O golpe se consolidou em maio de 2016, logo depois da aceitação do impeachment da presidenta Dilma Roussef pela Câmara dos Deputados, quando o Senado Federal ratificou o início do processo de afastamento, que levou à suspensão da presidenta, que, por sua vez, permitiu passivamente que o governo se transferisse para as mãos do vice-presidente.
Até hoje não ficou claro o motivo
pelo qual Dilma aceitou entregar tão facilmente o seu governo, talvez por acreditar
que instituições carcomidas e dominadas por tanta gente sem postura moral e com
ficha criminal suja pudessem lhe socorrer.
Tendo a caneta na mão, a
presidenta permitiu ser sacada do Palácio do Planalto sem esboçar nenhuma luta. Beira a infantilidade acreditar que Dilma
pudesse vencer um processo constituído exclusivamente para legitimar a farsa do
impeachment, movido perante um tribunal que nunca se mostrou disposto a ouvir
com seriedade os argumentos da defesa.
Com efeito, o processo serviu exclusivamente
para os golpistas afirmarem que não ocorreu golpe, como fizerem logo em seguida
ao julgamento do dia 31 de maio de 2016, pois, segundo eles, teriam sido
assegurados a ampla defesa e o contraditório e teria sido cumprido regularmente
o devido processo legal, sob o comando do presidente da Suprema Corte.
Suprema Corte que recebeu pedido
judicial questionando a possibilidade do vice-presidente, interino no cargo, nomear
ministros ou executar um plano de governo diverso do aprovado pelo voto popular;
mas que nada fez e deixou o pedido parado (nos últimos três meses) na gaveta da
mesa do ministro Luís Roberto Barroso, que sequer se dispôs a examinar o requerimento
de medida liminar formulado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), fundado
pelo guerreiro Leonel de Moura Brizola.
Para os golpistas, não houve
golpe porque teriam sido cumpridas as regras constitucionais. Mas pela
instrução do processo de impeachment, no Senado, pode-se constatar o que todos já
sabiam: apesar de nenhum delito ter sido praticado por Dilma, ela foi
condenada. Como diria Pôncio Pilatos aos Judeus, no julgamento de Cristo: não
se viu naquela mulher qualquer crime; tanto que sobre ela não recaiu o
impedimento ao exercício de qualquer função pública.
O depoimento da presidenta Dilma,
na sessão de julgamento no Senado, no dia 29 de agosto de 2016, foi comovente.
Viu-se uma mulher valente e de fibra, que, ao contrário dos seus julgadores, sabia
o que dizia, numa sessão que durou mais de 14 horas. Deu até para se ter
esperança de que alguns senadores e senadoras pudessem ser inoculados pelo
vírus da honestidade intelectual para absolvê-la pela ausência do quórum de 2/3,
necessários para a condenação à perda do cargo de presidenta da República.
Mas era um sonho impossível, sonhar
com a honestidade moral de homens e mulheres que se apresentaram naquele julgamento
com o juízo já formado para a condenação, independentemente do que ali fosse
apurado, interrogado ou comprovado quanto à inocência política de Dilma, única
mulher a governar o Brasil em 516 anos.
O sonho de uma significativa
parcela dos brasileiros, de Dilma continuar na presidência, acabou na farsa do
julgamento senatorial e o pesadelo começou no mesmo dia, com a posse de um
homem que, em seu primeiro ato, mostrou sua verdadeira face ao ordenar aos seus
assessores para desmentir e negar que ocorreu um golpe político no Brasil, como
se pudesse apagar a História.
Neste mesmo dia, o senhor do
temor aproveitou o revezamento da tocha dos Jogos Paraolímpicos para baixar o Decreto
sem número, de 31 de agosto de 2016, que determinou o ato de intervenção
militar sobre a sociedade civil, fazendo uso da GLO (Garantia da Lei e da
Ordem), prevista no artigo 142 da Constituição, que permite que as Forças
Armadas sejam convocadas pelo Chefe do Poder Executivo para agirem contra
qualquer ato de ameaça à segurança.
É emblemático que, no mesmo dia
em que Dilma foi definitivamente afastada, seja iniciada uma nova fase de
intervenção militar no país, na medida em que a passagem da tocha, mero símbolo
de um evento esportivo, jamais poderia justificar a drástica imposição da “garantia
da lei e da ordem”, cuja única finalidade é intimidar o povo e impedi-lo de
chamar o governo golpista de golpista.
Caiu o pano e apagaram-se as
luzes, perante um estado de exceção em curso.
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