Professor Francisco Carlos Teixeira da Silva |
Por Francisco
Carlos Teixeira da Silva
Historiador,
Prêmio Jabuti, 2014.
Depois de
seguidas manifestações de ódio racial, de gênero – misógino, feminicídio,
homofobia, transfobia -, de brutais preconceitos contra regionais brasileiros,
em especial nordestinos em grandes cidades do Sul-Sudeste,e agora de refugiados
haitianos e sírios no Brasil, vimos com espanto o toque de reunir dos
neonazistas na cidade de Charlotesville, na Virgínia, Estados Unidos.
Na Europa,
Alemanha, Polônia, Hungria, Letônia, Ucrânia e Áustria são assoladas por grupos
cada vez mais explícitos, numerosos e fortes, de homens e mulheres, que
defendem uma agenda claramente fascista, ou mesmo nazista: claro ódio aos
judeus, aos negros, ao povo LGBT, a tudo que surge como uma forma de alteridade
– um outro, o “alter”, que deve ser negado e anulado em face de um “Nós”
homogêneo, racialmente “limpo” e “superior”.
Sem dúvida
alguma, a eleição de Donald Trump deu gás e fôlego a amplas camadas populares –
isso mesmo, “populares”,setores médios da sociedade, duramente atingidos pelas
perdas ocorridas desde a crise econômica e social de 2008 e que não entendem,
não conseguem entender, o porquê de suas perdas materiais e de status social.Esses
“perdedores da globalização”, profundamente enraivecidos e frustrados, são o
eixo central ao qual se dirigem os novos “führers”, “duces” ou “conductures”
como massa de manobra para pregar o ódio como político.
Os novos
“líderes”, eles mesmos sujeitos vazios, filhos da crise, emergem, como
cogumelos em solo podre após uma chuva pesada e morna, oferecendo uma redenção
eterna para além da imanência do mundo material – uma imanência expressa na
pobreza, na violência, na ausência de expectativas no futuro. Como nada podem
oferecer porque nada possuem, são eles mesmos vazios de quaisquer sentimentos
ou esperança, expressam sua raiva como resposta à dor da perda. Num mundo de
desamparo conduzem largos setores populares a um estado de euforia histérica de
violência e ódio como um traço de união – não há futuro, são apenas contra:
contra aquilo que na maioria das vezes os desafia na pessoa d´outro.
Um fundo
conservador e tradicional, seja na América, seja no Brasil – a politica do
mando e a escravidão, a ideia de que o trabalho duro e penoso por si só redime
o homem e que esse “Novo Mundo” foi o lugar – a “colina que Deus escolheu para
erguer sua cidade” – marcam a rejeição revoltada daqueles que não entendem as
crises econômicas, as manipulações financeiras e as razões do desemprego. Basta
para estes apenas atribuir ao outro – ao estrangeiro, ao negro, ao judeu, ao
diferente LGBT – as razões de sua própria infelicidade. A sua dor encontra
razões na inveja e na diferença do outro: por que o outro é feliz e não é
obediente ao “meu” Deus? Um calafrio exterminacionista corre pela espinha do
“escolhido” pela primeira vez... Será difícil
não buscar punir n´outro seu próprio mal-estar e desamparo, ainda mais quando
um “Pai-Grande” – o padre, o pastor, o “líder” militar arruinado apontam para a
salvação na destruição de tudo que ilumina no pecador a marca da liberdade e do
livre-arbítrio.
Os
“líderes”que emergem do caos econômico e da miséria social não querem explicar
ou esclarecer as razões da crise: querem apenas atrair platéias mirando seus
dedos longos para um outro qualquer. É mais fácil, é mais direto, é mais
eficaz! Cultivam o ódio como jardineiros fiéis cultivam avencas e então
distribuem seus esporos ao vento para uma colheita de tempestades. Por isso
Trump é responsável: como condenar a “violência de todos os lados”, quando se
associou desde cedo com a KKK/Ku Klux Klan, com sua história de mortes,
linchamentos e incêndios de Igrejas? Pregou e prega ódio e a construção de
muros? Como jardineiro Trump é o
responsável pelas flores sangrentas de Charlotesville!
Entre nós
não é diferente, cometemos graves crimes, crimes do silêncio – da palavra
engasgada e do mal-dito.
Em primeiro
lugar o silêncio em face da emergência do mal: a multiplicação de
pseudo-führers, Mussulonis de amostra-grátis, mas tão peçonhentos como em doses
grandes, frequentam o plenário do Congresso Nacional – afinal tão corrompido -,
possuem livre acesso à televisão, pregam e defendem o estupro, os linchamentos
do povo LGBT, depreciam e ofendem negros e pardos e atribuem a nordestinos suas
derrotas democráticas, insuportáveis em seu narcisismo!
Sessenta mil
mortes anuais por armas de fogo: “... e a carne negra é mais barata do
mercado!” Homens, entre 15 e 25 anos, negros e pardos, são a maioria – e, desde
2017, policiais também fazem parte desse mercado “da carne negra barata”,
sucata humana reposta e mal-paga, que se soma com quase duas mortes de
policiais por dia. Silêncio.
As mulheres
são humilhadas. Atacadas. Mal pagas... E estupradas: a cada 11 minutos uma
mulher é estuprada no Brasil. Mas, a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados
se engasga, silencia, se cala – nada a dizer quando um deputado se diz pronto
para o estupro em Plenário. Por que seria escândalo? Já tínhamos ouvido a apologia
à tortura.
Em seguida,
temos o segundo crime, difuso, sem tipificação aparente: se negar a dizer as
coisas pelo nome, mentir perante o ódio racial e de gênero, recorrer aos
eufemismos – eis o segundo crime, esse elegante e de bom-tom: não dizer o nome
do absurdo que se comete: nazismo, ou se quiserem, uma forma qualquer de
fascismo.
O que vemos
hoje na televisão, incluindo nossas televisões de jornalismos 24 horas, é esse
bom-mocismo amedrontado, esse medo de “tia velha” em não dizer o “nome do
demo”, não dizer “o nome daquela doença”, não dizer o “nome de quem partiu”...
Pois bem, o fascismo não partiu, está vivo e forte entre nós! Não adianta chamar os fatos de “xenofobia”,
ultranacionalismo, racismo, preconceito, populismo (argh, essa é demais!),
extremismo ou manifestantes (essa igualando e confundindo todos!) quando os
“supremacistas brancos” estão com suásticas tatuadas nos braços, pescoços e
cabeças e carregam tochas como em marchas organizadas por Goebbels na Unter den
Linden em Berlim, em 1933.
Por fim, o
terceiro e maior dos crimes: a supressão da história, a mordaça contra os
professores de História, de sociologia, de literatura, de filosofia e de
biologia, impondo-se uma ditadura em sala de aula, substituindo-se o clima de
construção de aprendizado aluno-professor por uma relação policial, de denúncia
e perseguição, reconstruindo os anos de Stálin ou a Escola das SS em pleno
coração do Brasil, tudo tutelado por um movimento que se diz “sem partido”, mas
traz no peito o encapuçado, o não-dito, o mal-dito: o horror do fascismo.
Basta de
engasgar com as palavras e temer o próprio som da voz, está na hora de dizer alto
e em bom som: Nazistas Nunca Mais!
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