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SÉRIE OS TRIBUNAIS NAS DITADURAS BRASILEIRAS II

Parte II


DITADURA DO ESTADO NOVO E TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL


No Brasil, entre 1936 a 1945, Getúlio Vargas perseguiu e condenou seus opositores por meio do Tribunal de Segurança Nacional. Pressionado pela Aliança Nacional Libertadora (composta por tenentistas, socialistas e comunistas[1]) e também pela Ação Integralista Brasileira, de tendência fascista, liderada por Plínio Salgado, Getúlio Vargas propôs e aprovou no Congresso Nacional a Lei número 38, de 04 de abril de 1935 (BRASIL, 1935), que definiu os crimes contra a ordem econômica e política, conhecida como Lei de Segurança Nacional.
A Lei de Segurança Nacional foi aprovada sob o argumento de um suposto estado de guerra[2], porém seu objetivo político era estabelecer um regramento jurídico penal para instaurar a perseguição e a violência contra os integralistas e, principalmente, os comunistas no Brasil.
Nesse ponto, a Lei de Segurança Nacional, para Hungria (1935, p. 62), “não faz diferença alguma entre os brutais discípulos de Bakunune e o ‘olho de Moscou’, ou o místico sigma do integralismo indígena”.
O presidente Getúlio Vargas, ainda que eleito indiretamente pela Constituinte de 1934 e mesmo sob a ordem constitucional promulgada em 1934, agia como se estivesse num regime ditatorial, uma vez que, depois de sancionada a referida Lei de Segurança Nacional, propôs e aprovou no Congresso a Lei n.º 244, de 11 de setembro de 1936 (BRASIL, 1936), que instituiu o Tribunal de Segurança Nacional, que não tinha previsão na Constituição vigente, e que se tornou, assim, um tribunal de exceção.
O tribunal foi constituído, primordialmente, como um órgão da  Justiça Militar, e tinha como objetivo atuar “sempre que for decretado o estado de guerra”, como previsto no artigo primeiro da referida lei.
Porém, ao referido tribunal foi atribuída também a competência para julgar e processar os civis incursos nos delitos previstos na Lei n.º 38, de 1935 (a Lei de Segurança Nacional).[3]
Em sua composição inicial, eram cinco os juízes do Tribunal de Segurança Nacional, todos nomeados pelo Presidente da República; sendo dois oficiais generais do Exército ou da Armada (Marinha), dois civis “de reconhecida competência jurídica” e um magistrado civil ou militar.[4] A presidência do tribunal poderia ser exercida por um “magistrado, civil ou militar”[5]
Com a aprovação do Decreto-lei n.º 88, de 20 de dezembro de 1937 (BRASIL, 1937), já na vigência do Estado Novo e sob a ordem constitucional outorgada a partir de 1937, o tribunal deixou de ser órgão da Justiça Militar[6] e sua composição foi ampliada para seis juízes, nomeados pelo Presidente da República; sendo que “dois deles serão magistrados civis, um, magistrado militar, um, oficial do Exército e, um, da Armada, da ativa ou da reserva de classe e, finalmente, um advogado de notória competência jurídica; todos de reputação ilibada.”[7] A presidência do tribunal era exercida por um dos magistrados civis.[8]
Por meio do Decreto-lei n.º 1.393, de 29 de junho de 1939 (BRASIL, 1939), foi estabelecido que “o presidente do Tribunal de Segurança Nacional será um ministro do Supremo Tribunal Federal; os demais juízes serão, respectivamente, um magistrado civil e um militar, um oficial do Exército e um da Armada, ambos da ativa, e um advogado de notório saber.”[9]
Saliente-se que o Tribunal de Segurança Nacional, em todas as suas fases, contou com a presença de magistrados civis de carreira, que poderiam presidi-lo; sendo que, a partir de 1939, tal incumbência coube exclusivamente a um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ou seja, magistrados civis participaram e deram sustentáculo jurídico a esse tribunal, que tinha por missão a “perseguição política”, como afirmam Avelar e Bambirra (2010, p. 98), contra pessoas e organizações que se opusessem ao regime autoritário de Vargas, a partir de 1935.
Com efeito, Avelar e Bambirra (2010, p. 100) expõem que o Tribunal de Segurança Nacional, “como é próprio dos tribunais de exceção, era um órgão para punir, com sua existência predeterminada a condenar, propiciando, por um período curto, uma aparência de legitimidade dos julgamentos.”
O Tribunal de Segurança Nacional, mesmo integrado por juízes civis e de notório conhecimento jurídico, atuava em desrespeito ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, a exemplo do constatado por Nunes (2013, p. 847), no julgamento do italiano Cesare Lodari, sob acusação de ser simpático ao regime fascista, no processo número 1.335/1940/SP, em que “a sentença de primeira instância colocaria em xeque o limite entre convicção e arbítrio do julgador na escolha e manejo das provas pelas quais embasa sua decisão, o que aflora a valência autoritária do princípio” da livre convicção do juiz na questão.
Com efeito, Silva (1997, p. 151), reportando sua atuação como advogado, expôs que o Tribunal de Segurança Nacional, mesmo dirigido por magistrados togados, “não assegurava plenamente o direito de defesa.”
Portanto, constata-se que é plenamente possível que as instituições criadas para a aplicação e execução da ordem jurídica possam ser manipuladas politicamente, a exemplo do que fez Vargas por meio do Tribunal de Segurança Nacional, no qual atuaram magistrados togados, com notório conhecimento jurídico, inclusive tendo sido o tribunal presidido, entre 1939 a 1945, por ministro do Supremo Tribunal Federal.
É importante registrar também que o Tribunal de Segurança Nacional, por referendar atos de perseguição do regime do Estado Novo perpetrados pela Polícia Especial, criou uma linha de resistência vinda dos ministros do Superior Tribunal Militar e especialmente do Supremo Tribunal Federal à época, que não concordavam com as decisões do Tribunal, que estariam em desacordo com “a força da tradição jurídica brasileira”, e passaram a acolher os pedidos de habeas corpus que lhes eram apresentados, como relatado por Teixeira da Silva (2008, p. 296-297 e 306).
Balz (2009, p. 218-220) concluiu sua dissertação sobre o Tribunal de Segurança Nacional esclarecendo que:


o Tribunal de Segurança Nacional foi criado para ser um instrumento jurídico-repressivo de absoluta confiança do Governo Vargas.
(...) o Tribunal de Segurança Nacional foi planejado e construído para servir como uma adaptável fábrica de condenações, que poderiam ser voltadas contra qualquer espécie de conduta que o Poder Executivo desejasse reprimir, bastando que esta fosse tratada como um crime político. O TSN tinha a missão de proteger os interesses do Estado contra a ‘subversão’, observando o que o próprio Governo, inclusive através de sua polícia, considerasse ‘interesse do Estado’ e ‘subversão’.
(...) Desejava-se do novo tribunal que ele processasse e julgasse da maneira mais ‘rápida e segura’ possível, promovendo condenações ‘exemplares’ e ‘enérgicas’. (...) o Tribunal foi dotado de um rito processual único, excepcionalmente rápido e cerceador da defesa.
(...)
Seus criadores manifestaram desde o início uma grande preocupação em defini-lo como um ‘tribunal especial’, ao invés de ‘tribunal de exceção’, termo que poderia remetê-lo à ideia de algo pertencente a um governo ditatorial, a um governo de exceção. Percebemos também que isto continuou ocorrendo mesmo após a consolidação do Estado Novo (um regime abertamente ditatorial): embora o Tribunal de Segurança Nacional apresentasse desde o seu projeto inequívocas características de um típico tribunal de exceção, diversos juristas e políticos uniram esforços para dar-lhe, tanto quanto possível, a aparência de um ‘tribunal especial’, constitucionalmente previsto.
(...)
Criado para ser um órgão ‘idôneo’ e ‘seguro’ conforme os desígnios do Estado Novo, o TSN também serviria de referência para toda uma corrente político-jurídica de cunho autoritário, desafiadora do predomínio da sensibilidade jurídica liberal. (Sem grifos no original)


Assim, a judicialização da política, praticada pelo Governo de Getúlio Vargas por meio do Tribunal de Segurança Nacional, foi colocada em prática para concretizar a perseguição aos opositores do seu regime, entre 1936 a 1945, principalmente os comunistas, cujo julgamento “era sempre muito severo”, como ressaltou Teixeira da Silva (2008, p. 299).
O Tribunal de Segurança Nacional era um “órgão de repressão do regime” do Estado Novo (Teixeira da Silva, 2008, p. 287), no qual foi vital a participação de juristas que legitimaram a postura autoritária, violenta e cruel adotada à época.

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BALZ, C.C. O Tribunal de Segurança Nacional: aspectos legais e doutrinários de um tribunal da Era Vargas (1936-1945). Florianópolis: dissertação, Centro de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. Disponível em https://www.repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/92317/269346.pdf?sequence=1  Acesso em: 21 nov. 2014.
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[1] Costa (1964, p. 49) menciona que Vicente Ráo, Ministro da Justiça do Governo Vargas, entre 1934 a 1937, entendia que a Aliança Nacional Libertadora era “um disfarce do Partido Comunista.” 
[2] Conceito de estado de guerra, foi introduzido pela Emenda número 1 à Constituição de 1934, por meio do Decreto Legislativo número 06, de 18/12/1935 (BRASIL, 1935), que previa: Emenda número 1: "A Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal, poderá autorizar o Presidente da República a declarar a comoção intestina grave, com finalidades subversivas das instituições políticas e sociais, equiparada ao estado de guerra, em qualquer parte do território nacional, observando-se o disposto no artigo 175, n.º 1, §§ 7.º, 12 e 13, e devendo o decreto de declaração de equiparação indicar as garantias constitucionais que não ficarão suspensas."
[3] Artigo 3o, parágrafo 1o da Lei 244/1936.
[4] Artigo 2o da Lei 244/1936.
[5] Artigo 2o, parágrafo 3o, da Lei 244/1936.
[6] Artigo 1o do Decreto-lei 88/1937: “Até a organização da justiça de defesa do Estado, a que se refere a Constituição (de 1937), continuará a funcionar o Tribunal de Segurança Nacional, instituído pela lei n. 244, de 11 de setembro de 1936, suprimida a limitação constante do art. 1o.”
[7] Artigo 2o do Decreto-lei 88/1937.
[8] Artigo 2o, parágrafo 3o, do Decreto-lei 88/1937.
[9] Artigo 1o do Decreto-lei 1.393/1939.

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