fundo de pensão, mas recebem vantagens fiscais em troca. E ganham também o retorno na produção, pelo esforço dos trabalhadores, que produzem mais com a expectativa do futuro tranqüilo que lhes foi prometido.

Depois de anos com os trabalhadores investindo parte de seus salários nestes fundos de pensão, os patrões, de uma hora para outra e, muitas vezes, sem a indispensável justificativa e transparência, resolvem não mais contribuir no patrocínio da entidade, deixando os empregados ativos (contribuintes) e os aposentados (assistidos) num grave drama, uma vez que a saída da empresa poderá conduzir à insolvência do fundo e à sua possível liquidação.

Sem dúvida, a drástica retirada de patrocínio feita pelos patrões gera forte pressão psicológica e insegurança nos participantes do plano (trabalhadores e beneficiários), conduzindo-os, muitas vezes, a aceitar a proposta de resgate dos benefícios ou a optar pela portabilidade para fundos de investimento de bancos ou seguradoras, renunciando a direitos e sem tomar a precaução de verificar efetivamente o quanto lhes seria devido.

Os mais liberais acreditam que, da mesma forma que o empregador resolveu criar um fundo de pensão, nada o impede de retirar a qualquer momento o seu patrocínio (contribuição financeira assumida) e abandonar a entidade, formada por ele e pelos trabalhadores.

É verdade que a Lei Complementar 109, de 29/05/2001, sancionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus artigos 25 e 33, inciso III, prevê a possibilidade da retirada de patrocínio. Mas esta autorização legislativa não pode ser lida de forma aberta e ampla, pois as consequências do ato da empresa de abandonar a responsabilidade assumida diante dos trabalhadores (ativos e assistidos) são muito graves e não podem ser encaradas como mera decorrência da decisão empresarial para se livrar de um custo adicional e ampliar os lucros da organização.

A Constituição Federal, no artigo 5º, XXIII, estabelece que “a propriedade atenderá à sua função social”, ou seja, o proprietário não pode tudo, como pensavam e acreditavam os liberais. Ela tem limites que são impostos e devem ser observados, principalmente os de ordem social.

O ato de retirada de patrocínio de uma entidade previdenciária deve observar a função social da propriedade, porque sua criação foi incentivada pelo empregador, sendo os trabalhadores co-proprietários do fundo de pensão, isto é, uma vez criada a entidade, a decisão não pode ser tomada de forma unilateral pelo patrão.

Sob este ponto, entendo que a Lei Complementar 109, nos artigos 25 e 33, II, é inconstitucional por atentar contra a função social da propriedade e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da justiça, da lealdade, da razoabilidade e da transparência, todos cláusulas pétreas.

Na verdade, o ato de retirada de patrocínio (ou imposição unilateral para que os assistidos já aposentados, com benefícios definidos, migrem para outros planos de investimento) constitui, sem dúvida, uma quebra da proteção da confiança legítima, na medida em que os trabalhadores confiaram nos seus empregadores (os patrocinadores, tanto no setor público quanto no privado), por acreditarem que o órgãos governamentais iriam garantir a devida proteção do seu futuro, para o qual contribuíram por tantos anos.

Nesse ponto, é importante destacar que “a ideia de proteção da confiança está intrinsecamente ligada à ideia de boa-fé. A estabilidade é um elemento fundamental de segurança jurídica”, para que não ocorram “reviravoltas ou rupturas inadvertidas no cenário jurídico formado”, como manifestado no julgamento da Apelação Cível 2013.51.01.0125053, relator desembargador Marcus Abraham, 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da Segunda Região).

A retirada do patrocínio tem relevante repercussão geral sob os aspectos sociais, econômicos e jurídicos, causando traumas e danos irreparáveis aos trabalhadores e às suas famílias, uma vez que expectativas de direitos são frustradas pelo empregador e direitos adquiridos podem ser deixados de lado, na medida em que os trabalhadores confiaram que receberiam até a sua morte os benefícios definidos e ajustados com o plano de previdência, que de uma hora para outra passa a se dizer deficitário e, por isso, sem condições de manter o pagamento das aposentadorias e pensões.

Com efeito, nenhum direito adquirido – ainda mais quando reforçado pelo princípio da confiança legítima - pode ser desrespeitado, devendo a empresa patrocinadora retirante cumprir até o fim as obrigações assumidas com os participantes assistidos (aposentados, pensionistas e seus dependentes), devendo estes integrar sua folha de pagamento em caso de liquidação forçada do fundo de previdência.

Um dos princípios básicos do capital é o de que o contrato é lei entre as partes e deve ser cumprido, sob pena de violar a segurança jurídica e a lealdade que deve ser mantida entre as partes. Da mesma forma, e em maior extensão, um direito adquirido e integralizado ao patrimônio do indivíduo (participantes assistidos do fundo de pensão) deve ser respeitado e cumprido integralmente.

A retirada do patrocínio pela empresa deixa os trabalhadores assistidos entregues à própria sorte, à semelhança do pai ou mãe que abandona o filho menor, hipótese que não encontra proteção nas regras básicas do direito.

Portanto, a retirada de patrocínio é, sem dúvida, uma forma perversa de cassar os direitos adquiridos de aposentados e pensionistas, beneficiários de fundo de previdência complementar, que, na lógica equivocada do empreendedor, tornaram-se um peso a ser carregado, mas que, no passado, foram incentivados pela empresa a ingressar no fundo de pensão sob a promessa de um futuro melhor, porém, quando se encontram no gozo dos benefícios, são desrespeitados e ultrajados em sua boa-fé objetiva. E nenhum governo pode incentivar tal comportamento, que ofende os princípios fundamentais da Constituição.

 

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