UMA INEXEQUÍVEL PROPOSTA DE SEMIPRESIDENCIALISMO – OAB NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA E NA DEFESA DO GOLPE
Como ajustado com o Presidente da
Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados
Brasileiros (Professor Doutor José Ribas Vieira), venho analisar, a seguir, a
proposta em tramitação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados Brasil, sobre
a possibilidade de se introduzir no Brasil o “semipresidencialismo”, diante da
atual crise política, apresentada em 27 de janeiro de 2016 pelo ex-presidente
do Conselho Federal, Marcus Vinícius Furtado Coelho.
1) Considerações
iniciais: o que se passa no mundo e no Brasil:
O panorama mundial vem sendo pintado em
cores demasiado acinzentadas, quase se apagando de nossas memórias a sua cor azul,
diante de tantos impasses com que nos deparamos pelos quatro cantos. E os
problemas do Brasil de hoje refletem os
sintomas do mundo.
Os estudos sociológicos e de economia
política indicam, neste momento, a mais brutal concentração de renda no mundo.
O número de ricos é cada vez menor e o de pobres e miseráveis se amplia pelo
mundo a fora; ao ponto do professor Thomas Piketty, no livro “O Capital do
Século XXI”, afirmar que o passado devora o
presente.
Tal afirmação, decorrente de uma pesquisa
científica empírica, é assustadora! Todos os dias nos chegam imagens de
milhares de pessoas em busca de refúgio, em decorrência da espoliação de seus
países; gente que caminha sem destino e sem esperança pelas estradas do mundo.
Sem divergir, tanto economistas liberais
clássicos como Adam Smith, e, de outro lado, o pensador comunista Karl Marx,
manifestam, de forma geral, que é necessário atender sempre as necessidades
crescentes dos homens e mulheres, na realidade prática da vida.
Porém, o que temos visto – e os estudos
citados demonstram – é que as necessidades humanas não têm sido atendidas em
nenhum lugar, o que ocasiona um quadro geral de infelicidade, medo e até mesmo
de terror.
Como já apontava Montesquieu, em seu
Espírito das Leis, o terror produz a tirania, que causa o mais grave
desrespeito a todas as leis, qual seja a eliminação em massa de vidas humanas,
já registrado pela História e que continua a ocorrer por diversas formas.
Neste ponto, não me refiro apenas às
vítimas do terrorismo fundamentalista (propalado pela mídia universal, sem
esclarecer as suas verdadeiras causas); mas sobretudo às vítimas da
concentração de capital; que expropria, saqueia, invade e desestabiliza
política e economicamente nações soberanas, por meio de ações imperialistas e
colonialistas, em curso em pleno século XXI. Também podemos incluir como
consequência deste mesmo processo os assassinatos em massa de jovens pobres nas
periferias das cidades da América Latina.
Este cenário propicia um passo firme para
a restauração de regimes nefastos na História, que, sob o falso discurso de
moralizar uma sociedade inteira, ceifaram milhões de vidas de homens, mulheres,
idosos e crianças, das mais variadas
raças, origens e credos religiosos e/ou ideológicos.
É importante lembrar que, no seu
nascedouro, “os movimentos fascistas apresentavam elementos dos movimentos
revolucionários, na medida em que continham pessoas que queriam uma
transformação fundamental da sociedade, frequentemente com um lado notadamente
anticapitalista e anti-oligárquico. Contudo, o cavalo do fascismo
revolucionário não deu largada nem correu.” (Eric Hobsbawm, em Era dos
Extremos, capítulo 4, item III).
Nesse ponto, saliente-se que, durante o
século XX, os grandes ataques às instituições
liberais e às garantias democráticas constitucionais vieram dos movimentos de
direita com “medo da revolução social”, como registra Hobsbawm e também Giorgio
Agamben, em Estado de Exceção.
Por tal razão e para se evitar os erros
do passado, o momento exige mais que reflexão; exige muito equilíbrio das
forças políticas e sociais (ponto central da obra de Montesquieu, embora a
maioria dos juristas acredite, de forma equivocada, que seja a “separação de
poderes”, conforme esclarece Raymond Aron, em As etapas do pensamento
sociológico). A busca desse equilíbrio é fundamental, no momento presente, de
modo a manter o Estado Democrático de Direito, instituto construído pela
sociedade universal à custa de muita luta e vidas sacrificadas.
Que foi resgatado no Brasil, em
decorrência do pacto político que nos
assegurou a Constituição Cidadã de 1988, que muitos querem revogar a qualquer
custo, exatamente nos pontos que seus redatores originais manifestaram como
mais importantes e fazendo com que os conceitos de cidadania, garantias
fundamentais e direitos sociais antecedessem o capítulo referente à ordem
econômica (J. Bernardo Cabral).
Por isso não podemos permitir ataques à
Constituição, seja de quem for, especialmente na parte relativa aos princípios
e garantias fundamentais, que constituem cláusulas pétreas, mas vêm sendo
violados, sistematicamente, por alguns membros do Poder Judiciário, por meio da
politização da justiça, que não irá solucionar os graves impasses sociais.
Como lembra Max Weber, “não é próprio de
um funcionário público participar de conflitos políticos com suas convicções
pessoais (...). Pelo contrário, seu orgulho é proteger sua imparcialidade e,
portanto, poder superar suas próprias inclinações e opiniões para realizar de
maneira conscienciosa e sensata, o que o regulamento geral ou alguma instrução
especial exigem dele.” (Parlamento e governo na Alemanha reorganizada).
Os problemas da sociedade devem ser
resolvidos pela discussão política travada nas ruas, no parlamento e no governo,
e não nos tribunais. Somente assim a sociedade construirá o seu futuro. Da mesma forma, não será por meio da cabeça
de sábios ou gênios que uma sociedade encontrará seu ponto de equilíbrio
político, pois é com a participação de todas as classes sociais que se constrói um país forte e desenvolvido.
É importante ressaltar, ainda, que a
força da concentração de capital é percebida também na política, com
interferência direta no sufrágio. Com efeito, como diz Habermas, não é possível falar em democracia, que não
seja a de segmentos. Esta forma de democracia, encontrada em todo o mundo,
limita a política e gera a atual crise de representatividade.
Por isso, não podemos admitir que se
utilizem de mecanismos de instabilidade político-institucional para atingir
fins políticos e econômicos.
2) A proposta da OAB para o Brasil: “o novo presidencialismo”.
Depois de feita esta introdução (que
reputo necessária, diante da realidade social, política e econômica, no mundo e
no país), passo a analisar “uma proposta para o Brasil: o novo
presidencialismo”, apresentada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coelho, protocolada no Conselho Federal em 27
de janeiro de 2016 (registro de recebimento número 49.0000.2016.000700-0), sob o
argumento colaborar para o enfrentamento da crise política em curso no Brasil.
De forma contrária ao anunciado pelo
proponente (que vislumbra “no sistema de “semipresidencialismo” uma resposta à
crise brasileira”), a proposta constitui-se
num “ensaio” que põe mais água quente na fervura e abre caminho para os
golpistas do “inexequível impeachment” (Orpheu dos Santos Salles), que já
debatem, no Senado Federal, a tentativa de reintrodução do parlamentarismo no
Brasil; sistema em que a responsabilidade pelo governo e pela administração do
país ficaria a cargo dos senhores
parlamentares.
2.1)
Proposta que viola a Constituição de 1988
O encaminhamento do Conselho Federal da
OAB foi apresentado em formato de Proposta de Emenda à Constituição, que
limitaria os atuais poderes da instituição presidência da República, que
passaria a exercer o controle do Poder Executivo em conjunto com um “Conselho
de Ministros”, cujo presidente seria nomeado pelo Presidente da República e
exonerado do cargo “quando o Congresso Nacional lhes retirar a confiança”.
Pela iniciativa, o “Conselho de Ministros
responde coletivamente perante o Congresso Nacional pela política do Governo e
pela Administração Pública Federal”.
Além da proposta de emenda constitucional
ser questionável sob o aspecto jurídico, conforme a cláusula pétrea que impede a
violação do princípio da separação de poderes (art. 60, § 4.o,
III, da Constituição Federal), é inegável a tentativa de redução de poderes da
Presidência da República, o que se constituiria
numa grave violação, por meio do poder constituinte derivado, à independência
de outro poder.[1]
2.2)
A análise do tema sob a ótica da teoria política
Deixando de lado a controvérsia jurídico-constitucional
que, por si só impõe óbice à implantação da proposta apresentada pelo
ex-presidente do Conselho Federal, passo à análise do conteúdo do estudo
desenvolvido.
Em “ensaio” de 24 laudas (pois, ao
contrário do que afirma seu autor, não se trata de artigo científico com embasamento
em pesquisa empírica aplicada à realidade social e política brasileira), o
autor expõe os efeitos de uma crise
política, sem apresentar, contudo, sua autêntica e necessária causa.
Com meus respeitos, esta forma de
proposição é muito comum aos juristas de plantão, para tentar justificar ou
ratificar tentativas de rompimento institucional, uma vez que o “papel tudo
absorve”.
O autor saca, de forma mágica, de sua
“inteligência”, “uma proposta para o Brasil”, sem pesar, em sua análise, uma
linha sequer sobre a realidade do pensamento político brasileiro; constituído
até hoje nas margens históricas do patrimonialismo local, que tem na figura do caudilhismo
e do coronelismo seu embasamento político, como demonstram os diversos estudos
desenvolvidos por pensadores como Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos
Teixeira da Silva (História da Agricultura no Brasil), Rui Facó (Cangaceiros e
Fanáticos), Josué de Castro (Geografia da fome), Osny Duarte Pereira (Quem faz
as leis no Brasil), Victor Nunes Leal
(Coronelismo, enxada e voto), Raymundo Faoro (Donos do Poder), Jessé Souza (A
tolice da inteligência brasileira), entre muitos outros autores e obras que
poderíamos citar para tentar explicar um
pensar e agir político que envolve a constante exploração do povo e o apoderamento
do público pelo privado, no país, em benefício exclusivo de uma parcela rica da
população.
Então, sem analisar com profundidade o passado, não dá para se compreender o
presente, o que torna impossível fazer uma proposição futura (finalista), concernente
a “um novo presidencialismo”, como sugeriu o ex-presidente da OAB.
Em seu estudo não consta uma linha sequer
à crítica da realidade do pensamento político nacional. O autor encontra sua
inspiração em modelos de outros países, como Portugal e França, mas parte de
uma análise superficial que passa ao largo da grave crise de representatividade
que assola todo o mundo e tem origem na adoção do modelo “ocidental cristão”, que tanto mal estar e infelicidade causou e
causa aos povos (sintomas descritos por Freud no início do século XX e
ainda presentes).
2.2.1.) A realidade política brasileira – governos caudilhos presidencialistas/personalistas
e centralismo de poder
Segundo a narrativa de Domingos Sarmiento
(em Facundo: civilização ou barbárie, final do século XIX), a vasta extensão
territorial, que constituiu o latifúndio, somada ao analfabetismo, constituíram
as bases para a implantação, por toda a América Latina, de um sistema político
fundado no caudilhismo patrimonialista, cujos
efeitos se percebem até hoje, por meio de governos presidencialistas,
sempre com a marca personalíssima do mandatário.
Até a chegada da família portuguesa em
1808, o domínio da política no Brasil era dos caudilhos ou caciques, assim
definido na literatura hispano-americana (Francisco Carlos Teixeira da Silva,
em Instituições na América do Sul). A distância da Corte portuguesa para a
colônia permitia que os senhores mais fortes se tornassem os donos da política
e da vida das pessoas que estavam no Brasil, exercendo um “domínio pessoal e
arbitrário” (Jose Murilo de Carvalho, em Mandonismo, coronelismo, clientelismo:
uma discussão conceitual); nesse
contexto, a política é exercida com forte viés personalista e mandonismo.
Tanto no período em que a sede da
metrópole foi transferida para o Brasil quanto no decorrer do império, a
família Real portuguesa e seus descendentes combateram essa construção e debelou todas as reações caudilhas e
centralizou o poder e a unidade nacional a partir da capital no Rio de
Janeiro. (Osny Duarte Pereira, em Quem faz as leis no Brasil)
A grande vitória do caudilhismo no Brasil
deu-se a partir da implantação da república, com a derrocada dos militares
monarquistas que pretendiam transpor a estrutura de poder unitário do império
para a República recém implantada, em bases presidencialistas.
Mesmo distante da realidade política do
Brasil, constituído como país unitário, os governadores (antigos presidentes de
províncias no Império) conseguiram impor uma federação para, assim, deterem o
poder de polícia e a atribuição de demarcações locais de terras, segundo
esclarecem Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, em
História da Agricultura no Brasil.
Além disso, a partir da primeira
República conseguiram impor um presidencialismo
marcado pela mística cultural personalista, em que traços do passado
imperial foram resgatados (semelhante ao que Marx define como “retomada ao
ponto de regresso”, no 18 Brumário de Luís Bonaparte).
Temos hoje uma federação de papel, com
estados e municípios falidos, pois muitos entes federativos não têm como se
manter, por si, e ficam na total dependência de repasses da União.
Neste sentido a dura crítica formulada
por Alberto Torres ao grande Ruy Barbosa, por copiar um modelo de federação
desenvolvido pelos americanos, para uma situação circunstancial e pragmática
das treze colônias, que nada tinha a ver com a realidade política de um Brasil
de formação unitária política e administrativa, como ocorreu na colônia e no império. Porém, o entendimento que
prevaleceu durante o processo de consolidação da república, influenciado por
juristas como Ruy Barbosa, foi para a
constituição de uma federação, o que beneficiou politicamente o coronelismo,
representado pelos governadores. (Victor Nunes Leal, em Coronelismo, enxada
e voto)
Todas as vezes, na história do país, em
que se tentou, de alguma forma, romper com o coronelismo e promover alguma inclusão social e a defesa do patrimônio nacional, não
logramos sucesso. O resultado foi o suicídio de um presidente e a deposição
de outro, em pleno exercício constitucional de seu mandato. No último caso, o
país foi lançado em vinte e um anos de escuridão (1964-1985), com a cassação de
mandatos parlamentares, deposição de juízes da Suprema Corte, a realização de
inúmeras prisões ilegais, torturas e assassinatos, como apurou a Comissão
Nacional da Verdade, no relatório entregue em dezembro de 2014. Ao final, foram atingidos até mesmo os que
inicialmente defendiam a deposição do governo.
E hoje não parece ser muito diferente,
pois as obscuras forças do passado ainda se manifestam presente contra os
avanços de reformas sociais e a extensão de alguma forma de cidadania a milhões
de brasileiros, que antes nada tinham. Quero dizer que agentes políticos civis
que atuaram no antigo regime (1964-1985) permanecem tranquilamente em suas
posições, sem que tenha ocorrido purgação ou ruptura oficial com o passado
ditatorial e dificultam, em grande medida, as proposições de um país mais
inclusivo socialmente.
Desta forma, é possível estabelecer a
hipótese de que os reacionários do passado possam estar atuando no presente,
diretamente ou por intermédio de seus descendentes (herdeiros e legatários), na
pregação moralista que tomou conta do Brasil nos últimos anos, como ressaltamos
no nosso livro “O Poder Judiciário e as ditaduras brasileiras”.
Desta forma, é estranho que os herdeiros
dos caudilhos ou dos coronéis (que sempre defenderam o sistema de governo
presidencialista e personalista, como se consagrou na cultura política do país
durante mais de um século) hoje venham defender o “semipresidencialismo” ou
parlamentarismo, que enfraquece o poder do mandonismo.
Uma
pergunta que não quer calar, diante do possível oportunismo: esta regra valerá
também para todos os estados e municípios brasileiros, onde ainda prevalecem,
na política, as forças do mandonismo e do coronelismo?
2.2.2)
A crise da representatividade – a
força do capital na eleições
O “ensaio” apresentado pelo ex-presidente
da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coelho, não aponta nenhuma causa para a crise
de representatividade política.
Como
disse, são apresentados apenas os efeitos da crise. Inegavelmente, a mesma crise política
de governabilidade que assola o Brasil ronda também os governos de Portugal e
da França, que o autor apresenta como exemplos de governos a serem seguidos.
Em vários locais, mundo afora, é grande a
descrença na política e nos políticos, como se vê na França, em Portugal, na
Espanha, na Inglaterra, na Alemanha, na Grécia, nos Estados Unidos etc., pois o
dinheiro e a força do capital sequestraram a representação popular e a vontade
coletiva (definida por Rousseau), que jamais se faz presente na vida pública. Tal
é o caso do Brasil, em que os parlamentares detêm a exclusiva primazia de decidir
que assuntos devem ser levados a plebiscito ou a referendo.
De
forma geral, os políticos utilizam-se de suas representações para defender
interesses dos segmentos corporativos ou financeiros que sustentam suas
campanhas, o que Weber
já condenava na Alemanha do seu tempo, ao dizer que: “Por menos de 20 mil
marcos é impossível conquistar uma zona eleitoral razoavelmente grande e muito
disputada”. Ou ao afirmar que a solução
dos problemas financeiros (do Partido Social-Democrata) voltou a ser “o financiamento
do partido por mecenas.” Max Weber faz
esta análise no escrito político sobre “o Parlamento e o governo da Alemanha
reorganizada”, publicado em 1902, que continua atual.
Parece que, de lá para cá, quase nada
mudou; ou melhor, diante da concentração cada vez mais crescente do capital
(Piketty), é possível especular, numa
análise circunstancial, que a desestabilização política de muitos governos que
adotaram políticas públicas populares torna-se
uma meta do capitalismo hegemônico (não aquele que age sob as trombetas da
dominação coercitiva, mas o que atua, nas profundezas da escuridão, pelas mídias
conservadoras, por intermédio dos “consensos” e do “dirigismo, como denuncia
Gramsci).
Este ponto é por demais importante para a
nossa crítica, uma vez que a Ordem dos Advogados do Brasil (à época liderada
pelo autor da proposta sob análise), em conjunto com a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil e outras entidades do movimento social, promoveu em 2014 e
2015 uma campanha pela “reforma política
democrática e eleições limpas”, no que se denominou de “coalização democrática”.
Os pontos principais desta importante
campanha foram:
1) - o financiamento público para campanhas
eleitorais;
2) - proibição de financiamento eleitoral
por pessoas jurídicas;
3) - extinção do sistema de voto dado ao
candidato individualmente, como
adotado nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais;
4) - adoção do voto em lista pré-ordenada,
em que o eleitor, num primeiro turno vota no partido e, no segundo turno
escolhe individualmente um dos nomes da lista;
5) - fortalecimento da participação popular
nas tomadas de decisões dos governos e do parlamento, por meio dos instrumentos
da democracia direta ou participativa.
Como se vê, em tão pouco tempo, o
ex-presidente do Conselho Federal mudou de lado e esqueceu que as propostas da
“coalização democrática” foram barradas no Congresso pelos parlamentares
exatamente porque está em desacordo com os seus interesses financeiros e os de
seus “mecenas”. Esta é a verdadeira
causa da crise de representatividade.
Portanto, como se pode acreditar que um
“conselho de ministros”, que responde pelo governo e pela administração pública
federal, poderá resistir a um Parlamento (que terá a atribuição de aprová-lo)
em que a força do capital e dos interesses corporativos prevalecem?
2.2.3) Partidos Políticos estruturalmente organizados e fidelidade partidária
– exigências fundamentais para um “semipresidencialismo” ou parlamentarismo
Um regime de governo, como consta na
proposição em análise (de “semipresidencialisemo”), ou até mesmo parlamentarista,
como apresentado para debate no Senado Federal, por meio da manifestação
oportunista do Senador Aloisio Nunes Ferreira, do PSDB/SP (e candidato a
vice-presidente da República na chapa derrotada de Aécio Neves, na última
eleição de 2014), exige que se tenha “partidos
racionalmente organizados” (Weber),
o que não existe; sendo certo, ainda, que a constatação empírica é de
que também não existe fidelidade
partidária, pois a todo momento são criados partidos que favorecem o
troca-troca de legendas e promovem o desrespeito pelo voto atribuído ao partido
que serviu de estrutura para a eleição do parlamentar.
Vê-se que até deputados que defendem uma
moralização política já fizeram isto, como Chico Alencar, que saiu do PT e foi
para o PSOL (na legislatura de 2003-2006), e Alessandro Molon, que também saiu
do PT e foi para a Rede (na atual legislatura, de 2014-2018).
O único partido político “racionalmente
organizado” para um governo parlamentar ou de “semipresidencialismo” é o dos
Trabalhadores (PT), pois somente ele dispõe de uma base estrutural de luta de
classes (que Domenico Losurdo define como aquele presente nos embates contra
qualquer forma de exploração pelo capital), e tem em suas fileiras militância
organizada e ativa junto aos movimentos sindical, camponês, de moradias
urbanas, estudantil, negro, indígena, idosos, mulheres, LGBT, religiosos etc.
Porém, contra o PT, que é o único partido
racionalmente organizado de fato, estão sendo direcionados ataques direto à sua
estrutura, por meio das forças reacionárias da oligarquia coronelista
brasileira que, em associação com os meios de comunicação tradicional e parte dos
membros do antigo “estamento burocrático” do aparelho repressivo (Polícia,
Ministério Público e Judiciário), que tentam incriminar todas as suas
lideranças e conduzir o partido à clandestinidade.
Portanto, na atual conjuntura e diante de
um patrimonialismo cada vez mais atuante, em que a força do dinheiro e os
acordos das oligarquias locais elegem os parlamentares, como se pode, acreditar
com sinceridade, que há “partidos dispostos a assumir a direção dos negócios
públicos”, como diz ser determinante Weber, no modelo de governo em que o
parlamento seria o ator preponderante?
Os atuais presidentes da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal (ambos do PMDB) respondem a graves acusações
criminais no Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que muitos outros
deputados e senadores. Nestas circunstâncias fica difícil imaginar a formação
de uma “coalizão” séria entre os partidos políticos no parlamento (que Weber
reputa ser necessária), para se aprovar
um governo por meio de um “conselho de ministros” (no “semipresidencialismo”,
sugerido pela OAB) ou governar (no parlamentarismo,
como propõe o PSDB).
3) Conclusão
Com
efeito, não sei se a proposta apresentada pelo ex-presidente da OAB decorre de falta
de compreensão das técnicas científicas da ciência política ou faz parte das
manobras para jogar mais combustível na crise política, visando a construção de
um “impeachment inexequível” e golpista,
ao qual o Conselho da Ordem dos Advogados aderiu sem nenhum pudor, a exemplo do
que fez quando da instalação do golpe militar-civil de 1.o de abril
de 1964.
Portanto, “uma proposta para o Brasil: o
novo presidencialismo”, que tramita no Conselho Federal da OAB, além de ser de questionável
constitucionalidade (por violação da cláusula pétrea da limitação ao princípio
da separação de poderes, art. 60, § 4.o , da CF), apresenta-se
distante da realidade do pensar e do agir político brasileiro, inexistindo as
necessárias condições estruturais para sua implantação, uma vez que tal
proposta de governo exige um parlamento equilibrado no conjunto das suas forças
políticas e sociais (como Montesquieu observou na Inglaterra do seu tempo). Esse equilíbrio necessário não é factível
de se alcançar, tendo em vista a grande influência do capital no sufrágio para a
escolha dos parlamentares, aliada à inexistência de uma estrutura partidária
sólida, em que a fidelidade seja a garantia para que os partidos possam assumir,
com responsabilidade, a condução dos negócios políticos, como se exige neste
formato de governo.
Assim, recomendo a rejeição pelo Instituto dos Advogados Brasileiros da referida
proposta, apresentada pelo ex-presidente do Conselho Federal, bem como de
qualquer proposta de emenda para introduzir o parlamentarismo no Brasil, que já
foi negado em duas oportunidades pelo povo brasileiro, nas urnas, e não tem
condições jurídicas de ser introduzido, diante da Constituição Federal de 1988;
até porque, não há como entregar o governo do País nas mãos de um parlamento
que tem, nesta legislatura (2015-2018), um altíssimo número de deputados que
respondem por crimes perante o Supremo Tribunal Federal.
Rio de Janeiro, 06 de abril de 2016.
Jorge Rubem Folena de Oliveira
Membro da Comissão Permanente de Direito
Constitucional
do Instituto dos Advogados Brasileiros
Doutor em Ciência Política
[1] A esse respeito, o STF,
anteriormente, já se posicionou no julgamento das ADI 2.356-MC e ADI 2.362-MC, rel. p/ o ac.
min. Ayres Britto, julgamento em
25-11-2010, Plenário, DJE de 19-5-2011.
sua tese esmigalha em definitivo qualquer proposta aventureira neste sentido. Reforcem-se com Varnhagen, Capistrano de Abreu e Darcy Ribeiro para a leveza do texto abrangente e bem costurado nas idéias. Parabéns.
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