O Agitador de George Grosz, 1928. |
Tenho
sido um crítico ao realismo jurídico americano, uma doutrina relativa à teoria
do direito que, a partir dos anos 20 e 30 do século XX, passou a entender que o
Direito se manifesta por meio das decisões dos tribunais, em particular as
Supremas Cortes de Justiça.
Para
esta corrente de pensamento, o juiz não pode ser um mero aplicador das regras
aprovadas pelos Parlamentos e Governos, devendo tomar as suas decisões,
principalmente nos casos judiciais considerados difíceis, “de acordo com as
suas preferências políticas ou morais”,
como esclarece Ronald Dworkin, em sua obra “Levando os direitos a sério”.
A
partir daí, ocorreu um gradativo esvaziamento na simples aplicação das regras
jurídicas e prevaleceu um imenso grau de interpretação e aplicação de
princípios jurídicos, que passaram a ser empregados segundo a convicção pessoal
de cada juiz.
Com
isto, as Cortes de Justiça deixaram de ser aplicadoras das normas jurídicas
(regras e princípios) para tornaram-se criadoras de normas de Direito, que, em
muitos casos, não estão previstas com clareza nos textos constitucionais nem
nas demais leis e regulamentos produzidos pelas instituições políticas.
Além
disso, neste mesmo embalo, os movimentos sociais e grande parcela da sociedade
civil passaram a depositar as esperanças de concretização de seus objetivos nas
mãos dos Tribunais, em razão da ausência de resposta política a suas demandas
políticas, sociais e econômicas, o que deu origem ao fenômeno da judicialização
da política.
Contudo,
não será jamais nas Cortes de Justiça que os problemas políticos poderão ser
solucionados, mas sim nos espaços públicos, nos parlamentos e nos governos,
mediante a atuação das pressões que somente
a sociedade pode exercer sobre os políticos.
O
descrédito na política, como se vê hoje por todo o mundo, traz em si o fracasso
da sociedade, cujos integrantes não conseguem se organizar nem impor a ordem
para fazer prevalecer seus interesses.
O
que se constata atualmente é que as pessoas estão se desinteressando da vida
política e permitindo que os espaços públicos sejam ocupados por ndivíduos que
jamais irão trabalhar para o benefício da coletividade, pois representam os interesses dos mercados e
de outros grupos privados.
Assim,
é mais fácil para os cidadãos ficar acomodados, protestando à distância e
entregando a solução de seus problemas nas mãos da burocracia, principalmente a
judicial e aquelas constituídas pelas demais forças repressivas, como o
ministério público e a polícia.
Contudo,
as referidas instituições não foram criadas para serem o centro da arena
política. Isto porque constituem entes estatais auxiliares, que existem para
facilitar o controle e o exercício do poder pelo Estado e, sendo assim, podem
agir contra os interesses da coletividade e em favor dos interesses dos grupos
dominantes que se tenham apropriado da condução da política.
Quando
um determinado Estado passa a ser controlado dessa forma, o que se tem
observado é que os direitos liberais fundamentais, constituídos em
proteção e defesa da sociedade civil, passam
a não ser mais respeitados. Assim, o habeas corpus e a própria presunção de
inocência passam a ser aplicados com restrições ou são até mesmo negados em sua
plenitude.
Não
é crível que o habeas corpus, instrumento jurídico criado para dar proteção
máxima contra as arbitrariedades praticadas ante o direito natural de ir e
vir, possa ser limitado por questões
meramente formais e até mesmo morais, como se tem visto nos discursos e votos de
juízes da Suprema Corte do Brasil.
Pois
o habeas corpus é um instrumento processual que visa garantir a liberdade das
pessoas e deve ser analisado em qualquer hipótese para se saber se um determinado
indivíduo – quem quer que seja – está sofrendo uma violência por parte das
instituições estatais.
Da
mesma forma, não se pode limitar a presunção de inocência enquanto não
transitar em julgado uma pretensão criminal contra um cidadão.
Nesse
ponto, para entendimento geral, proponho que seja feita a seguinte reflexão:
“se uma ação viola um direito fundamental, isto significa que, do ponto de
vista dos direitos fundamentais, ela é proibida”. É o que diz Robert Alexy, na
obra Teoria dos Direitos Fundamentais.
Significa
dizer que o princípio da presunção de inocência não pode ser rebaixado pelo
mero direito de prender. Infelizmente, por questões de política, pessoas estão
sendo presas sem a conclusão do julgamento final por um tribunal superior, como
asseguram as normas internacionais a que o Brasil aderiu, como o Tratado de
Direitos Humanos de São José da Costa Rica.
É
inaceitável que princípios fundamentais que constituem o próprio cerne dos
direitos estendidos pelo Estado para garantia dos cidadãos (de qualquer cidadão!)
sejam desrespeitados por representantes de instituições criadas meramente para
instrumentalizar a ação do Estado na construção do bem-estar coletivo.
Isto
porque o Estado não existe por si só e, se existe e manifesta qualquer ínfima medida
de poder, todo o poder que detém emana de quem o constituiu em primeiro lugar:
o povo, e não as instituições, que lhes devem total obediência.
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