PARTE IV
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS DOIS PRIMEIROS ANOS DA
DITADURA MILITAR –CIVIL (1964-1966)
Manutenção de
acusações vagas e genéricas
A Comissão Nacional da Verdade, em seu
relatório final sobre o Poder Judiciário (Capítulo 17), entendeu que, embora na
fase inicial da ditadura de 1964/1985, o Supremo Tribunal Federal tenha
concedido habeas corpus para a soltura de presos políticos, a partir da
edição do Ato Institucional 05, de 13 de dezembro de 1968, o Tribunal passou a
declarar-se incompetente para julgá-los:
o AI-5 representou o fim de uma fase do regime militar e, ao mesmo tempo, o
início de outra, em que, além de impedir que o Supremo conhecesse dos pedidos
de habeas corpus nas hipóteses previstas, esse ato institucional admitiu, em
janeiro de 1969, que, como já comentado, três ministros fossem aposentados,
Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. (BRASIL, Comissão
Nacional da Verdade, 2014, p. 944).
Ocorre, porém, que
mesmo tendo verificado, na pesquisa realizada, a concessão de habeas corpus em
64% dos casos examinados (na maioria das vezes sob o argumento de excesso de
prazo da prisão preventiva realizada pelo aparelho repressor), constatamos que
em 85% dos casos as ações penais não foram extintas ou trancadas, o que somente
ocorreu em 15% dos casos investigados. Sendo que as acusações eram geralmente
formuladas de forma vaga e genérica, apoiadas em argumentos de ser o acusado “comunista”,
“subversivo” e ter atentado “contra a ordem política”, para justificar o “jus
puniendi”.
Na maioria dos casos o Supremo Tribunal Federal concedeu o
habeas corpus para relaxar a prisão por excesso de prazo ou incompetência da
Justiça Militar, mas não extinguiu ou trancou as acusações, continuando os
indiciados a responder perante a Justiça comum.
Tais decisões
eram tomadas com base em critérios estritamente tecnicistas, como as
proferidas por Victor Nunes Leal nos seguintes casos:
a)
Habeas Corpus n.º
40.372, julgado em 12/05/1964. Acusação: Estudantes acusados de prática de
crime político “por pregar a subversão entre camponeses”, em 1963, no Município
de També, em Pernambuco. O relator Victor Nunes Leal entendeu que não houve
excesso de prazo para a conclusão do inquérito da prisão em flagrante, uma vez
que foi decretada a prisão preventiva; também considerou inexistir prova para
verificar a falta de justa causa da prisão. O pedido de habeas corpus não foi
concedido.
b)
Habeas Corpus n.º
41.019, julgado em 15/10/1964. Acusação: cidadão preso, por decisão da justiça
militar, por ser considerado “comunista, agitador no meio estudantil,
participando de reunião na Prefeitura de Natal, no dia 1.o de abril
de 1964”. Prisão relaxada pelo relator meramente por excesso de prazo, não
sendo decretada a incompetência da justiça militar nem a falta de justa causa.
Porém, o acusado continuaria a responder pelos delitos, pois, na visão técnica
do ministro, não tinha sido possível aferir a falta de justa causa da acusação.
c)
Habeas Corpus n.º
41.315, julgado em 24/03/1965. Acusação: motorneiro acusado por participação em
greve, considerada de natureza política. O relator Victor Nunes Leal entendeu
que “não é possível verificar, desde logo, se se trata de crime comum, ou
político. No recurso próprio é que deve
essa questão ser examinada, já que exige apreciação das provas. Ordem
indeferida.”
Extinção da
ação penal pelo trancamento da denúncia
Na pesquisa realizada, apuramos que
apenas 15% das acusações de crimes políticos foram extintas (ou trancadas) por
falta de justa causa da denúncia realizada, como ocorreu nos seguintes casos:
a)
Habeas Corpus n.º
40.403, relator Cândido Mota Filho, julgado em 01/04/1964. Acusação:
prática de crime político por suspeita de jogar bomba, com enquadramento na lei
de segurança nacional (Lei 1.802/53). O STF entendeu, por meio do relator, que
não ficou esclarecido, no auto de prisão em flagrante, que delito teria sido
praticado pelos indiciados.
b)
Habeas Corpus n.º
40.621, relator Gonçalves de Oliveira, julgado em 20/05/1964.
Professoras acusadas e presas em 02/04/1964, na Cidade de Bauru, pela prática
de crime político decorrente de participação em greve. Prisão relaxada pelo
Juiz da Bauru, por falta de justa causa para a ocorrência do delito pelo qual
foram acusadas, o que foi confirmado pelo STF.
c)
Habeas Corpus n.:
43.634, relator Gonçalves de Oliveira, julgado em 02/12/1965. Acusação:
prática subversiva. O juiz da 10.ª Auditoria não recebeu a denúncia por falta
de descrição detalhada da possível atividade subversiva dos acusados. O
promotor militar recorreu ao STF para que sua denúncia fosse recebida. O
relator entendeu que o juiz militar estava correto, sendo inepta a acusação
formulada pelo promotor.
Saliente-se que, em julgamento ocorrido no habeas corpus n.º 43.311, em
05/09/1965, relativo a acusação movida contra civil por receber “regularmente
publicações de cunho esquerdistas”, o relator Victor Nunes Leal conduziu o seu
voto de forma contrária aos casos anteriormente julgados por ele (examinados na
pesquisa e citados acima), determinando o trancamento da ação penal
(extinção) e fixando a competência da Justiça Comum, mesmo na vigência do
AI-2, pois já havia julgamento anterior do STF determinando a incompetência da
Justiça Militar:
O trânsito em julgado da
decisão sobre competência operou a preclusão dessa matéria, que assim ficou
fora do alcance do AI-2. É, pois, competente o Supremo Tribunal Federal para
julgar o habeas corpus, de que conheço.
No mérito, concedo a
ordem, porque os fatos indicados na denúncia, em relação ao paciente, não
constituem crime. Se desenvolveu
alguma outra atividade, que se possa qualificar de subversiva (o que se não se
presume à vista dos atestados policiais negativos), a denúncia não a menciona.
Na próxima postagem prosseguiremos com a atuação do Supremo Tribunal
Federal, entre abril de 1964 a dezembro de 1966, com o julgamento de civis pela
Justiça Militar, chancelado pelos ministros do STF à época.
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