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SOBERANIA E DEPENDÊNCIA: UMA ANÁLISE (PÓS)COLONIAL DA ELITE BRASILEIRA


TRABALHO APRESENTADO NO III SEMINÁRIO SOS BRASIL SOBERANO, NA CIDADE DE BELO HORIZONTE, EM 08/06/2017.

Por Jorge Rubem Folena de Oliveira[1]


O título desta apresentação é Soberania e Dependência: uma análise (pós)colonial da elite brasileira.

Agradeço o convite para estar aqui em Belo Horizonte, neste terceiro seminário, organizado pelo Projeto SOS Brasil Soberano, para tratar de tema tão importante para o país, principalmente depois de decorrido mais de um ano do golpe que afastou a legítima presidente Dilma Rousseff e deu início ao desgoverno de Temer.

O presidente-em-exercício, desde o golpe que o levou ao comando do país, atua para enfraquecer a soberania nacional e impor a dependência do Brasil ao capital financeiro internacional, em mais uma aposta da elite brasileira no colonialismo, fio condutor de sua formação histórica.

A elite brasileira sempre optou pelo subdesenvolvimento e por isso sabotou o país, que até 2014 crescia e prosperava, como demonstram dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar do IBGE.

Seus integrantes parecem não compreender que o verdadeiro crescimento do país somente pode ocorrer com o surgimento de uma classe trabalhadora próspera, com capacidade para dinamizar a economia e o desenvolvimento nacional.

Ao postergar o progresso da sociedade, esse grupo imagina ser possível controlar a vontade da maioria da população, tutelando-a como sempre fez ao longo da História.

Quando se tentou mudar esta lógica, entre os anos de 2003 e 2014, com a ampliação da renda dos trabalhadores, mediante reajustes genuínos do salário mínimo e com a implantação de programas de distribuição de renda, iniciou-se o mal-estar político no país.

A insatisfação foi atribuída às políticas públicas que geraram alguma forma de cidadania aos trabalhadores e promoveram melhorais reais em suas vidas.

O patrimonialismo brasileiro, forjado nas bases do coronelismo, mantém-se ativo e forte, inclusive no Brasil urbano, em que “compadrio” e “filhotismo” ainda prevalecem.

Com efeito, o comportamento histórico da elite política nacional revela-se em sua premissa de que o Brasil tem vocação para o atraso.

Para essa elite, é melhor viver sem progresso para a maioria esmagadora da sociedade, desde que ela possa usufruir as sobras dos povos colonizadores.

Tal é o modelo adotado desde a fundação do país, em que o processo econômico é pautado na exportação de riquezas naturais, com utilização de mão de obra estrangeira escrava, oriunda do continente africano, ou de colonos europeus miseráveis, que para cá migraram em busca de sobrevivência, no final do século XIX e início do XX.

A propósito, muito recentemente, milhões de pessoas no Brasil saíram da escuridão absoluta, enquanto outros milhões ainda vivem sem saneamento básico, em cidades do país onde habitam mais de 80% da população.

Água encanada e esgoto tratado são tidos como privilégios, ainda que possam constituir atividade econômica muito rentável.

Isto demonstra a opção da elite pelo atraso, uma vez que preferem não explorar uma atividade econômica com capacidade para dinamizar a engenharia nacional, gerar muitos postos de trabalho, qualidade de vida, e renda para os prováveis investidores neste tipo de negócio.

Porém o que se viu foi a união de agentes políticos e econômicos – associados a interesses de empresas estrangeiras – em ação conjunta para destruir os segmentos geradores de empregos, empurrando milhões de trabalhadores para o desemprego coletivo, como se observa no desmonte das empresas brasileiras de engenharia, na destruição da indústria naval (que tinha sido recuperada entre 2003 e 2014) e nos acirrados ataques à maior empresa brasileira, a Petrobras – detentora de umas das maiores reservas de petróleo do mundo.

Tudo isso para reaver sua posição de mando e retomar o processo de entreguismo, que teve seu auge entre 1994 e 2002, simbolizado pela venda da Companhia Vale do Rio Doce, e assim prosseguir com a destruição da soberania nacional e a submissão do país à dependência estrangeira.

Na verdade, a elite brasileira julga-se culta e superior, mas não sabe nem como ganhar dinheiro trabalhando, porque, na verdade, trabalhar nunca constituiu o forte desta gente, que vive da exploração e do rentismo.

E sempre procurou se espelhar na experiência de outros povos, notadamente os europeus e o norte-americano, cujas características de formação cultural e política são completamente distintas da nossa realidade.

Esta mesma elite, na defesa dos seus interesses entreguistas, prefere apoiar candidatos que se imaginam “príncipes” aristocratas.

Ela também compartilha o pensamento de uma certa intelectualidade, que ousa afirmar que o povo brasileiro é constituído por “malandros”, que tem adoração apenas por “carnavais”.

São teses construídas para rebaixar a moral e a autoestima de nossa gente, e que denominam de “sociologia do dilema brasileiro.”[2]

Na verdade, este posicionamento forja o pensamento dominante da elite brasileira, que repete, de certa forma, a farsa apresentada por Hegel – nas palavras de Schopenhauer – sobre uma suposta inferioridade dos povos originários, rotulados de forma preconceituosa como “preguiçosos”[3], diante da imaginada superioridade dos colonizadores europeus.

A propósito, Hegel tenta impor, de forma falsa, a partir do processo de colonização, que o “Velho Mundo” é o “palco da história universal”; o que constitui um claro preconceito e desrespeito à cultura dos demais povos da terra. 
O Brasil, ao contrário dos países europeus, foi colonizado. Logo, sua realidade é diferente da dos povos colonizadores, que, em pleno século XXI, ainda impõem suas cruéis práticas coloniais, aceitas pacificamente pelas elites colonizadas (como a brasileira), mesmo após os processos de independência, como observou Frantz Fanon em obras como “Pele negra, máscara branca” e “Os condenados da terra”.

Igualmente, para se compreender a questão da imposição cultural sobre os povos colonizados (aceita passivamente pela elite no Brasil, como se observa nos atos praticados pelo desgoverno atual, contrários ao povo e em favor do mercado financeiro), é importante destacar as pesquisas promovidas pelo grupo indiano de “Estudos da subalternidade (Subaltern studies)”, liderado pelo historiador Ranajit Guha.

Da mesma forma e bem antes que os indianos, temos os textos do precursor Antonio Gramsci, que, no início do século XX, em seus Cadernos do cárcere, tratou de questões relativas às classes ou grupos subalternos, tendo em vista a problemática observada pela diferenciação de tratamento e marginalização entre os trabalhadores do norte em relação aos camponeses do sul da Itália.

Como exemplo da subalternidade colonial no Brasil, podemos citar a manifestação do Ministro da Defesa, no dia 23 de novembro de 2016, durante a realização do seminário “Defesa: Política de Estado - Soberania, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica”, na Câmara dos Deputados, que afirmou, diante de autoridades militares e parlamentares, que a Base de Alcântara, no Maranhão, deveria ser alugada para países estrangeiros.

Tal informação, que está sendo propagada desde aquele evento, deveria ter causado perplexidade nas autoridades civis e militares presentes ao seminário, uma vez que tal manifestação constitui-se num atentado à soberania nacional.

Caso autoridades brasileiras, civis e/ou militares, estejam negociando ceder a utilização da referida Base Militar para os Estados Unidos da América do Norte ou para qualquer outra nação, sob o argumento de fazer “caixa”, por meio de um simulado contrato de locação de bem público, poderão, em tese, ser enquadradas na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83).

A Lei de Segurança prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão a integridade territorial e a soberania nacional, inclusive sendo desnecessária a consumação do delito, bastando a sua tentativa por parte do agente.

Está tipificado como crime de segurança nacional “tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país. Pena: de reclusão, de 4 a 20 anos.”

Sendo assim, não é crível que autoridades brasileiras possam manifestar ou permitir, por meio de contrato ou outra forma de acordo internacional, que em uma área de segurança, de circulação restrita e de atividades sigilosas, como é a Base de Alcântara, se possa permitir o ingresso de estrangeiros, que podem ter interesses diretos sobre o patrimônio nacional e com capacidade de intervir na segurança do país.

Com efeito, é mais grave ainda quando o país em questão (os Estados Unidos da América do Norte) tem por prática a intervenção militar e a ingerência política e econômica sobre outras nações.

Saliente-se que não é permitido o acesso de brasileiro desautorizado nas áreas das bases militares; sendo assim, como permitir que estrangeiros possam utilizar a Base de Alcântara?

A fala do Ministro da Defesa no referido seminário, realizado na Câmara dos Deputados, constitui, por si só, uma violação à Lei de Segurança Nacional.

A soberania nacional não se aluga, não se empresta nem se vende; não sendo aceitável que venham a negociar qualquer parte do território nacional (e muito menos de área estratégica e de segurança) para utilização por nação estrangeira.

Por outro lado, qualquer ato tendente a permitir a utilização da base de Alcântara por nação estrangeira também constituirá crime de responsabilidade, nos termos da Lei 1.079/50.

Esta lei prevê como delito contra a existência política da União os atos que, diretamente e por fatos, submetam a União a domínio estrangeiro, bem como revelem negócios militares, que devam ser mantidos secretos a bem da defesa da segurança externa ou dos interesses da Nação, e a celebração de tratados, convenções ou ajustes que comprometam a dignidade da Nação.

Portanto, autoridades brasileiras não podem anunciar, como está sendo divulgado pela imprensa, que pretendem alugar ou ceder a Base Militar de Alcântara para os Estados Unidos da América do Norte, ou para qualquer outra nação, uma vez que a mera manifestação neste sentido já caracteriza o crime contra a Segurança Nacional, para o qual basta a tentativa para sua tipificação; além de representar uma posição de subserviência colonial.

Por isso (já entrando nas considerações finais desta apresentação), a fim de evitarmos o continuísmo do pensamento colonialista da elite brasileira, é necessário que o povo brasileiro ocupe os espaços públicos para exigir “Eleições gerais, diretas já”.

Porém, para que o movimento não se torne mera retórica, e para respeitar a vontade geral de mais de oitenta por cento dos brasileiros, que desejam a sua realização, as eleições devem ser antecedidas (comoressaltou a coordenação deste Projeto SOS Brasil Soberano) de um pacto das forças políticas, com representatividade para garantir de forma provisória a vontade do povo, expressa nas ruas do país; pois o desgoverno Temer (apoiado somente pela elite conservadora anti-nação) perdeu toda a credibilidade e não tem condição de garantir sua continuidade.

Além disso, a fim de resgatar a soberania popular (base da fundação do Estado), deverá ser convocada uma nova Assembléia Nacional Constituinte, com participantes distintos dos que disputarem o parlamento, para fazer uma nova Constituição e refundar a República no país.

Finalmente, deve ser considerada a implantação de um tribunal constitucional, para julgar, numa justiça de transição, os delitos praticados pelos membros das instituições políticas da velha “Nova República”, que participaram, direta e indiretamente, em desmandos e atos de corrupção e que atentaram contra os interesses do povo brasileiro; garantindo-se a eles o contraditório e a ampla defesa.

Com efeito, a refundação da República, a ser estabelecida com base no respeito à soberania popular nacional e livre da dependência de outros países, é para possibilitar a construção de um novo e legítimo Estado, livre da tutela da elite brasileira, que, em situações de crises semelhantes, no passado, sempre buscou impor a sua vontade em relação ao povo, como tenta fazer ainda hoje, por meio de “acordões” para se proteger.

A sociedade brasileira – no conjunto das suas forças políticas – não pode ser tutelada nem perder a oportunidade histórica de transformar o Brasil para todos os brasileiros e levar o país ao pleno desenvolvimento social e econômico, diante das nossas potencialidades materiais e culturais.

Creio que somente assim, como estamos fazendo neste projeto, pensando o Brasil, nossa história e as características formadoras das forças políticas, é que poderemos impedir o avanço do fascismo, num país hoje tomado por grave crise moral, política, econômica e social, onde mais de 15 milhões de pessoas estão sem trabalho e sem esperança.

Agradeço a atenção de todos, até aqui.



Muito obrigado!


[1] Advogado. Professor de Ciência Política e Filosofia do Direito, na Faculdade de Direito da Universidade Cândido Mendes, capus Nova Friburgo. Doutor em Ciência Política pelo IUPERJ, mestre em Direito pela UFRJ e pós-doutorando em Ciências Sociais, no CPDA da UFRRJ.

[2] Referência ao livro “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro”, de Roberto de Matta.

[3] Hegel, em sua Filosofia da História, expõe todo o seu preconceito ao manifestar que a “mansidão e indiferença, humildade e submissão perante um crioulo, e ainda mais perante um europeu, são as principais características dos americanos do sul, e ainda custará muito até que europeus lá cheguem para incutir-lhes uma dignidade própria. A inferioridade desses indivíduos, sob todos os aspectos, até mesmo o da estatura, é fácil de se reconhecer. (...) A fraqueza do nativo americano foi a principal razão de se levar negros para a América, com o objetivo de empregar a capacidade que eles têm de trabalhar, pois os negros são muito mais receptivos à cultura europeia do que os índios.”(HEGEL, G.W.F. Filosofia da história. 2.a edição. Brasília: Editora UNB, 2008, p. 74-75, sem grifos no original).

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