INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS
Indicação n.º 049/2018
Indicante: Sérgio Luiz
Pinheiro Sant’anna
Relator: Jorge Rubem Folena
de Oliveira
Ementa: Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos. Cumprimento
de decisão liminar do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, que assegura
a participação política de Luiz Inácio Lula da Silva no processo eleitoral de
2018, nos termos do artigo 25 do referido pacto. Obrigatoriedade do cumprimento
da decisão. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, em matéria de Direitos Humanos.
Palavras-chaves: ONU. Direitos Humanos e Políticos.
Cumprimento de decisão do Comitê de Direitos Humanos.
Prezada Presidente:
Recebi em 27 de agosto de
2018 (segunda-feira), para relatar em caráter de urgência, a indicação em referência,
que tem por objeto analisar se a decisão liminar do Conselho de Direitos
Humanos das Nações Unidas (de 17 de agosto de 2018, que resguarda os direitos
políticos de Luiz Inácio Lula da Silva de participar do processo eleitoral de
2018, para disputar o cargo de Presidente da República, em igualdade de
condições com os demais candidatos) tem força vinculante e obrigatória perante o
Estado brasileiro e seus demais Poderes Constituídos e órgãos.
Como salientado na
indicação, o Brasil aprovou e promulgou o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 16/12/1966,
respectivamente pelo Decreto Legislativo 226, de 1991, Decreto Presidencial
592, de 1992 e Decreto Legislativo 311, de 2009.
O Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos da ONU foi instituído com a finalidade de reconhecer
o direito concernente à “dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis”, tendo por meta assegurar a
liberdade, a justiça e promover a paz no
mundo.
O artigo 25 do Pacto
assegura a qualquer cidadão o direito e a possibilidade de participar da
condução dos assuntos políticos de seu país, diretamente ou por meio de representantes
livremente escolhidos; de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas,
realizadas por sufrágio universal e igualitário e mediante voto secreto, que
garantam a manifestação de vontade dos eleitores; e de ter acesso, em condições
gerais de igualdade, às funções públicas de sua pátria.
O artigo 28 do Pacto
constituiu o Comitê de Direitos Humanos, com a finalidade de analisar e julgar
o cumprimento das normas previstas no Pacto Internacional de Direitos Humanos,
em relação aos Estados partes.
O Brasil, por meio do
Decreto Legislativo 311, de 2009, promulgou o Protocolo Facultativo ao Pacto
Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, que, em seu artigo 1.º,
dispõe que:
“Os Estados Partes do Pacto que se tornarem partes do presente
Protocolo reconhecem que o Comitê (de Direitos Humanos) tem competência para receber e examinar comunicações provenientes de
indivíduos sujeitos à sua jurisdição que aleguem ser vítimas de uma violação,
por esses Estados Partes, de qualquer dos direitos enunciados no Pacto. O
Comitê não receberá nenhuma comunicação relativa a um Estado Parte no Pacto que
não seja no presente Protocolo.”.
Ou seja, com a promulgação pelo
Congresso Nacional, nos termos do artigo 49, I, da Constituição Federal[1],
do Decreto Legislativo 311, de 2009, o
Brasil reconheceu a jurisdição e a competência do Comitê de Direitos Humanos da
ONU para receber e examinar as pretensões de indivíduos nacionais, que
aleguem ser vítimas de violações dos direitos previstos no Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos da ONU; que, como ressaltado, foi incorporado
ao Direito Nacional pelo Decreto Legislativo 226, de 1991, e pelo Decreto
Presidencial 592, de 1992; e que constitui princípio fundamental reconhecido
por força do artigo 5.º, § 2.º, da Constituição Federal, que diz:
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotada, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.”
Nesse passo, a decisão, em caráter liminar, proferida pelo
Comitê de Direitos Humanos da ONU, em 17/08/2018, que assegura a Luís Inácio
Lula da Silva o direito de participar do processo eleitoral e disputar o cargo
presidencial na eleição de 2018, em igualdade de condições e com os mesmos
direitos que os demais candidatos, deve ser cumprida pelas autoridades
brasileiras, inclusive como reconhece especificamente o Supremo Tribunal
Federal (STF), em matéria de Direitos Humanos relacionadas ao dever de o Brasil
adotar em seu direito interno as disposições de Convenção Internacional sobre Direitos
Humanos.
Sobre essa questão
específica, em 17/08/2018
(mesmo dia em que foi divulgada a decisão do mencionado Comitê de Direitos
Humanos), a Secretaria de Comunicação do STF publicou o trabalho “Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(interpretação pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos)”, no qual reconhece que (verbis):
“...quando um Estado é Parte de um tratado internacional, como a
Convenção Americana, todos os seus
órgãos, inclusive seus juízes, também estão submetidos àquela, o que os obriga
a zelar para que os efeitos das disposições da Convenção não se vejam
enfraquecidos pela aplicação de normas contrárias a seu objeto e finalidade.
...” (Corte IDH. Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil. Exceções. Preliminares.
Mérito. Reparações e Custas. Sentença de 24/11/2010, em Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (interpretação pelo Supremo Tribunal Federal e
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos), Secretaria de Documentação,
2017, p. 7)
“... a partir do momento em que o Brasil adere a um tratado ou a uma
convenção internacional, sobretudo àquelas que dizem respeito aos direitos
humanos, a União assume as obrigações neles pactuadas, sujeitando-se, inclusive à supervisão dos órgãos internacionais de
controle, porquanto somente ela possui personalidade jurídica no plano
externo. ...” (STF, RE 592.581, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em
13/08/2015, DJe de 01/02/2016, em Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(interpretação pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos), Secretaria de Documentação, 2017, p. 7)
Além
disso, em caso de interpretação deve-se adotar a norma mais favorável à pessoa
humana, prevalecendo as normas previstas em Tratados, Convenções ou Pactos
internacionais adotados pelo Brasil, sob pena de a liberdade, a tolerância e o
respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs, como assim decidiu o STF:
“... Em suma: os magistrados e tribunais, no exercício de sua atividade
interpretativa, (...) devem observar um princípio hermenêutico básico (...), que
consiste em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa
humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo
hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode
ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no
próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das
declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos,
de modo a viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente
os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos
fundamentais da pessoa humana, sob
pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se
palavras vãs.” (STF, HC 93.280-SC, rel. Min. Celso de Mello, em Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (interpretação pelo Supremo Tribunal Federal e pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos), Secretaria de Documentação, 2017, p.
81)
Assim,
as autoridades brasileiras (Administrativas e Judiciárias) devem cumprir a
determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, de forma que sejam
respeitados os princípios norteadores da dignidade da pessoa humana e da
prevalência dos direitos humanos (princípios fundamentais da República, artigos
1.º, III, e 4.º, II, da Constituição Federal), de modo que o Brasil, com base
na reciprocidade, possa ter suas decisões respeitadas, também no âmbito
internacional, pelos demais países signatários do Pacto de Direitos Civis e
Políticos da ONU e pelos demais organismos internacionais.
Na
verdade, trata-se do cumprimento de princípio constitucional no campo das
relações afirmativas, sob o rigor do imperativo categórico pelo qual não deve o
Estado brasileiro praticar tratamento diferenciado em suas normas, em
detrimento de cometer privação de um direito público, incorporado ao direito
nacional como um direito fundamental.
A propósito, é importante
realçar que “os princípios fundamentais
são destinados, em primeira instância, a proteger a esfera de liberdade do
indivíduo contra as intervenções dos poderes públicos, ou seja, (...) eles são
direitos de defesa do cidadão contra o Estado”[2];
e estão respaldados, no caso em exame, sob o manto da prevalência dos Direitos
Humanos, os quais (ressalte-se)
constituem princípio fundamental da República Federativa do Brasil nas suas
relações internacionais (artigo 4.º, II,
da Constituição Federal).
A respeito da valoração do
princípio da dignidade da pessoa humana sobre os demais ramos do direito, Robert
Alexy,[3]
valendo-se das decisões do Tribunal Constitucional alemão, afirma que:
“... igualmente correto é o fato de que a Constituição, que não
pretende ser uma ordenação axiologicamente neutra, (...) também estabeleceu, na
seção dedicada aos direitos fundamentais, uma ordem objetiva de valores
(...). Esse sistema de valores, em cujo centro se encontra o livre
desenvolvimento da personalidade humana e de sua dignidade no seio da
comunidade social, deve valer, como decisão constitucional fundamental, para
todos os ramos do direito.”
Assim, o artigo 4.º, II, da Constituição Federal deve
ser interpretado no sentido hermenêutico de que os Direitos Humanos se
sobrepõem hierarquicamente acima de qualquer outro bem jurídico local que as
autoridades brasileiras possam alegar para tentar descumprir a ordem do Comitê
de Direitos Humanos da ONU.
Com efeito, o não
acolhimento da decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU poderá ser
prejudicial ao país em matéria de cooperação internacional para o progresso dos
povos, especialmente nos temas que versem sobre circulação de pessoas,
tecnologia, cultura, ajuda humanitária, ajuda financeira, segurança, forças
armadas, judiciário etc. E pode ocorrer até mesmo que pedidos de extradição
deixem de ser atendidos pelos demais Estados signatários, sob o fundamento de
que as autoridades brasileiras não respeitam as decisões de organismos
internacionais em matéria de Direitos Humanos (como foro de jurisdição), o que,
sem dúvida, desgastará a imagem do país no concerto das Nações.
Isto posto, opino que a
referida decisão, em caráter liminar, do Comitê de Direitos Humanos da ONU deverá
ser respeitada e cumprida pelas autoridades brasileiras.
Rio de Janeiro, 29 de agosto de 2018.
Jorge Rubem Folena de Oliveira
Membro do IAB
[1]
“Art. 49. É
da competência exclusiva do Congresso Nacional: I. Resolver definitivamente
sobre tratado, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou
compromissos gravosos ao patrimônio nacional.”
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