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SÉRIE OS TRIBUNAIS NAS DITADURAS BRASILEIRAS IX



 Conclusão

A investigação realizada, com relação ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal nas acusações de “crimes políticos”, julgadas entre 1.º de abril de 1964 (quando foi dado o golpe militar no Brasil, que destituiu o governo democraticamente eleito do Presidente João Goulart) até dezembro de 1966, nos revelou que,  apesar de os juízes, em sua quase totalidade, terem sido nomeados nos governos anteriores à ditadura de 1964/1985, a maioria mostrava-se muito sensível à causa do “movimento revolucionário” ou “movimento armado de 31 de março” (assim denominado por alguns ministros), conforme suas manifestações, acima destacadas.
Por outro lado, pode-se observar que os juízes (principalmente os três que foram afastados/aposentados compulsoriamente em janeiro de 1969, depois da vigência do Ato Institucional 05/1968), a despeito de alguns deles serem oriundos do Partido Socialista Brasileiro (casos de Hermes Lima e Evandro Lins e Silva), proferiram votos mais técnicos do que políticos, sempre no sentido de relaxar as prisões, mantendo em curso, porém, até mesmo acusações de civis processados pela Justiça Militar, que, à época, era incompetente para fazê-lo.
Em razão disso, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima foram criticados no relatório final da Comissão Nacional da Verdade. Contudo, a mesma Comissão não fez qualquer crítica ao posicionamento do jurista Victor Nunes Leal (autor da clássica obra Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil), o qual, conforme constatado na investigação, proferiu votos extremamente técnicos e, muitas vezes, ainda que diante de acusações vagas e genéricas, optou por manter ativas as ações penais, sob o fundamento de que necessitava de mais provas para poder arquivar a acusação, contrariando até mesmo o que tinham decidido seus colegas de toga.
Constatamos que, nos primeiros dois anos e meio após a vigência do golpe militar no Brasil, o Tribunal concedeu ordens para determinar a libertação de presos políticos, que, porém, continuaram a responder às acusações na Justiça Comum ou até mesmo na Justiça Militar, quando esta era incompetente para julgar civis antes da vigência do Ato Institucional número 2, de 27 de outubro de 1965.
Observamos igualmente que, apesar de o Supremo Tribunal Federal manifestar que vigorava a liberdade de expressão e opinião (conforme assegurado pela Constituição de 1946), os acusados continuavam sendo processados por terem manifestado sua opinião em veículos de comunicação ou até mesmo em simples cartazes e panfletos.
Além disso, em 1964 o Supremo Tribunal Federal já tinha conhecimento da prática de tortura física e psicológica, conforme denunciado pelos familiares de Tarzan de Castro, no habeas corpus n.º 40.986, porém o Tribunal não fez nenhum questionamento aos militares que teriam prendido o acusado.
Em decorrência da prisão de Tarzan de Castro pôde ser verificada a existência de uma guerrilha na região norte do Estado de Goiás, no ano de 1962, que era reprimida pelas forças militares, que atuavam como “polícia judiciária” em investigação promovida por meio de Inquérito Policial Militar.
Por outro lado, a pesquisa apurou também a prisão de estrangeiros no Brasil, em colaboração com ditadores de outros países, como eram os casos de Antônio Salazar, em Portugal, e Alfredo Stroessner, no Paraguai. Estas prisões foram mantidas pelo Supremo Tribunal Federal, como se apurou nos habeas corpus n.º 41.913 (em que um estudante português, sem pedido de extradição formal de seu país, por ordem do Ministro da Justiça ficou preso administrativamente no Brasil por ter se manifestado favorável à independência de Angola) e n.º 43.616 (relativo a cidadão paraguaio enquadrado na Lei de Segurança Nacional por comprar armas para levar para seu país, na tentativa de deposição do governo de Stroessner).
Pode-se inferir, assim, que uma instituição civil (no caso, o Supremo Tribunal Federal) pode ter colaborado para o fortalecimento da ditadura no Brasil, entre 1964/1985, na medida em que,  nos dois primeiros anos (abril de 1964 a dezembro de 1966), o Tribunal não esboçou qualquer reação às ilegalidades praticadas pelo regime, que lhe foram submetidas à análise, por meio da “judicialização da política” exercida pelas pessoas presas à época, que recorriam ao tribunal na esperança de terem assegurado seus direitos constitucionais de liberdade de expressão e de não serem presos e  processados abusivamente, mediante acusações vagas e genéricas que lhes impunham o rótulo de “comunistas” e “subversivos” da ordem imposta autoritariamente, a partir de 1.o de abril de 1964.
Com efeito, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha relaxado as prisões em 64% dos processos de habeas corpus (examinados na pesquisa) que chegaram ao seu conhecimento, aquele tribunal manteve ativas as acusações e os processos em 85% dos casos, pois ordenou a extinção ou o trancamento de somente 15%  das ações penais, prolongando a agonia das pessoas encarceradas e de seus familiares.
Portanto, em resposta à hipótese levantada na investigação, entendemos ser possível afirmar que o Supremo Tribunal Federal pode ter colaborado para o recrudescimento da ditadura militar no Brasil, a partir do início do ano de 1969, com a entrada em vigor do Ato Institucional n.º 5, de 13/12/1968, em consequência das diversas omissões dos membros do tribunal, os quais se eximiram de manifestar uma oposição mais contundente contra as violações dos direitos individuais, praticadas contra civis que eram presos apenas por terem se manifestado contra o regime, os quais, mesmo logrando o relaxamento da prisão, continuavam a ser processados, inclusive pela Justiça Militar,
Por fim, consideramos importante realçar que uma das maneiras mais insidiosas de se impor um regime de exceção consiste na realização de “testes”, que consistem em ataques frequentes às instituições políticas, que, ao aceitar com passividade e sem esboçar qualquer resistência os abusos praticados, fortalecem os tiranos de plantão (tanto no passado como no presente), que se sentem fortalecidos a cada ato e prosseguem testando novos limites, até que não reste mais nenhum. Tal e qual o Supremo Tribunal Federal e seus integrantes, no período pesquisado entre abril de 1964 a dezembro de 1966.

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