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UMA INEXEQUÍVEL PROPOSTA DE SEMIPRESIDENCIALISMO – OAB NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA E NA DEFESA DO GOLPE

Como ajustado com o Presidente da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros (Professor Doutor José Ribas Vieira), venho analisar, a seguir, a proposta em tramitação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados Brasil, sobre a possibilidade de se introduzir no Brasil o “semipresidencialismo”, diante da atual crise política, apresentada em 27 de janeiro de 2016 pelo ex-presidente do Conselho Federal, Marcus Vinícius Furtado Coelho.

1) Considerações iniciais: o que se passa no mundo e no Brasil:

O panorama mundial vem sendo pintado em cores demasiado acinzentadas, quase se apagando de nossas memórias a sua cor azul, diante de tantos impasses com que nos deparamos pelos quatro cantos. E os problemas do  Brasil de hoje refletem os sintomas do mundo.
Os estudos sociológicos e de economia política indicam, neste momento, a mais brutal concentração de renda no mundo. O número de ricos é cada vez menor e o de pobres e miseráveis se amplia pelo mundo a fora; ao ponto do professor Thomas Piketty, no livro “O Capital do Século XXI”, afirmar que o passado devora o  presente.
Tal afirmação, decorrente de uma pesquisa científica empírica, é assustadora! Todos os dias nos chegam imagens de milhares de pessoas em busca de refúgio, em decorrência da espoliação de seus países; gente que caminha sem destino e sem esperança pelas estradas do mundo.
Sem divergir, tanto economistas liberais clássicos como Adam Smith, e, de outro lado, o pensador comunista Karl Marx, manifestam, de forma geral, que é necessário atender sempre as necessidades crescentes dos homens e mulheres, na realidade prática da vida.
Porém, o que temos visto – e os estudos citados demonstram – é que as necessidades humanas não têm sido atendidas em nenhum lugar, o que ocasiona um quadro geral de infelicidade, medo e até mesmo de terror.
Como já apontava Montesquieu, em seu Espírito das Leis, o terror produz a tirania, que causa o mais grave desrespeito a todas as leis, qual seja a eliminação em massa de vidas humanas, já registrado pela História e que continua a ocorrer por diversas formas.
Neste ponto, não me refiro apenas às vítimas do terrorismo fundamentalista (propalado pela mídia universal, sem esclarecer as suas verdadeiras causas); mas sobretudo às vítimas da concentração de capital; que expropria, saqueia, invade e desestabiliza política e economicamente nações soberanas, por meio de ações imperialistas e colonialistas, em curso em pleno século XXI. Também podemos incluir como consequência deste mesmo processo os assassinatos em massa de jovens pobres nas periferias das cidades da América Latina.
Este cenário propicia um passo firme para a restauração de regimes nefastos na História, que, sob o falso discurso de moralizar uma sociedade inteira, ceifaram milhões de vidas de homens, mulheres, idosos e  crianças, das mais variadas raças, origens e credos religiosos e/ou ideológicos.
É importante lembrar que, no seu nascedouro, “os movimentos fascistas apresentavam elementos dos movimentos revolucionários, na medida em que continham pessoas que queriam uma transformação fundamental da sociedade, frequentemente com um lado notadamente anticapitalista e anti-oligárquico. Contudo, o cavalo do fascismo revolucionário não deu largada nem correu.” (Eric Hobsbawm, em Era dos Extremos, capítulo 4, item III).
Nesse ponto, saliente-se que, durante o século XX, os grandes ataques às  instituições liberais e às garantias democráticas constitucionais vieram dos movimentos de direita com “medo da revolução social”, como registra Hobsbawm e também Giorgio Agamben, em Estado de Exceção.
Por tal razão e para se evitar os erros do passado, o momento exige mais que reflexão; exige muito equilíbrio das forças políticas e sociais (ponto central da obra de Montesquieu, embora a maioria dos juristas acredite, de forma equivocada, que seja a “separação de poderes”, conforme esclarece Raymond Aron, em As etapas do pensamento sociológico). A busca desse equilíbrio é fundamental, no momento presente, de modo a manter o Estado Democrático de Direito, instituto construído pela sociedade universal à custa de muita luta e vidas sacrificadas.
Que foi resgatado no Brasil, em decorrência  do pacto político que nos assegurou a Constituição Cidadã de 1988, que muitos querem revogar a qualquer custo, exatamente nos pontos que seus redatores originais manifestaram como mais importantes e fazendo com que os conceitos de cidadania, garantias fundamentais e direitos sociais antecedessem o capítulo referente à ordem econômica (J. Bernardo Cabral).
Por isso não podemos permitir ataques à Constituição, seja de quem for, especialmente na parte relativa aos princípios e garantias fundamentais, que constituem cláusulas pétreas, mas vêm sendo violados, sistematicamente, por alguns membros do Poder Judiciário, por meio da politização da justiça, que não irá solucionar os graves impasses sociais.
Como lembra Max Weber, “não é próprio de um funcionário público participar de conflitos políticos com suas convicções pessoais (...). Pelo contrário, seu orgulho é proteger sua imparcialidade e, portanto, poder superar suas próprias inclinações e opiniões para realizar de maneira conscienciosa e sensata, o que o regulamento geral ou alguma instrução especial exigem dele.” (Parlamento e governo na Alemanha reorganizada).
Os problemas da sociedade devem ser resolvidos pela discussão política travada nas ruas, no parlamento e no governo, e não nos tribunais. Somente assim a sociedade construirá o seu futuro. Da mesma forma, não será por meio da cabeça de sábios ou gênios que uma sociedade encontrará seu ponto de equilíbrio político, pois é com a participação de todas as classes sociais  que se constrói um país forte e desenvolvido.
É importante ressaltar, ainda, que a força da concentração de capital é percebida também na política, com interferência direta no sufrágio. Com efeito, como diz Habermas, não é possível falar em democracia, que não seja a de segmentos. Esta forma de democracia, encontrada em todo o mundo, limita a política e gera a atual crise de representatividade.
Por isso, não podemos admitir que se utilizem de mecanismos de instabilidade político-institucional para atingir fins políticos e econômicos.

2) A proposta da OAB  para o Brasil: “o novo presidencialismo”.

Depois de feita esta introdução (que reputo necessária, diante da realidade social, política e econômica, no mundo e no país), passo a analisar “uma proposta para o Brasil: o novo presidencialismo”, apresentada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coelho, protocolada no Conselho Federal em 27 de janeiro de 2016 (registro de recebimento número 49.0000.2016.000700-0), sob o argumento colaborar para o enfrentamento da crise política em curso no Brasil.
De forma contrária ao anunciado pelo proponente (que vislumbra “no sistema de “semipresidencialismo” uma resposta à crise brasileira”), a proposta constitui-se num “ensaio” que põe mais água quente na fervura e abre caminho para os golpistas do “inexequível impeachment” (Orpheu dos Santos Salles), que já debatem, no Senado Federal, a tentativa de reintrodução do parlamentarismo no Brasil; sistema em que a responsabilidade pelo governo e pela administração do país  ficaria a cargo dos senhores parlamentares.

2.1) Proposta que viola a Constituição de 1988

O encaminhamento do Conselho Federal da OAB foi apresentado em formato de Proposta de Emenda à Constituição, que limitaria os atuais poderes da instituição presidência da República, que passaria a exercer o controle do Poder Executivo em conjunto com um “Conselho de Ministros”, cujo presidente seria nomeado pelo Presidente da República e exonerado do cargo “quando o Congresso Nacional lhes retirar a confiança”.
Pela iniciativa, o “Conselho de Ministros responde coletivamente perante o Congresso Nacional pela política do Governo e pela Administração Pública Federal”.
Além da proposta de emenda constitucional ser questionável sob o aspecto jurídico, conforme a cláusula pétrea  que impede a  violação do princípio da separação de poderes (art. 60, § 4.o, III, da Constituição Federal), é inegável a tentativa de redução de poderes da Presidência da República, o que se constituiria numa grave violação, por meio do poder constituinte derivado, à independência de outro poder.[1]

2.2) A análise do tema sob a ótica da teoria política

Deixando de lado a controvérsia jurídico-constitucional que, por si só impõe óbice à implantação da proposta apresentada pelo ex-presidente do Conselho Federal, passo à análise do conteúdo do estudo desenvolvido.
Em “ensaio” de 24 laudas (pois, ao contrário do que afirma seu autor, não se trata de artigo científico com embasamento em pesquisa empírica aplicada à realidade social e política brasileira), o autor expõe os efeitos de uma crise política, sem apresentar, contudo, sua autêntica e necessária causa. 
Com meus respeitos, esta forma de proposição é muito comum aos juristas de plantão, para tentar justificar ou ratificar tentativas de rompimento institucional, uma vez que o “papel tudo absorve”.
O autor saca, de forma mágica, de sua “inteligência”, “uma proposta para o Brasil”, sem pesar, em sua análise, uma linha sequer sobre a realidade do pensamento político brasileiro; constituído até hoje nas margens históricas do patrimonialismo local, que tem na figura do caudilhismo e do coronelismo seu embasamento político, como demonstram os diversos estudos desenvolvidos por pensadores como Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva (História da Agricultura no Brasil), Rui Facó (Cangaceiros e Fanáticos), Josué de Castro (Geografia da fome), Osny Duarte Pereira (Quem faz as leis no Brasil),  Victor Nunes Leal (Coronelismo, enxada e voto), Raymundo Faoro (Donos do Poder), Jessé Souza (A tolice da inteligência brasileira), entre muitos outros autores e obras que poderíamos citar para tentar explicar um pensar e agir político que envolve a constante exploração do povo e o apoderamento do público pelo privado, no país, em benefício exclusivo de uma parcela rica da população.
Então, sem analisar com profundidade o passado, não dá para se compreender o presente, o que torna impossível fazer uma proposição futura (finalista), concernente a “um novo presidencialismo”, como sugeriu o ex-presidente da OAB.
Em seu estudo não consta uma linha sequer à crítica da realidade do pensamento político nacional. O autor encontra sua inspiração em modelos de outros países, como Portugal e França, mas parte de uma análise superficial que passa ao largo da grave crise de representatividade que assola todo o mundo e tem origem na adoção do modelo “ocidental cristão”, que tanto mal estar e infelicidade causou e causa aos povos (sintomas descritos por Freud no início do século XX e ainda presentes).

2.2.1.) A realidade política brasileira – governos caudilhos presidencialistas/personalistas e centralismo de poder

Segundo a narrativa de Domingos Sarmiento (em Facundo: civilização ou barbárie, final do século XIX), a vasta extensão territorial, que constituiu o latifúndio, somada ao analfabetismo, constituíram as bases para a implantação, por toda a América Latina, de um sistema político fundado no caudilhismo patrimonialista, cujos  efeitos se percebem até hoje, por meio de governos presidencialistas, sempre com a marca personalíssima do mandatário.
Até a chegada da família portuguesa em 1808, o domínio da política no Brasil era dos caudilhos ou caciques, assim definido na literatura hispano-americana (Francisco Carlos Teixeira da Silva, em Instituições na América do Sul). A distância da Corte portuguesa para a colônia permitia que os senhores mais fortes se tornassem os donos da política e da vida das pessoas que estavam no Brasil, exercendo um “domínio pessoal e arbitrário” (Jose Murilo de Carvalho, em Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual); nesse contexto, a política é exercida com forte viés personalista e mandonismo.
Tanto no período em que a sede da metrópole foi transferida para o Brasil quanto no decorrer do império, a família Real portuguesa e seus descendentes combateram essa construção e debelou todas as reações caudilhas e centralizou o poder e a unidade nacional a partir da capital no Rio de Janeiro. (Osny Duarte Pereira, em Quem faz as leis no Brasil)
A grande vitória do caudilhismo no Brasil deu-se a partir da implantação da república, com a derrocada dos militares monarquistas que pretendiam transpor a estrutura de poder unitário do império para a República recém implantada, em bases presidencialistas.
Mesmo distante da realidade política do Brasil, constituído como país unitário, os governadores (antigos presidentes de províncias no Império) conseguiram impor uma federação para, assim, deterem o poder de polícia e a atribuição de demarcações locais de terras, segundo esclarecem Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, em História da Agricultura no Brasil.
Além disso, a partir da primeira República conseguiram impor um presidencialismo marcado pela mística cultural personalista, em que traços do passado imperial foram resgatados (semelhante ao que Marx define como “retomada ao ponto de regresso”, no 18 Brumário de Luís Bonaparte).
Temos hoje uma federação de papel, com estados e municípios falidos, pois muitos entes federativos não têm como se manter, por si, e ficam na total dependência de repasses da União.
Neste sentido a dura crítica formulada por Alberto Torres ao grande Ruy Barbosa, por copiar um modelo de federação desenvolvido pelos americanos, para uma situação circunstancial e pragmática das treze colônias, que nada tinha a ver com a realidade política de um Brasil de formação unitária política e administrativa, como ocorreu na colônia e  no império. Porém, o entendimento que prevaleceu durante o processo de consolidação da república, influenciado por juristas como Ruy Barbosa, foi para a constituição de uma federação, o que beneficiou politicamente o coronelismo, representado pelos governadores. (Victor Nunes Leal, em Coronelismo, enxada e voto)
Todas as vezes, na história do país, em que se tentou, de alguma forma, romper com o coronelismo e promover alguma inclusão social e a defesa do patrimônio nacional, não logramos sucesso. O resultado foi o suicídio de um presidente e a deposição de outro, em pleno exercício constitucional de seu mandato. No último caso, o país foi lançado em vinte e um anos de escuridão (1964-1985), com a cassação de mandatos parlamentares, deposição de juízes da Suprema Corte, a realização de inúmeras prisões ilegais, torturas e assassinatos, como apurou a Comissão Nacional da Verdade, no relatório entregue em dezembro de 2014.  Ao final, foram atingidos até mesmo os que inicialmente defendiam a deposição do governo.
E hoje não parece ser muito diferente, pois as obscuras forças do passado ainda se manifestam presente contra os avanços de reformas sociais e a extensão de alguma forma de cidadania a milhões de brasileiros, que antes nada tinham. Quero dizer que agentes políticos civis que atuaram no antigo regime (1964-1985) permanecem tranquilamente em suas posições, sem que tenha ocorrido purgação ou ruptura oficial com o passado ditatorial e dificultam, em grande medida, as proposições de um país mais inclusivo socialmente.
Desta forma, é possível estabelecer a hipótese de que os reacionários do passado possam estar atuando no presente, diretamente ou por intermédio de seus descendentes (herdeiros e legatários), na pregação moralista que tomou conta do Brasil nos últimos anos, como ressaltamos no nosso livro “O Poder Judiciário e as ditaduras brasileiras”.
Desta forma, é estranho que os herdeiros dos caudilhos ou dos coronéis (que sempre defenderam o sistema de governo presidencialista e personalista, como se consagrou na cultura política do país durante mais de um século) hoje venham defender o “semipresidencialismo” ou parlamentarismo, que enfraquece o poder do mandonismo.
Uma pergunta que não quer calar, diante do possível oportunismo: esta regra valerá também para todos os estados e municípios brasileiros, onde ainda prevalecem, na política, as forças do mandonismo e do coronelismo?

2.2.2)  A crise da representatividade – a força do capital na eleições

O “ensaio” apresentado pelo ex-presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, não aponta nenhuma causa para a crise de representatividade política.
Como disse, são apresentados apenas os efeitos da crise. Inegavelmente, a mesma crise política de governabilidade que assola o Brasil ronda também os governos de Portugal e da França, que o autor apresenta como exemplos de governos a serem seguidos.
Em vários locais, mundo afora, é grande a descrença na política e nos políticos, como se vê na França, em Portugal, na Espanha, na Inglaterra, na Alemanha, na Grécia, nos Estados Unidos etc., pois o dinheiro e a força do capital sequestraram a representação popular e a vontade coletiva (definida por Rousseau), que jamais se faz presente na vida pública. Tal é o caso do Brasil, em que os parlamentares detêm a exclusiva primazia de decidir que assuntos devem ser levados a plebiscito ou a referendo.
De forma geral, os políticos utilizam-se de suas representações para defender interesses dos segmentos corporativos ou financeiros que sustentam suas campanhas, o que Weber já condenava na Alemanha do seu tempo, ao dizer que: “Por menos de 20 mil marcos é impossível conquistar uma zona eleitoral razoavelmente grande e muito disputada”. Ou ao afirmar que  a solução dos problemas financeiros (do Partido Social-Democrata) voltou a ser “o financiamento do partido por mecenas.”  Max Weber faz esta análise no escrito político sobre “o Parlamento e o governo da Alemanha reorganizada”, publicado em 1902, que continua atual.
Parece que, de lá para cá, quase nada mudou; ou melhor, diante da concentração cada vez mais crescente do capital (Piketty), é possível especular, numa análise circunstancial, que a desestabilização política de muitos governos que adotaram políticas públicas populares torna-se uma meta do capitalismo hegemônico (não aquele que age sob as trombetas da dominação coercitiva, mas o que atua, nas profundezas da escuridão, pelas mídias conservadoras, por intermédio dos “consensos” e do “dirigismo, como denuncia Gramsci).
Este ponto é por demais importante para a nossa crítica, uma vez que a Ordem dos Advogados do Brasil (à época liderada pelo autor da proposta sob análise), em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras entidades do movimento social, promoveu em 2014 e 2015 uma campanha pela “reforma política democrática e eleições limpas”, no que se denominou de “coalização democrática”.
Os pontos principais desta importante campanha foram:

1)    - o financiamento público para campanhas eleitorais;
2)    - proibição de financiamento eleitoral por pessoas jurídicas;
3)    - extinção do sistema de voto dado ao candidato individualmente,    como adotado nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais;
4)    - adoção do voto em lista pré-ordenada, em que o eleitor, num primeiro turno vota no partido e, no segundo turno escolhe individualmente um dos nomes da lista;
5)    - fortalecimento da participação popular nas tomadas de decisões dos governos e do parlamento, por meio dos instrumentos da democracia direta ou participativa.

Como se vê, em tão pouco tempo, o ex-presidente do Conselho Federal mudou de lado e esqueceu que as propostas da “coalização democrática” foram barradas no Congresso pelos parlamentares exatamente porque está em desacordo com os seus interesses financeiros e os de seus “mecenas”. Esta é a verdadeira causa da crise de representatividade.
Portanto, como se pode acreditar que um “conselho de ministros”, que responde pelo governo e pela administração pública federal, poderá resistir a um Parlamento (que terá a atribuição de aprová-lo) em que a força do capital e dos interesses corporativos prevalecem?

2.2.3) Partidos Políticos estruturalmente organizados e fidelidade partidária – exigências fundamentais para um “semipresidencialismo” ou parlamentarismo

Um regime de governo, como consta na proposição em análise (de “semipresidencialisemo”), ou até mesmo parlamentarista, como apresentado para debate no Senado Federal, por meio da manifestação oportunista do Senador Aloisio Nunes Ferreira, do PSDB/SP (e candidato a vice-presidente da República na chapa derrotada de Aécio Neves, na última eleição de 2014), exige que se tenha “partidos racionalmente organizados” (Weber),  o que não existe; sendo certo, ainda, que a constatação empírica é de que também não existe fidelidade partidária, pois a todo momento são criados partidos que favorecem o troca-troca de legendas e promovem o desrespeito pelo voto atribuído ao partido que serviu de estrutura para a eleição do parlamentar.
Vê-se que até deputados que defendem uma moralização política já fizeram isto, como Chico Alencar, que saiu do PT e foi para o PSOL (na legislatura de 2003-2006), e Alessandro Molon, que também saiu do PT e foi para a Rede (na atual legislatura, de 2014-2018).
O único partido político “racionalmente organizado” para um governo parlamentar ou de “semipresidencialismo” é o dos Trabalhadores (PT), pois somente ele dispõe de uma base estrutural de luta de classes (que Domenico Losurdo define como aquele presente nos embates contra qualquer forma de exploração pelo capital), e tem em suas fileiras militância organizada e ativa junto aos movimentos sindical, camponês, de moradias urbanas, estudantil, negro, indígena, idosos, mulheres, LGBT, religiosos etc.
Porém, contra o PT, que é o único partido racionalmente organizado de fato, estão sendo direcionados ataques direto à sua estrutura, por meio das forças reacionárias da oligarquia coronelista brasileira que, em associação com os meios de comunicação tradicional e parte dos membros do antigo “estamento burocrático” do aparelho repressivo (Polícia, Ministério Público e Judiciário), que tentam incriminar todas as suas lideranças e conduzir o partido à clandestinidade.  
Portanto, na atual conjuntura e diante de um patrimonialismo cada vez mais atuante, em que a força do dinheiro e os acordos das oligarquias locais elegem os parlamentares, como se pode, acreditar com sinceridade, que há “partidos  dispostos a assumir a direção dos negócios públicos”, como diz ser determinante Weber, no modelo de governo em que o parlamento seria o ator preponderante?
Os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (ambos do PMDB) respondem a graves acusações criminais no Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que muitos outros deputados e senadores. Nestas circunstâncias fica difícil imaginar a formação de uma “coalizão” séria entre os partidos políticos no parlamento (que Weber reputa ser  necessária), para se aprovar um governo por meio de um “conselho de ministros” (no “semipresidencialismo”, sugerido pela OAB) ou  governar (no parlamentarismo, como propõe o PSDB).

3) Conclusão

 Com efeito, não sei se a proposta apresentada pelo ex-presidente da OAB decorre de falta de compreensão das técnicas científicas da ciência política ou faz parte das manobras para jogar mais combustível na crise política, visando a construção de um “impeachment inexequível” e  golpista, ao qual o Conselho da Ordem dos Advogados aderiu sem nenhum pudor, a exemplo do que fez quando da instalação do golpe militar-civil de 1.o de abril de 1964. 
Portanto, “uma proposta para o Brasil: o novo presidencialismo”, que tramita no Conselho Federal da OAB, além de ser de questionável constitucionalidade (por violação da cláusula pétrea da limitação ao princípio da separação de poderes, art. 60, § 4.o , da CF), apresenta-se distante da realidade do pensar e do agir político brasileiro, inexistindo as necessárias condições estruturais para sua implantação, uma vez que tal proposta de governo exige um parlamento equilibrado no conjunto das suas forças políticas e sociais (como Montesquieu observou na Inglaterra do seu tempo). Esse equilíbrio necessário não é factível de se alcançar, tendo em vista a grande influência do capital no sufrágio para a escolha dos parlamentares, aliada à inexistência de uma estrutura partidária sólida, em que a fidelidade seja a garantia para que os partidos possam assumir, com responsabilidade, a condução dos negócios políticos, como se exige neste formato de governo.
Assim, recomendo a rejeição pelo Instituto dos Advogados Brasileiros da referida proposta, apresentada pelo ex-presidente do Conselho Federal, bem como de qualquer proposta de emenda para introduzir o parlamentarismo no Brasil, que já foi negado em duas oportunidades pelo povo brasileiro, nas urnas, e não tem condições jurídicas de ser introduzido, diante da Constituição Federal de 1988; até porque, não há como entregar o governo do País nas mãos de um parlamento que tem, nesta legislatura (2015-2018), um altíssimo número de deputados que respondem por crimes perante o Supremo Tribunal Federal.

Rio de Janeiro, 06 de abril de 2016.
  
Jorge Rubem Folena de Oliveira
Membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional
do Instituto dos Advogados Brasileiros
Doutor em Ciência Política




[1] A esse respeito, o STF, anteriormente, já se posicionou no julgamento das ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de 19-5-2011.

Comentários

  1. sua tese esmigalha em definitivo qualquer proposta aventureira neste sentido. Reforcem-se com Varnhagen, Capistrano de Abreu e Darcy Ribeiro para a leveza do texto abrangente e bem costurado nas idéias. Parabéns.

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