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SÉRIE OS TRIBUNAIS NAS DITADURAS BRASILEIRAS VI

PARTE VI
SUPREMO  TRIBUNAL FEDERAL NOS DOIS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA MILITAR –CIVIL (1964-1966)

Magistrados que subscreveram ordenamentos da ditadura e se renderam a ideia de sustar uma suposta ordem comunista no Brasil

            A Comissão Nacional da Verdade concluiu que os integrantes do Supremo Tribunal Federal, à época do regime militar de 1964/1985, “eram cônscios acerca de quem deveriam servir”. (BRASIL, Comissão Nacional da Verdade, 2014, p. 957).
No julgamento do habeas corpus n.º 41.296, no qual foi acusado por prática de crime político o Governador do Estado de Goiás, Mauro Borges Teixeira, o relator do processo, ministro Gonçalves de Oliveira, expressou publicamente toda a sua admiração pelo Marechal Castello Branco (primeiro presidente militar da ditadura de 1964/1985), tendo afirmado em seu voto que:

Sua Excia., o Sr. Presidente da República tem dado exemplos de respeito à legalidade democrática, tem prestigiado S. Excia. os poderes constituídos, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. No dia seguinte de sua posse, a primeira visita oficial feita por S. Excia. foi  a esta Alta Côrte de Justiça e, tal visita a fez, propositadamente, para significar a sua determinação de homem soldado, já agora investido das altas responsabilidades de Chefe Supremo da Nação, de Chefe Supremo das Forças Armadas, de prestigiar a Justiça e a Lei.
          
    Neste mesmo processo, o ministro Vilas Boas também reverenciou o presidente ditador Castelo Branco, ao considerá-lo, em seu voto, um “ilustre patriota que dirige os destinos do nosso País”.
E, no julgamento do mesmo processo, o ministro Pedro Chaves assim se expressou: “Recebi a Revolução de 31 de março como manifestação divina em benefício da nossa pátria”. (sem grifos no original)
      É importante registrar que, no julgamento do habeas corpus apresentado em favor do Governador Mauro Borges, acusado pelos militares de ter praticado crime contra a ordem política e tendo sido instaurado contra ele inquérito policial militar, o Supremo Tribunal Federal garantiu ao governador o direito de, na eventualidade de ter praticado algum delito, somente ser afastado de suas funções por decisão da Assembleia Legislativa.
Neste processo do governador de Goiás, somente o ministro Hannemann Guimarães afastou a competência da Justiça Militar para julgar o governador, ainda que mediante a autorização da Assembleia Legislativa de Goiás. Os ministros Evandro Lins e Victor Nunes Leal tentaram se esquivar quanto à incompetência da Justiça Militar, depois do voto do ministro Hannemann.
Interessante observar, no julgamento do habeas corpus n.º 42.376, relativo à acusação de “participação em atividade subversiva de caráter comunista”, a manifestação do relator Pedro Chaves, que comparou os movimentos abolicionistas, republicanos e pelo voto secreto à implantação do comunismo no país:

Essa tentativa de implantação da ordem político-social comunista não depende de dia e hora exatos, nem de momento preciso. É uma campanha, como todas as campanhas, como foi a campanha pela abolição, a campanha pela proclamação da República, a campanha pelo voto secreto. São campanhas que necessitam de âmbito nacional, pregação constante, infiltração em todas as áreas. A denúncia não pode dizer, como manda a lei, em que hora e dia exatos se deu o fato.

Na próxima postagem prosseguiremos com a atuação do Supremo Tribunal Federal, entre abril de 1964 a dezembro de 1966, sendo abordado como os ministros do STF tratavam os casos relacionados à liberdade expressão, no referido período.

Referências bibliográficas

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