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A ESPERANÇA VEM DOS SUBÚRBIOS

Em meu último livro, “O Poder Judiciários e as ditaduras brasileiras”, formulei a seguinte indagação: “como romper com um passado autoritário, que ainda se manifesta presente?”
A pergunta é direcionada aos que ainda hoje defendem comportamentos e instituições ditatoriais, mesmo após mais de trinta anos do encerramento formal do último regime de exceção no país.
Digo isto porque o pensamento político-institucional da classe dirigente que nos governava até então (e que hoje reage ao governo federal, eleito democraticamente) pouco mudou e demonstra sem receio os interesses que representa. Assim percebemos o predomínio e o favorecimento de grupos econômicos, entre eles as empresas que controlam meios de comunicação social, com seus jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão, que foram conquistados durante a última ditadura.
Por meio de alguns de seus prepostos, este importante segmento transmite a ideia de um país sem esperança, no qual o povo pobre, composto na sua expressiva maioria por negros e mulatos, só tem a contribuir com o trabalho duro e subalterno, de baixíssima remuneração.
Assim, a repressão policial, promovida pelo considerado estado de direito, é direcionada à população pobre, oriunda dos subúrbios e periferias das cidades brasileiras, onde vivem mais de oitenta por cento dos habitantes do país, como atestam os institutos de pesquisa.
Entretanto, nas grandes cidades, a esperança tem brotado nesses locais, trazendo consigo um vento forte de mudança, que não é possível parar nem fazer retroagir, para desespero dos reacionários.
Nos últimos treze (número detestado por alguns e amado por outros) anos, de janeiro de 2003 até janeiro de 2016, a imensa conquista do país não foi tirar da miséria absoluta mais de trinta milhões de brasileiros, como reconhecido pelos organismos internacionais mais sérios.
A maior transformação foi proporcionar uma consciência a milhares de jovens que hoje despontam na sociedade brasileira, na faixa dos dezesseis (quando é facultado o voto) aos vinte anos de idade, num movimento que não admite retorno ao passado de exploração a que foram submetidos seus pais.
Esses jovens suburbanos e periféricos têm trazido a chama da emoção, sentimento apontado por Sartre como necessário ao ser humano, na medida em que deixam transparecer sua descoberta e compreensão de que, além do fato de serem homens e mulheres, acima de tudo são cidadãos.
Muitos desses jovens, que em 2003 tinham apenas três anos de idade, estão hoje em pleno vigor físico e mental e promovem, com suas ideias e via rebeldia combativa, a grande transformação cultural do país.
Quando resistem ao estado opressor, que criminaliza e está estruturado para reprimir, com os  “rolezinhos”, com as “ocupações de escolas públicas”, ao exigirem seu direito de frequentar as praias da Zona Sul do Rio de Janeiro, ao se expressarem pelas pichações, pelo funk e outros meio culturais, eles abrem caminhos jamais sonhados por seus pais, criados sob os rótulos da ditadura e da repressão, que marcavam o filho do pobre, desde o nascimento até a morte, como destinado ao trabalho árduo e de baixa remuneração, sem a possibilidade de qualquer direito e, muito menos, de salário justo e tempo para os estudos e o lazer.
Atualmente, os jovens das periferias percebem que, por sua força e organização, têm o direito à legítima resistência contra a violência e a crueldade, com as quais convivem diariamente nos seus bairros insalubres e inseguros.
Eles compreendem que, se esses locais estão assim é por falta de investimentos dos governantes do passado (muitos ainda atuando ativamente no presente), que optaram por investir somente nas áreas nobres e valorizadas das cidades brasileiras, nas quais o preço da terra poderia gerar maiores rendimentos à especulação imobiliária. Essa escolha levou à divisão do espaço urbano e gerou o surgimento de áreas degradadas, onde se formaram os guetos que hoje estão literalmente cercados e ocupados militarmente, como se vê nas favelas cariocas.
Porém, os jovens desses lugares parecem apontar na direção da esperança, em um país que está rompendo, nestes últimos treze anos, com o passado escravagista e do senhor coronel, que, mesmo depois do movimento de 1930 e da transposição da vida cultural do campo para as cidades brasileiras, continuou a decidir e a mandar, no formato típico do patrimonialismo brasileiro.
O bater das panelas nas varandas dos apartamentos das grandes cidades traz consigo o desejo de ressuscitar um passado que, iniciada a mudança, não tem mais como voltar, num processo dialético.
O som triste das senzalas, que as panelas querem recuperar, foi hoje abafado pelas vozes de milhares de adolescentes e jovens dos subúrbios e das periferias – que mesmo trabalhando duro para sobreviver – estão construindo um novo Brasil, onde o acesso à universidade, neste momento, é um sonho possível de ser alcançado.
Por isso, para enxergar e compreender o que está ocorrendo, é importante “pensar com os pés” (Lacan) e, assim,  estar presente, junto aos jovens dos subúrbios e das periferias. Porque muitos pés que pisam, hoje, as varandas dos apartamentos dos bairros nobres podem estar bem distante da realidade do povo brasileiro neste momento e simbolizam um passado de espoliação e exploração.


Comentários

  1. Belo texto,mas o que estes jovens menos favorecidos têem feito para mudar a situação em que vivem?

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