Pular para o conteúdo principal

PARA ADVOGADO, ESQUERDA DEVE REAGIR NA POLÍTICA E CONFIAR MENOS NO JUDICIÁRIO





Por Veronica Couto, jornalista do Projeto SOS Brasil Soberano

Da Lava-Jato, que passou a determinar os rumos da República, à prisão do jovem Rafael Braga por levar um vidro de desinfetante na mochila durante manifestação em 2013, a política se deslocou das instâncias de representação social e foi parar bem no centro do Poder Judiciário. Para o cientista político e advogado Jorge Folena, a “judicialização da política”, com a prática recorrente de buscar o Judiciário para resolver questões políticas, engendrou o 'monstro da politização da Justiça”. “É preciso despertar o movimento social para o fato de que não será na Justiça que vamos achar a solução dos nosso problemas, mas nas ruas”, defende Folena, autor do livro “Intervenção judicial” e “Constituição rasgada – anatomia do golpe”, lançados na última semana pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ).

O “monstro” – que radicaliza o viés político-partidário da aplicação da Justiça – começou a ser alimentado a partir da Constituição de 88 no próprio campo progressista, diz Folena. Segundo ele, vários acadêmicos e pensadores da esquerda passaram a defender a tese de que os direitos deveriam ser buscados nos tribunais, utilizando o novo texto constitucional como garantia. “E nos fizeram acreditar que podíamos resolver as coisas nos tribunais, pela 'judicialização da política'; um erro nosso”, avalia o advogado. “Os partidos de esquerda foram os que mais recorreram ao Supremo Tribunal Federal, mesmo perdendo as causas seguidas vezes.”
Por exemplo, ele cita a iniciativa de Leonel Brizola de ir ao STF questionar os juros praticados no país, bem acima do limite de 12% ao ano fixado na Constituição. Na ocasião, lembra Folena, o Supremo alegou que não podia intervir nos trabalhos do Congresso. “O PT também foi muitas vezes ao STF e, de fato, o tribunal resolveu questões importantes, como na decisão sobre as cotas e políticas afirmativas ou na confirmação do direito ao casamento homossexual. Mas quando se trata dos aspectos fundamentais para a estrutura econômica e de poder, seu comportamento é outro, não se pode confiar.” Por exemplo, o advogado observa que o STF negou todos os questionamentos petistas relativos às privatizações de FHC, bem como à venda dos campos de petróleo da Petrobras.
O livro “Intervenção Judicial”, de Folena, apresenta um levantamento do total de ações levadas ao STF entre 1990 e 2013 pelo partidos políticos: a maioria das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pelo PT acontece até o ano de 2003, quando Lula assume a Presidência. A partir daí, o movimento se inverte e crescem as Adin's apresentadas pelo PSDB, com o maior número delas em 2008 (ano do chamado “mensalão”, processo que tentou crimilizar toda a cúpula petista). Mas há uma diferença chave. “Aquilo que era até então negado pelo STF, com escrúpulos de intervir no Congresso, a partir do governo petista, num movimento liderado pelo ministro Gilmar Mendes, passa a ser admitido e praticado: o STF já pode intervir”, destaca o autor. 
O momento crucial dessa guinada foi em 2007, quando se dá a mudança de entendimento do STF sobre o“mandado de injunção”. Previsto no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição, o mandado de injunção é uma ação constitucional usada em um caso concreto, individualmente ou coletivamente, com a finalidade de fazer o Judiciário avisar ao Poder Legislativo que a ausência de uma norma regulamentadora está inviabilizando o exercício de direitos e garantias constitucionais. A jurisprudência anterior entendia que não cabia ao STF substituir a vontade do legislador, sob o risco de ofender o princípio de separação dos poderes.
Mas no julgamento do mandado de injunção 708, em outubro de 2007, o STF reconheceu a demora legislativa na regulamentação do direito de greve no serviço público, e entendeu que o próprio tribunal poderia fixar um percentual mínimo de trabalhadores em serviço, superior ao previsto na lei (Lei nº 7.783/1989). “No caso concreto, o STF estaria legislando, ao fixar percentual não previsto na lei que serviu de parâmetro para assegurar o direito de greve no serviço público”, escreve Folena. “Politicamente, tal medida representou uma intervenção judiciária na atividade legislativa”. E abriu a porta para muitas outras.
O avanço indevido do Judiciário sobre o Legislativo talvez de maior impacto tenha sido no afastamento da presidenta Dilma Rousseff. A formalização do golpe juridico-parlamentar que derrubou o governo eleito, diz o advogado, começou em dezembro de 2015, quando o PCdoB vai ao STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra o rito do impeachment, alegando que o então presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), teria desrespeitado o regimento interno ao aceitar o pedido de impeachment da presidenta. “O STF concordou mas a decisão não foi uma vitória, ao contrário: ali, o Supremo passou a dizer como se faz para derrubar uma presidenta eleita que não cometeu nenhum crime, deu o roteiro completo”, diz Folena. E, quando novamente questionado, lavou as mãos, por se tratar de “interna corporis” (questão interna) do Congresso. “Agora, reconhece-se que o Temer cometeu um crime, mas que pode responder depois.”
O advogado acredita que, em vez de terem ido ao Judiciário, os partidos da base de Dilma deveriam ter feito o enfrentamento da questão no próprio parlamento – discutindo, bloqueando a pauta, promovendo represálias, enfim, fazendo politica. “As instituições repressivas do Estado – as Forças Armadas, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário têm origem aristocrática e tendem a conciliar os interesses do capital”, alerta. “Temos que resolver nossos problemas fazendo política, cada vez mais.”




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GOVERNO LULA SOB ATAQUE: a conspiração lavajatista continua

     Foto de Ricardo Stuckert Por Jorge Folena O Governo Lula ainda não completou 100 dias, não tomou qualquer medida dura contra o mercado financeiro nem conflitou com a classe dominante, porém os lacaios de sempre já disparam sua ofensiva nos meios de comunicação tradicional,  a fim de tentar domesticar o presidente.  Nesta última semana,  entre os dias 20 e 22 de março, a visita de Xi Jin Ping a Vladimir Putin deixou  definitivamente evidente a formação do mundo multipolar e o processo de declínio do império anglo-americano, que ao longo de mais de dois séculos de dominação não apresentou qualquer alternativa de esperança e paz para os povos do mundo; ao contrário, deixou um legado de guerras, destruição, humilhação e exploração. Exatamente ao final daquele encontro e diante dos preparativos para a viagem do Presidente Lula à China, o céu desabou sobre a cabeça do representante do Governo brasileiro, que está sendo atacado pelos lavajatistas plantados pelo Departamento de Justiça no

GARANTIA DA LEI E DA ORDEM: incompatível com a República

Proclamação da República, Benedito Calixto, 1893. Por Jorge Folena [1]   Em agosto de 2019, diante das pressões políticas de grupos autoritários e da tentativa de fortalecimento da extrema-direita na Alemanha, foi retomado o debate naquele país sobre “os três erros fundamentais da Constituição de Weimar”, que completava cem anos naquela oportunidade. Os três erros da mencionada constituição seriam os artigos 24, 48 e 53 que, respectivamente, previam em linhas gerais que: (a) o presidente poderia dissolver o parlamento; (b) o presidente poderia, com a ajuda das forças armadas, intervir para restabelecer a segurança e a ordem pública; e (c) a nomeação do primeiro ministro como atribuição do presidente. Como afirma  Sven Felix Kelerhoff [2] ,   essas regras eram “herança da constituição do império”, que a ordem republicana, introduzida em Weimar  em 1919, não foi capaz de superar e possibilitaram a ascensão do nazismo de Hitler, na Alemanha, a partir de 1933. Para nós no Brasil é muito im

INÍCIO DA TEMPORADA DE CAÇA AOS OPOSITORES DO GOVERNO

Caçada na floresta, Paolo Uccello, 1470  Por Jorge Folena [1]   Divirjo totalmente do governador do Estado do Rio de Janeiro, eleito em 2018 na onda da extrema direita, que empregou métodos de propagação de mentiras sistemáticas pela rede mundial de computadores, com forte evidência de abuso de poder econômico, como está sendo examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação à chapa vencedora, de forma questionável, na eleição presidencial. O governador do Rio de Janeiro não apresentou, até aqui, qualquer política pública para melhorar a vida da população pobre do Estado, mas incentivou, desde o primeiro dia de seu governo, a continuação de práticas policiais abomináveis e desumanas, tendo sugerido à polícia “mirar na cabecinha” para o abate de seres humano. Contudo, mesmo com todas as divergências contra o governador, não é possível aceitar, com passividade, o seu afastamento do cargo por decisão liminar proferida por um ministro do Superior Tribunal de Justiça; que, em verdade,