Pular para o conteúdo principal

Advogado Jorge Folena analisa em livro decisões do STF sobre terras indígenas

Foto do livro A questão das terras indígenas no Brasil

Em seu novo livro, “A questão das terras indígenas no Brasil: a indiferença dos nossos tribunais”, o advogado e cientista político Jorge Folena faz uma análise qualitativa de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2009 e 2014. Segundo o autor, elas têm em comum a tolerância dos ministros com diferentes formas de violências praticadas contra os índios.
A reportagem é de Lidia Pena, publicada por Bem Blogado, 23-09-2019.

Folena sintetiza na primeira parte do trabalho a construção histórica da subalternidade no país, de acordo com o conceito do filósofo Antonio Gramsci para as populações oprimidas dentro das próprias classes trabalhadoras, situadas no ponto mais frágil da luta de classes: como mulheres, negros, empregadas domésticas, índios. Já na segunda parte, a análise se detém nas jurisprudências do STF em questões envolvendo expulsão e remoção forçada de índios em reservas situadas em diferentes pontos do país.   

Um caso paradigmático, segundo o autor, é o da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 20 mil índios (macuxi, uapixanas, ingaricós, taurepangues e patamonas), em Roraima. Demarcada no governo de FHC e homologada pelo presidente Lula, em 2005, foi reivindicada por criadores de gado e plantadores de arroz. Embora o STF tenha dado ganho de causa aos índios, o julgamento da TI Raposa Serra do Sol, em 2009, ergueu o principal pilar para a abordagem neocolonista do Judiciário: a fixação arbitrária pelo Tribunal de um marco temporal para os direitos indígenas relativos à terra. Tomando como referência a promulgação da Constituição, o STF estabeleceu a chamada “chapa radiográfica” – os índios só poderiam reivindicar direito a terras que estivessem ocupando ou disputando na data de 5 de outubro de 1988 – nem antes, nem depois.

Este marco temporal tem sustentado decisões que toleram e naturalizam episódios de remoção forçada, com violência física e cultural, dos ocupantes de terras originárias historicamente reconhecidas como de direito de povos indígenas, que não puderam, contudo, resistir às brutalidades dos invasores até a data limite instituída pelo STF.

“A questão das terras indígenas no Brasil, nos dias atais deste século XXI, não se pode dissociar de outra, dos tempos do império, que gerou mobilização social em torno do abolicionismo do tráfico negreiro de escravos”, escreve, no prefácio, o advogado Sérgio Muylaert, presidente da ala fundadora da Asociación Americana de Juristas DF, ex-procurador geral da Universidade de Brasília (Unb). “Cenário duro, descarnado, sem adereços, este livro […] repõe a tarefa complicada sobre a questão das terras indígenas no Brasil para desvendar mazelas e pantomimas tão ao gosto dos integrantes de um Judiciário estreitado pela sedutora domesticação que se enraiza na cultura das elites do poder.”

O livro “A questão das terras indígenas no Brasil: a indiferença dos nossos tribunais” nasceu de pesquisa realizada por Jorge Folena em curso sobre subalternidade, ministrado pelo historiador Francisco Teixeira, no Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), em 2017.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O povo precisa ouvir a voz do Presidente Lula

Por Jorge Folena   Começo  o artigo de hoje  pel o ensinamento  do fil ó sofo e professor italiano Dom en ico Losurdo ,  que ,   e m seu livro Contra- H istória do Liberalismo  d esnuda  o  regime  liberal que ,   com toda a sua  pretensão de comandar o  mundo , é c onst it uído por  graves contradições ;   pois   não é democrático nem respeita as liberdades fundamentais  e , desde a sua fundação, revelou -se   belicista,  exploratório , violento  e autoritário.  Digo isto porque o governo dos Estados Unidos da América , país que  vende para  os demais   a imagem de “ maior democracia do  glob o ” , sem autorização judicial ou acusação  formal,   impediu  recentemente  que Scott Ritter  (cidadão norte-americano e ex-integrante das forças armadas daquele país)  pudesse viajar para  participar d o  F órum  Econômico ...

O HOMEM QUE RASGOU A CONSTITUIÇÃO

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado  Por Jorge Folena   O TSE, num grande esforço interpretativo ,  em minha opinião , livrou o senador Moro da cassação do mandato  pel a acusação de abuso de poder econômico. Ele comemorou e  faz  planos  para  tentar se eleger governador pelo Paraná e ,  quem sabe ,  retomar  sua  candidat ura  à presidência da República, com o apoio da classe dominante brasileira.  Diante de ssa  vitória momentânea , precisamos  r elembr ar   as violações à ordem constitucional promovida s  pelo senador quando  no cargo de  juiz. O golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, abriu no Brasil as portas para o fascismo declarado e descarado ,  cujos agentes  de  maior  apelo  são Jair Bolsonaro e S e rgio Moro; sendo  o  último mais perigoso  que o primeiro  para o povo brasileiro.  Moro, com suas roupas escuras e “a...

Superação do fascismo no Brasil

A nau dos loucos de H. Bosch Por Jorge Folena   Infelizmente, as instituições têm normalizado o fascismo no Brasil. E foi na esteira dessa normalização do que deveria ser inaceitável que, na semana passada circulou nas redes sociais (em 02/07/2024) um vídeo de treinamento de policiais militares de Minas Gerais, em que eles corriam pelas ruas cantando o refrão “cabra safado, petista maconheiro”. [1] O fato configura um absurdo atentatório à Constituição, pelo qual todos os envolvidos (facilmente identificáveis) deveriam ter sido imediatamente afastados das suas funções, inclusive sendo determinadas prisões disciplinares, e, em seguida, sendo processados administrativa e criminalmente.  Outro caso esdrúxulo foi o de um desembargador do Paraná, que em plena sessão de julgamento, não teve qualquer escrúpulo em derramar toda a sua misoginia, ao criticar o posicionamento de uma mulher (o caso analisado no tribunal era de uma menina de 12 anos, que requereu medida protetiva contra a ...