Segundo
noticiou o El País, em 29 de julho de 2017, a Justiça argentina condenou quatro
juízes federais da província de Mendoza, por acobertarem sequestros (inclusive
de crianças), torturas e assassinatos ocorridos durante o regime ditatorial de
1976 a 1983. Os juízes federais foram condenados à prisão perpétua por crimes
contra a humanidade.
A
decisão argentina representa excelente precedente internacional, uma vez que as
instituições judiciais e promotorias de justiça tiveram seus agentes
anistiados, uma vez que não foram processados nem julgados por seus atos de
colaboração com regimes ditatoriais.
Regimes
ditatoriais fascistas, como o português de António de Oliveira Salazar/Marcelo
Caetano (1933-1974) e o espanhol de Francisco
Franco (1939-1975), ao seu término, não tiveram suas decisões do passado
julgadas por meio de uma justiça de transição; o que deixou impunes diversos
atos de exceção e delitos praticados contra a humanidade.
No
Brasil, pouco ou quase nada foi investigado sobre a atuação dos juízes e
promotores de justiça durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
No
livro Poder Judiciário e ditaduras brasileiras (ARC Editor, 2015) descrevemos
como a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, entre 1.º de abril de 1964 e dezembro de 1968, foi
fundamental para o endurecimento da segunda ditadura republicana brasileira, a
partir de 1969.
Os
juízes do Supremo Tribunal Federal, todos nomeados em governos civis anteriores
a 1964, saudaram e aplaudiram a chegada da ditadura, no Plenário da Corte.
Ministros
do Supremo Tribunal Federal tinham conhecimento de torturas, prisões ilegais, prisões
de estrangeiros (em 1965) e colaboração com outras ditaduras (no que podemos
inferir os passos iniciais da Operação Condor), além de acusações baseadas em
mera “convicção”, relativas a indivíduos sob suspeita de serem denominados de
comunistas, pode-se dizer que num exercício muito semelhante à teoria do
“domínio do fato”, utilizada nos julgamentos do “mensalão” e da “lava jato”,
pela qual foram impostas condenações a pessoas, mediante a suspeita de serem
“chefes”, mas sem que tenha sido produzida uma prova sequer dos fatos
delituosos a elas imputados.
A
Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012 pela lei 12.528/2011, teve
seus holofotes direcionados basicamente sobre os militares, como se estes
fossem os culpados exclusivos pelos males do regime. Em decorrência, os
trabalhos da Comissão colaboraram muito pouco para esclarecer a atuação de
juízes e procuradores/promotores de
justiça durante o golpe civil/militar de 1964-1985. E, caso tivesse atuado com profundidade em
relação a essas instituições, muitas arbitrariedades e abusos judiciais com que
nos deparamos hoje poderiam ser evitados.
O
Poder Judiciário, ao contrário do que costumam manifestar em suas sentenças os
juízes do Supremo Tribunal Federal, como Celso de Melo, é muito pouco
republicano, pois não existem neste Poder “igualdade e transparência”,
requisitos fundamentais na República. O juízes se tratam entre si como “órgãos” do Estado e não como servidores do povo.
A
sentença da justiça argentina, acima anunciada, chega até nós em um momento
político importante e delicado, pois representa o resgate da história de
agentes do Poder Judiciário que atuaram contra os interesses do seu povo e
poderá servir de modelo para que se investigue a atuação de juízes e
procuradores/promotores de justiça que conspiram contra seus próprios países,
num traço típico de subserviência colonial.
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