Poder
e violência são dois termos que se fundem. Para se exercer o poder, há que
fazê-lo por meio da violência. A violência se executa pelo poder. As lições e
conclusões sobre a natureza do poder e da violência não têm sua origem em meras
divagações metafísicas, pois nascem da mais profunda realidade empírica.
O
poder não é uma criação da mente humana, é antes uma constatação do que se
verifica na vida em si mesma, na qual os mais fortes (física ou
intelectualmente) se impõem sobre os demais seres; ou seja, “o direito do mais forte é único reconhecido”[1].
A materialização do poder dá-se por meio da violência, que se constitui por
meio da força.
Pela
força da criação mental, o Estado foi a maior invenção da mente humana; sendo
que “dentre os diversos momentos da vida
do povo, foi o Estado político, a constituição, o mais difícil de ser
engendrado.”[2] E, ao criar o Estado, o homem passou a deter o
monopólio do uso do poder e da violência, de forma institucionalizada. Desta
forma, o grupo político que controla o Estado determina o que pode e o que não
pode ser feito pelas pessoas.[3]
Por
isso, as classes ou grupos subalternos (que estão à margem da sociedade), “sofrem sempre a iniciativa dos grupos
dominantes”[4]
para submetê-los à ordem violenta do
Estado, que lhes dita o que podem ou não podem fazer. Daí, “só a vitória ‘permanente’ rompe, e não
imediatamente, a subordinação”[5],
como diz Gramsci.
Sendo
o Estado uma criação metafísica, é possível afirmar, a partir desta construção,
que o Direito é violência, pois, ao mesmo tempo em que concede direitos (determina
o que se pode fazer), por outro lado impõe restrições (o que não se pode fazer)
às pessoas[6];
sendo sua efetivação final executada pelo aparelho burocrático estatal, que é o
detentor do poder de colocar em prática “a
violência historicamente reconhecida ou sancionada”, expressada pelo
Direito Positivo[7].
Para
a teoria do Direito, este pode se manifestar por meio de sua natureza
originária, materialmente real, ao revelar o seu conteúdo de mediação.
Isto se verifica quando alguém é chamado a decidir quem está certo ou errado em
um determinado assunto. Ao ser decidida
a questão, o Direito se realiza.
A
concepção do Direito como elemento de pacificação dos conflitos sociais se
exerce e materializa por meio do poder e da violência. O Estado, quando
pacifica um conflito (causa da criação do Estado moderno, a partir da teoria hobbesiana),
o faz por meio da violência institucional, dispondo do poder de impor sanções e
restrições de direitos.
As
normas jurídicas são impostas por um príncipe
ou legitimadas pela soberania popular, ou, ainda, constituídas pela livre
manifestação de vontade dos seres humanos. Estas normas compõem o Direito
Positivo e possuem inegável força e violência sancionadora. Como diz Benjamin:
“Todo poder, enquanto meio, tem por
função instituir Direito ou mantê-lo”[8].
Para
Hobbes, o direito à vida é o elementar direito natural. Apesar de constituir
uma aparente construção intelectual, o direito à vida é a base de tudo para o
ser humano, uma vez que suprir as necessidades fundamentais são indispensáveis
a sobrevivência do homem.
Sem
vida, não existe homem. Por isso, ao contrário do que alguns manifestam, o
direito natural tem existência material, uma vez que, sem vida, o ser humano,
único ser capaz de produzir cultura, não pode constituir o Estado nem permitir
a sua apropriação pela utilização do poder e da violência; sendo que para o direito natural, “a violência é um produtos da natureza”,
empregada para “fins justos.”[9]
Objetivo
deste ensaio foi questionar a construção doutrinária denominada realismo
jurídico (com base na escola norte-americana), que se manifesta mediante a
ideia de que o direito se concretiza por intermédio das decisões judiciais, visto que tal teoria já nasce impregnada de poder
e violência e pode ser utilizada para justificar a mais perversa crueldade e
não os fins justos de um Direito Natural, baseado na soberana vontade popular.
Nesse
contexto, não se pode ignorar que os luminares da hegemonia têm propugnado que
o século XXI é do poder judiciário, de forma a incentivar juízes a interferir
diretamente na atividade política, inclusive se sobrepondo ao direito positivo
fundamental, baseado nas constituições políticas, e desrespeitando princípios
considerados inafastáveis pela humanidade.
Sendo
assim, o direito nunca poderá ser resumido à palavra final de juízes ou
tribunais, cujo papel deveria ser o de fazer respeitar a soberania popular,
manifestada por meio das leis aprovadas pelo parlamento e pelos atos praticados
por governos legitimamente constituídos e que trabalhem em favor do povo. Ou
seja, o papel preponderante do judiciário é o de impor reconhecimento e
legitimidade às normas jurídicas, como proposto por H.L.A. Hart[10],
e não distorcê-las conforme seu arbítrio.
Daí
esta crítica a toda manifestação judicial quando utilizada de forma seletiva e
destinada, unicamente, a alcançar determinados cidadãos e grupos políticos que
divergem daqueles que estão à frente do poder, bem como para tentar afastar do
meio social os indivíduos considerados indesejáveis, a exemplo do que foi posto
em prática pelo fascismo no início do século XX e que se tenta restaurar em
pleno século XXI.
[1] GRAMSCI, A. Oprimidos e opressores. Escritos
políticos. Civilizações Brasileiras: Rio de Janeiro, 2004, p. 46.
[2] MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Boitempo editorial: São Paulo,
2013. p. 57.
[3] ROSS, Alf. Direito e justiça. Edipro: Bauru, 2007,
p. 83: “Para sua realização, o direito necessita o poder ‘por trás’ de si.”
[4] GRAMSCI, A. Caderno 25, Às margens da história.
(História dos grupos sociais subalternos.). Cadernos do cárcere. Civilização brasileira: Rio de Janeiro, 2014, p. 135.
[5] GRAMSCI, A. Cadernos
do cárcere (Caderno 25, Às margens da história. (História dos grupos
sociais subalternos). Civilização brasileira: Rio de Janeiro, 2014, p. 135.
[6] KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado.
Martins Fontes: São Paulo, 1992, p. 27-28, considera, nesse ponto, uma
antinomia aparente do direito, uma vez que a coerção é utilizada, pela sociedade coletiva, para
evitar uma outra agressão e assim pacificar a sociedade. Diz Kelsen: “a força é
empregada para prevenir o emprego da força na sociedade. (...) A antinomia, no
entanto, é apenas aparente. O Direito, com certeza, é uma ordenação que tem
como fim a promoção da paz. (...) O Direito e a força não devem ser
compreendidos como absolutamente antagônicos. (...) o Direito faz do uso da
força um monopólio da comunidade E, precisamente por fazê-lo, o Direito
pacifica a comunidade.
[7] BENJAMIN. W. Sobre a crítica do poder como violência.
O anjo da história. Autêntica: Belo Horizonte, 2013, p. 60.
[8] BENJAMIN. W. Sobre a crítica do poder como violência.
O anjo da história.
Autêntica: Belo Horizonte, 2013, p. 62.
[9] BENJAMIN. W. Sobre a
crítica do poder como violência. O anjo da história. Autêntica: Belo
Horizonte, 2013, p.59.
[10] HART, H.L.A. O conceito
de direito. WMF Martins Fontes: São Paulo, 2012, p. 133: “Quando os tribunais
chegam a uma conclusão específica, com base no fato de que certa norma foi
corretamente identificada como norma jurídica, aquilo que declaram tem um
caráter especial de autoridade imperativa, que lhe é conferido por outras
normas.”
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