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A DEMOCRACIA COMO PROBLEMA DO DIREITO

  Os pilares da sociedade. Georg Grosz. 1926.

Por Jorge Folena 
Fui convidado para, no ultimo dia 11 de novembro de 2021, representar o Instituto dos Advogados Brasileiros, no painel promovido pelo Instituto Victor Nunes Leal, para debater “a democracia como problema do Direito”. 
Tratar do tema democracia como problema do Direito tem sido um desafio no atual período histórico, e se torna ainda maior nos dias de hoje, quando a bandeira do extremismo de direita tem sido defendida sem qualquer constrangimento, por todo o mundo, promovendo o desgaste das instituições do Estado liberal. 
Não tenho dúvida de que a crise da democracia na atualidade tem relação direta com a forte concentração de renda. 
Aqui, vale trazer a conclusão de Thomas Piketty, em sua obra “O Capital no século XXI”, quando afirma no último parágrafo do seu livro que: “Aqueles que possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses”! 
Ou seja, o egoísmo gerado pela concentração de capital impediu que se levasse prosperidade e paz aos povos do mundo; ao contrário, o século XX, que o historiador Eric Hobsbawm denominou como “era dos extremos,” foi marcado por grandes guerras, perseguições ideológicas e muitas mortes, decorrentes deste fenômeno da concentração de renda. 
Com a fundação do Estado liberal, o direito moderno foi estabelecido sob o argumento de assegurar a paz e a segurança às pessoas, num regime de liberdade; mas não temos visto a materialização dessa aspiração. 
O Estado tem sido utilizado como instrumento de poder para que poucos possam ganhar cada vez mais, ao passo que a imensa maioria continua a ser espoliada dos seus direitos elementares, como o de se alimentar, estudar, ter saúde e segurança. Isto é, ter o efetivo direito a uma existência digna! 
Lembro aqui as palavras do presidente do México, Manuel López Obrador, proferidas na semana passada no Conselho de Segurança da ONU, em contundente crítica ao sistema que possibilita a concentração de renda, e, nas sua palavras, retira “o Direito a uma vida livre de temores e misérias (...) e que a ONU nunca fez algo realmente substancial em benefício dos pobres”. 
Na mesma sessão, o Secretário Geral da ONU, António Guterres, também reforçou: “a exclusão e as desigualdades de todo tipo têm um custo devastador em matéria de segurança. Especialmente em áreas onde se carece de serviços básicos como são o de saúde, educação, segurança e justiça.” 
No Brasil de hoje não é diferente. Basta olharmos nas grandes cidades para vermos milhares de pessoas (inclusive crianças) dormindo nas ruas, sem casa e comida; o país tem níveis alarmantes de desemprego; os direitos sociais dos trabalhadores foram suprimidos nas reformas trabalhista, previdenciária e fiscal, sob a desculpa de limitar gastos do Estado, e assim, o orçamento agora somente beneficia os mais ricos. 
Em decorrência, vemos a democracia a cada dia mais enfraquecida. Aliás, não dá para falarmos em democracia quando não há liberdade, pois, conforme Montesquieu, esta só é possível em uma sociedade frugal. Mas para haver frugalidade é preciso haver justiça social e que as todas pessoas possam suprir suas necessidades fundamentais. 
 O que ocorre no país está em desacordo com princípios fundamentais previstos na Constituição, como: a dignidade da pessoa humana; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza, da marginalização e redução de desigualdades sociais e regionais; a promoção do bem de todos, sem preconceito de qualquer tipo e quaisquer formas de discriminação; a valorização do trabalho humano; a existência digna, conforme os ditames da justiça social; a busca do pleno emprego etc. 
Ressalto que não é possível haver democracia de fato quando se atua contra o pacto político e social, tratado pelo Direito Constitucional, na medida em que não se atende ao princípio do Estado Democrático de Direito (base da República Federativa do Brasil) e prevalecem os interesses patrimonialistas da concentração de riqueza, o que vem se reproduzindo sistematicamente desde o período colonial. 
Neste ponto, é importante registrar a investigação realizada pelo Ministro Victor Nunes Leal, na sua obra máxima Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil, na qual aponta o sistema patrimonial do “filhotismo”, incentivado pelos coronéis, num regime de favores aos amigos e de perseguição aos adversários (“aos amigos tudo, aos inimigos o rigor duro e cruel das leis”). 
Com efeito, a observação de Victor Nunes Leal, na sua obra de 1949, infelizmente permanece atual no Brasil; sendo hoje representada pela figura do “orçamento secreto”, julgado inconstitucional pelo STF nesta semana, pelo qual se divide a riqueza recolhida da população entre partidários e amigos, em prol dos interesses de cada um deles, sem a menor preocupação e compromisso com o povo. 
Isto vai contra o conceito de República (que exige igualdade e transparência) e também contra o de democracia, pois gera vantagens apenas para uns, em detrimento da maioria. 
Não dá para aceitar com passividade esta forma de representação, rotulada de “nova política”, como anunciado no início de 2019; da mesma forma, não dá para aceitar com naturalidade as pessoas que colocam dinheiro em “paraísos fiscais” para não pagar tributos em seu país, deixando de colaborar com o desenvolvimento nacional, do qual se beneficiam. 
Portanto, o grande desafio para a democracia contemporânea é a superação da injustiça da não distribuição da riqueza, especialmente num país rico mas com um povo cada dia mais pobre! 
Por fim, o maior desafio para o Direito e seus operadores no Brasil é dar eficácia às normas constitucionais, que estabelecem um grandioso programa para que as pessoas tenham existência digna; mas isto não tem ocorrido até aqui, principalmente devido à manutenção das inconstitucionais reformas que foram aprovadas nos últimos anos no Brasil.

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