Pular para o conteúdo principal

DIREITO, PODER, VIOLÊNCIA E O FASCISMO NO SÉCULO XXI





Poder e violência são dois termos que se fundem. Para se exercer o poder, há que fazê-lo por meio da violência. A violência se executa pelo poder. As lições e conclusões sobre a natureza do poder e da violência não têm sua origem em meras divagações metafísicas, pois nascem da mais profunda realidade empírica.
O poder não é uma criação da mente humana, é antes uma constatação do que se verifica na vida em si mesma, na qual os mais fortes (física ou intelectualmente) se impõem sobre os demais seres; ou seja, “o direito do mais forte é único reconhecido[1]. A materialização do poder dá-se por meio da violência, que se constitui por meio da força.
Pela força da criação mental, o Estado foi a maior invenção da mente humana; sendo que “dentre os diversos momentos da vida do povo, foi o Estado político, a constituição, o mais difícil de ser engendrado.”[2]  E, ao criar o Estado, o homem passou a deter o monopólio do uso do poder e da violência, de forma institucionalizada. Desta forma, o grupo político que controla o Estado determina o que pode e o que não pode ser feito pelas pessoas.[3]
Por isso, as classes ou grupos subalternos (que estão à margem da sociedade), “sofrem sempre a iniciativa dos grupos dominantes[4] para  submetê-los à ordem violenta do Estado, que lhes dita o que podem ou não podem fazer. Daí, “só a vitória ‘permanente’ rompe, e não imediatamente, a  subordinação[5], como diz Gramsci.
Sendo o Estado uma criação metafísica, é possível afirmar, a partir desta construção, que o Direito é violência, pois, ao mesmo tempo em que concede direitos (determina o que se pode fazer), por outro lado impõe restrições (o que não se pode fazer) às pessoas[6]; sendo sua efetivação final executada pelo aparelho burocrático estatal, que é o detentor do poder de colocar em prática “a violência historicamente reconhecida ou sancionada”, expressada pelo Direito Positivo[7].
Para a teoria do Direito, este pode se manifestar por meio de sua natureza originária, materialmente real, ao revelar o seu conteúdo de mediação. Isto se verifica quando alguém é chamado a decidir quem está certo ou errado em um determinado assunto.  Ao ser decidida a questão, o Direito se realiza.
A concepção do Direito como elemento de pacificação dos conflitos sociais se exerce e materializa por meio do poder e da violência. O Estado, quando pacifica um conflito (causa da criação do Estado moderno, a partir da teoria hobbesiana), o faz por meio da violência institucional, dispondo do poder de impor sanções e restrições de direitos.
As normas jurídicas são impostas por um príncipe ou legitimadas pela soberania popular, ou, ainda, constituídas pela livre manifestação de vontade dos seres humanos. Estas normas compõem o Direito Positivo e possuem inegável força e violência sancionadora. Como diz Benjamin: “Todo poder, enquanto meio, tem por função instituir Direito ou mantê-lo[8].
Para Hobbes, o direito à vida é o elementar direito natural. Apesar de constituir uma aparente construção intelectual, o direito à vida é a base de tudo para o ser humano, uma vez que suprir as necessidades fundamentais são indispensáveis a sobrevivência do homem.
Sem vida, não existe homem. Por isso, ao contrário do que alguns manifestam, o direito natural tem existência material, uma vez que, sem vida, o ser humano, único ser capaz de produzir cultura, não pode constituir o Estado nem permitir a sua apropriação pela utilização do poder e da violência; sendo  que para o direito natural, “a violência é um produtos da natureza”, empregada para “fins justos.”[9]
Objetivo deste ensaio foi questionar a construção doutrinária denominada realismo jurídico (com base na escola norte-americana), que se manifesta mediante a ideia de que o direito se concretiza por intermédio das decisões judiciais,  visto que tal teoria já nasce impregnada de poder e violência e pode ser utilizada para justificar a mais perversa crueldade e não os fins justos de um Direito Natural, baseado na soberana vontade popular.
Nesse contexto, não se pode ignorar que os luminares da hegemonia têm propugnado que o século XXI é do poder judiciário, de forma a incentivar juízes a interferir diretamente na atividade política, inclusive se sobrepondo ao direito positivo fundamental, baseado nas constituições políticas, e desrespeitando princípios considerados inafastáveis pela humanidade.
Sendo assim, o direito nunca poderá ser resumido à palavra final de juízes ou tribunais, cujo papel deveria ser o de fazer respeitar a soberania popular, manifestada por meio das leis aprovadas pelo parlamento e pelos atos praticados por governos legitimamente constituídos e que trabalhem em favor do povo. Ou seja, o papel preponderante do judiciário é o de impor reconhecimento e legitimidade às normas jurídicas, como proposto por H.L.A. Hart[10], e não distorcê-las conforme seu arbítrio.
Daí esta crítica a toda manifestação judicial quando utilizada de forma seletiva e destinada, unicamente, a alcançar determinados cidadãos e grupos políticos que divergem daqueles que estão à frente do poder, bem como para tentar afastar do meio social os indivíduos considerados indesejáveis, a exemplo do que foi posto em prática pelo fascismo no início do século XX e que se tenta restaurar em pleno século XXI.





[1] GRAMSCI, A. Oprimidos e opressores. Escritos políticos. Civilizações Brasileiras: Rio de Janeiro, 2004, p. 46.
[2] MARX, K. Crítica da filosofia do direito   de Hegel. Boitempo editorial: São Paulo, 2013. p. 57.
[3] ROSS, Alf. Direito e justiça. Edipro: Bauru, 2007, p. 83: “Para sua realização, o direito necessita o poder ‘por trás’ de si.”
[4] GRAMSCI, A. Caderno 25, Às margens da história. (História dos grupos sociais subalternos.). Cadernos do cárcere. Civilização brasileira: Rio de Janeiro, 2014, p. 135.
[5] GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere (Caderno 25, Às margens da história. (História dos grupos sociais subalternos). Civilização brasileira: Rio de Janeiro, 2014, p. 135.
[6] KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. Martins Fontes: São Paulo, 1992, p. 27-28, considera, nesse ponto, uma antinomia aparente do direito, uma vez que a coerção é  utilizada, pela sociedade coletiva, para evitar uma outra agressão e assim pacificar a sociedade. Diz Kelsen: “a força é empregada para prevenir o emprego da força na sociedade. (...) A antinomia, no entanto, é apenas aparente. O Direito, com certeza, é uma ordenação que tem como fim a promoção da paz. (...) O Direito e a força não devem ser compreendidos como absolutamente antagônicos. (...) o Direito faz do uso da força um monopólio da comunidade E, precisamente por fazê-lo, o Direito pacifica a comunidade.
[7] BENJAMIN. W. Sobre a crítica do poder como violência. O anjo da história. Autêntica: Belo Horizonte, 2013, p. 60.
[8] BENJAMIN. W. Sobre a crítica do poder como violência. O anjo da história.                                         Autêntica: Belo Horizonte, 2013, p. 62.
[9] BENJAMIN. W. Sobre a crítica do poder como violência. O anjo da história. Autêntica: Belo Horizonte, 2013, p.59.
[10] HART, H.L.A. O conceito de direito. WMF Martins Fontes: São Paulo, 2012, p. 133: “Quando os tribunais chegam a uma conclusão específica, com base no fato de que certa norma foi corretamente identificada como norma jurídica, aquilo que declaram tem um caráter especial de autoridade imperativa, que lhe é conferido por outras normas.”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GOVERNO LULA SOB ATAQUE: a conspiração lavajatista continua

     Foto de Ricardo Stuckert Por Jorge Folena O Governo Lula ainda não completou 100 dias, não tomou qualquer medida dura contra o mercado financeiro nem conflitou com a classe dominante, porém os lacaios de sempre já disparam sua ofensiva nos meios de comunicação tradicional,  a fim de tentar domesticar o presidente.  Nesta última semana,  entre os dias 20 e 22 de março, a visita de Xi Jin Ping a Vladimir Putin deixou  definitivamente evidente a formação do mundo multipolar e o processo de declínio do império anglo-americano, que ao longo de mais de dois séculos de dominação não apresentou qualquer alternativa de esperança e paz para os povos do mundo; ao contrário, deixou um legado de guerras, destruição, humilhação e exploração. Exatamente ao final daquele encontro e diante dos preparativos para a viagem do Presidente Lula à China, o céu desabou sobre a cabeça do representante do Governo brasileiro, que está sendo atacado pelos lavajatistas plantados pelo Departamento de Justiça no

GARANTIA DA LEI E DA ORDEM: incompatível com a República

Proclamação da República, Benedito Calixto, 1893. Por Jorge Folena [1]   Em agosto de 2019, diante das pressões políticas de grupos autoritários e da tentativa de fortalecimento da extrema-direita na Alemanha, foi retomado o debate naquele país sobre “os três erros fundamentais da Constituição de Weimar”, que completava cem anos naquela oportunidade. Os três erros da mencionada constituição seriam os artigos 24, 48 e 53 que, respectivamente, previam em linhas gerais que: (a) o presidente poderia dissolver o parlamento; (b) o presidente poderia, com a ajuda das forças armadas, intervir para restabelecer a segurança e a ordem pública; e (c) a nomeação do primeiro ministro como atribuição do presidente. Como afirma  Sven Felix Kelerhoff [2] ,   essas regras eram “herança da constituição do império”, que a ordem republicana, introduzida em Weimar  em 1919, não foi capaz de superar e possibilitaram a ascensão do nazismo de Hitler, na Alemanha, a partir de 1933. Para nós no Brasil é muito im

INÍCIO DA TEMPORADA DE CAÇA AOS OPOSITORES DO GOVERNO

Caçada na floresta, Paolo Uccello, 1470  Por Jorge Folena [1]   Divirjo totalmente do governador do Estado do Rio de Janeiro, eleito em 2018 na onda da extrema direita, que empregou métodos de propagação de mentiras sistemáticas pela rede mundial de computadores, com forte evidência de abuso de poder econômico, como está sendo examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação à chapa vencedora, de forma questionável, na eleição presidencial. O governador do Rio de Janeiro não apresentou, até aqui, qualquer política pública para melhorar a vida da população pobre do Estado, mas incentivou, desde o primeiro dia de seu governo, a continuação de práticas policiais abomináveis e desumanas, tendo sugerido à polícia “mirar na cabecinha” para o abate de seres humano. Contudo, mesmo com todas as divergências contra o governador, não é possível aceitar, com passividade, o seu afastamento do cargo por decisão liminar proferida por um ministro do Superior Tribunal de Justiça; que, em verdade,