O
dia 22 de março de 2017 fica registrado como a data que simboliza a revogação
definitiva da Constituição de 1988. Isto
porque, até então havia discordância entre cientistas sociais, historiadores e
juristas se o impeachment de Dilma Rousseff, em 31/08/2016, teria sido
suficiente para revogar o pacto político constitucional, tutelado pelos agentes do antigo regime
autoritário de 1964-1985, como aponta Francisco Carlos Teixeira da Silva.
Com
efeito, e ainda que tenha sido tutelado, o processo constituinte de 1987/1988
entregou uma Constituição que foi promulgada em 05/10/1988, sob a presidência
do Dr. Ulisses Guimarães, documento que tinha em sua base um tripé fundamental,
assim estruturado: a) preservação da soberania nacional; b) restabelecimento
das liberdades democráticas individuais e coletivas e c) garantia dos direitos
sociais, com um rol de direitos trabalhistas, no seu artigo 7º, que realçava o
simbolismo histórico do trabalhismo, na formação política brasileira do século
XX.
A
Constituição, que era “cidadã” (porque resgatava as liberdades democráticas,
segundo Ulisses Guimarães) ou “tutelada” (mediante conchavos para impedir a
implantação de uma justiça de transição para o julgamento de todas as práticas
do antigo regime), foi aos poucos sendo desconstruída pelos governos
neoliberais, após o fim da "Guerra Fria" (1991).
Abaixo,
recordamos as referidas emendas constitucionais (EC), na era Fernando Henrique
Cardoso (FHC), e o ataque nocivo de cada uma delas contra a soberania nacional
(primeiro tripé), para a implementação definitiva do processo de privatização
no Brasil, por meio da alteração da ordem jurídica.
a) EC 06/95 – impôs o fim do conceito de empresa
nacional para possibilitar que empresas estrangeiras, apenas constituídas sob
as leis brasileiras, pudessem pesquisar e explorar recursos minerais e possibilitou que empresas estrangeiras,
meramente "constituídas sob as leis brasileiras", pudessem realizar a
pesquisa e a lavra de minerais (incluindo o Petróleo, gás e derivados) no
Brasil; abrindo o caminho para o início da privatização da Companhia Vale do
Rio Doce, que se materializou em 06/05/1997);
b) EC 07/95 – possibilitou que empresas estrangeiras
pudessem realizar o transporte de navegação de cabotagem na costa brasileira e
impôs o fim da importante Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro (fundada em
1894), em outubro de 1997, pelas mãos de FHC;
c) EC 08/95 –
permitiu a flexibilização das regras para os serviços de telecomunicações, que
possibilitou a privatização do sistema Telebrás, em 29/07/1998, sob o comando
de Sérgio Mota, homem de confiança de FHC;
d) EC 09/95 - que impôs o fim do monopólio
constitucional do petróleo em favor da Petrobras e abriu caminho para a
aprovação da famigerada Lei 9.478, de 06/08/1997, que permite a venda dos
campos de petróleo e gás do Brasil para estrangeiros.
Com
isto, FHC e seus colaboradores acreditaram que chegava ao fim a “Era Vargas”, porém
mentiam para si mesmos, porque ainda estavam preservadas e funcionando as
instituições e mantidos os direitos trabalhistas.
Tanto
é que Lula da Silva foi eleito em 2002, governou de 2003 a 2010 e ainda fez sua
sucessora Dilma Vana Rousseff, que governou de 2011 a 2016, quando foi
derrubada por um trágico golpe contra as liberdades democráticas (segundo
tripé), num processo de impeachment sem base jurídica sólida e sem nenhum motivo
plausível para o afastamento de uma presidenta eleita democraticamente pela
maioria do povo brasileiro, sob o argumento de “pedalada fiscal”. Mas o que é
pedalada fiscal? Até hoje o povo brasileiro não sabe e nunca saberá, porque
nenhum delito foi praticado por Dilma Rousseff, seja contra o Erário, a
soberania ou o povo brasileiro, ao contrário dos golpistas que a apearam do
poder.
Com
o impeachment materializado definitivamente, um (des)governo sem voto, formado
por agentes civis que atuaram no regime de 1964-1985 (e que não foram julgados
por uma justiça de transição e sequer chamados a depor ou citados no relatório
final da Comissão Nacional da Verdade), tomaram o poder e apresentaram uma
série de medidas contra o povo brasileiro, falsificadas sob a égide de “reformas”:
do ensino médio, trabalhista, da previdência e cortes de gastos nas áreas de
saúde e educação etc., além de iniciaram um amplo programa de privatizações e
asfixia de Estados e Municípios brasileiros.
Uma
pequena pausa para dizer que a atual legislatura federal (2015-2019),
considerada a pior em toda a história do parlamento brasileiro, por sempre votar
descaradamente contra o povo, foi eleita sob o brutal financiamento privado de
campanha eleitoral, sistema que teve sua sobrevivência favorecida pelo ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em decorrência de seu pedido de
vista que conseguiu postergar por mais de um ano o andamento do processo que,
posteriormente, julgou inconstitucional o financiamento privado de campanha.
O
impeachment, votado por deputados e senadores envolvidos em graves escândalos
de corrupção e financiamento eleitoral, representou, em 2016, a revogação
simbólica das liberdades democráticas garantidas pela Constituição de 1988.
Hoje, um juiz primário (de 1º grau) é capaz de violar o direito de sigilo da
fonte e a liberdade imprensa, o que deixa evidente que as liberdades da
cidadania não estão sendo respeitas no país.
Por
fim, na noite de 22 de março de 2017, ao ser aprovada a terceirização nas
relações de trabalho, inclusive no serviço público, decretou-se a revogação
definitiva da Constituição de 1988, com a derrubada do seu terceiro tripé,
simbolizado pelos direitos sociais.
Agora,
FHC e seus parceiros podem festejar, de fato, o fim da Era Vargas, para
tristeza de milhões de trabalhadores brasileiros, que doravante serão mais e
mais explorados e não terão a mínima garantia.
Portanto,
diante dos ilegítimos e irresponsáveis desgoverno e parlamento, que trabalham
diuturnamente contra o povo brasileiro, é o momento de a sociedade exigir a
convocação urgente de Assembléia Nacional Constituinte para construir novo pacto político, que possa restabelecer o equilíbrio de forças políticas
e sociais no Brasil.
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