JK e Marechal Lott |
A
Constituição brasileira diz que: “As Forças Armadas (FFAA) são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se
à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer deles, da lei e da ordem.” (artigo 142)
De
acordo com a Constituição, as FFAA têm três missões: 1) a defesa da pátria; 2)
a garantia dos poderes constitucionais e 3) a preservação da garantia da lei e
da ordem (GLO), de forma excepcional.
A
propósito, não se pretende neste trabalho fazer uma análise crítica do
dispositivo constitucional acima, tendo em vista a existência de diversas
restrições a respeito do papel de garantia de poderes constitucionais e da lei
e da ordem por parte das FFAA, a representar uma indevida espécie de poder
moderador. Tais atribuições poderiam ser desempenhadas por uma força de
terceiro tipo, como a Força Nacional de Segurança ou uma Guarda Nacional, sem
expor as FFAA junto à população, em casos de eventuais excessos ou acidentes
involuntários com vida. A ideia é apenas debater os objetivos aprovados pelos
constituintes em 1988, diante do atual quadro político brasileiro.
I. Defesa da pátria
A defesa
da pátria não é a mera defesa institucional; é, sim, a defesa do povo
brasileiro, pois este é a origem e a finalidade do Estado, fundado pela vontade
geral coletiva, expressada por meio do grande pacto político, que é a Constituição.
No
Brasil fala-se muito em povo, esquecendo-se, porém, que dele emana todo poder e que seu somatório constitui a soberania
popular, base de tudo e que deve ser respeitada pela vontade da maioria, à qual
as FFAA devem fidelidade.
A
soberania popular, no Brasil, equivocadamente, fica em segundo plano perante a
soberania nacional (conceito institucional), porque o comportamento político no
país se dá de cima para baixo, sendo imposto por uma elite de formação
colonial, que se arroga o direito de tutelar indefinidamente a totalidade dos
cidadãos, a exemplo do que ocorreu na Independência e na Proclamação da
República.
Historicamente,
os militares não saem das fileiras da elite, mas das camadas mais populares, havendo
muitos exemplos de oriundos de famílias humildes que lutaram pela defesa e
transformação do país.
Porém,
quando uma presidenta, eleita pela vontade da maioria do povo brasileiro, foi
destituída do poder sem que tivesse praticado qualquer delito, violou-se a
soberania popular e colocou-se em risco a defesa da pátria, que tem no povo seu
destinatário final.
Pela
Constituição, o mais relevante papel político das FFAA é a defesa da soberania
popular, expressão do povo brasileiro. Sem esta compreensão, torna-se difícil a
defesa da pátria, que se transforma em instrumento de retórica.
Por
isso, foi bem vinda a manifestação do Comandante do Exército, General Eduardo
Villas Boas, quando, em entrevista ao Jornal Valor Econômico (de 17/02/2017)
afirmou que “hoje morrem cerca de 60 mil pessoas por ano assassinadas, cerca de
20 mil pessoas desaparecem no país por ano, 100 mulheres são estupradas por dia.”
Além disso, o General Villas Boas expressou sua preocupação de comandante, ao
constatar que as intervenções para Garantia da Lei e da Ordem nas favelas do
Rio de Janeiro não produziram resultados concretos de transformação social;
pois só a repressão à criminalidade não trará jamais a segurança transformadora,
que só pode ser alcançada pela ampla garantia de direitos sociais e pela
oportunidade de trabalho com remuneração justa.
Assim,
o comandante demonstrou um pensar e agir político em conformidade com a
finalidade maior das FFAA, que é a defesa da pátria, uma vez que o povo
brasileiro – na sua maioria formada por pobres e negros – não tem sido
correspondido nos principais objetivos da formação do Estado, que são assegurar
a paz e a harmonia social. Naquela ocasião, o general afirmou que “somos um país que está à deriva”,
traduzindo, deste modo, o sentimento geral dos brasileiros, diante de um
desgoverno que trabalha sistematicamente contra os interesses do povo.
II. Garantia dos poderes constitucionais
A
garantia dos poderes constitucionais é uma atribuição das FFAA, desde que tais
poderes (exercidos pelas instituições políticas da República - Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário) estejam em correspondência com os mandamentos da
vontade da soberania popular.
Mas
o que se tem constatado no Brasil, depois de maio de 2016, é que os três
Poderes da República se autodissolveram materialmente e funcionam apenas
formalmente, na medida em que – sem exceção – têm atuado em desacordo com a
vontade soberana do povo; e, em diversos casos, com a prática de atos de escárnio
contra o poder popular, de onde se originam.
O mandato concedido pelo povo brasileiro não autoriza os três Poderes a atuarem
contra os seus outorgantes.
Entretanto,
em pouco mais de um ano, retiraram verbas que deveriam ser direcionadas para
custear a saúde, a educação das crianças e jovens e a aposentadoria dos anciãos;
não satisfeitos, eliminaram direitos dos trabalhadores e retiraram os investimentos
em ciência e tecnologia, essenciais para a defesa da soberania; tudo isto para
atender aos interesses do mercado financeiro internacional. Tais decisões
configuram um gigantesco atentado à dignidade do país e constituem graves
delitos de lesa pátria.
Além
disso, observa-se a todo momento o compadrio entre parlamentares e juízes da
Suprema Corte e vê-se um presidente em exercício do cargo sob várias acusações
e diante de provas contundentes da prática de sérios delitos.
Então,
fica a seguinte questão política: como as FFAA podem garantir os poderes
constitucionais, que se autodissolveram materialmente? Como respeitar e
defender um presidente (chefe das FFAA) acusado e com provas demonstradas aos
olhos e ouvidos de todos, que atenta contra a probidade, fato reconhecido até
mesmo pelos parlamentares que votaram para que ele permaneça no cargo até o
final de seu mandato?
Diante
de tão graves fatos, não há como garantir nem justificar a permanência dos
atuais ocupantes dos poderes constituídos. Não me refiro aos Poderes em si, mas
aos homens e mulheres que se encontram no exercício de suas funções e atuam de
forma zombeteira em relação à Pátria e ao povo.
Desta
forma, qualquer atuação das FFAA para garantir a permanência dos atuais
ocupantes dos cargos dos Poderes Constitucionais reduz as instituições
militares ao pobre papel de guarda pretoriana, a defender os que abusam do
exercício do poder contra o povo brasileiro.
III. Lei e ordem
O
momento não é para Garantia de Lei e Ordem (GLO), manipulada por autoridades
que não respeitam o povo e estão descaradamente a serviço do capital financeiro
internacional.
Com
efeito, se existe um inimigo da Pátria brasileira, é o capital financeiro
internacional, cujo intuito é desaparelhar as FFAA e toda a comunidade científica
nacional e deixá-las sem recursos, para que não possam defender nossas riquezas
humanas, culturais e naturais (como minérios de todo tipo, reservas de água
doce, gigantesco território para a agricultura etc.).
O
inimigo a ser enfrentado pelo povo brasileiro não é interno (movimentos de
trabalhadores, mulheres, negros, índios etc), mas externo, que explora e abusa
da nossa juventude e remete grandes quantidades de drogas e armas pelas
fronteiras, portos e aeroportos e “lava” elevadas somas de dinheiro.
Nesses
locais sim deveria ocorrer uma GLO, a fim de evitar a entrada de drogas e armas,
dado o fracasso da atuação da Polícia Federal; e da mesma forma deveria ser
feito, por meio de uma ação de inteligência efetiva, o controle das
movimentações destas operações financeiras, junto ao sistema bancário. Isto
porque o dinheiro deste negócio precisa circular por algum lugar e, sendo
assim, pode e deve ser monitorado, pois é ilegal e usado para atentar contra o
país.
Fazer
GLO para intervir em favelas é abusar das FFAA, que têm por missão defender a
Pátria, e não fazer o papel de polícia. Isto é um desrespeito por parte dos
homens e mulheres que estão chefiando os poderes constituídos, que têm abusado da
nossa inteligência, ao requerer a toda hora a excepcional GLO, como se as
forças de segurança (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias
Civis, Polícias Militares e Força Nacional de Segurança) fossem complemente incapazes.
Da
mesma forma que as FFAA não devem ser vistas como inimigas do povo brasileiro, também
elas não podem considerar como inimigas as forças progressistas e nacionalistas
que lutam por um país mais justo e solidário, como o MST, as Centrais
Sindicais, os movimentos indigenistas e outros.
IV. Refundar a República
Com
efeito, não interessa à classe dominante a existência das FFAA intelectualmente
capazes e materialmente aparelhadas para defender a soberania popular.
É
importante recordar que, no governo ultraliberal de Fernando Henrique Cardoso,
as FFAA ficaram sem recursos até para a alimentação, a exemplo do que vem
fazendo Michel Temer, com o sistemático corte orçamentário para atender aos
interesses do mercado financeiro; de forma diametralmente oposta agiram os
governos de Lula e Dilma, que trataram as FFAA com respeito e dignidade e
retomaram os investimentos necessários ao seu reaparelhamento.
Sem
dúvida, o Brasil necessita desenvolver o seu programa nuclear para dissuasão de
qualquer ameaça estrangeira; reequipar o Exército com tecnologia cibernética de
ponta; investir em tecnologia aeronáutica e de lançamento de mísseis e ter uma
Marinha de Guerra com submarinos nucleares.
O enfraquecimento
do Estado brasileiro, promovido por Michel Temer, caracteriza crime contra a
segurança nacional.
Vivemos
hoje sob uma ditadura silenciosa, sem armas apontadas diretamente em nossa direção,
mas que está destruindo o país e promovendo o reaparecimento da miséria (conforme
constatado pela ONU), o retorno do trabalho infantil e a visão do abandono de
milhares de pessoas (adultos, idosos e crianças), que voltaram a dormir nas
ruas das cidades brasileiras. Tudo isto
revela o mais completo fracasso do modelo de política econômica adotado a
partir do golpe de 2016, um erro que precisa ser corrigido com urgência pela
via democrática, pois o país está marcado pela desesperança e “à deriva”, como manifestou
o Comandante do Exército, na entrevista ao Jornal Valor Econômico acima citada..
Assim,
é preciso refundar a República para que a igualdade e a transparência sejam, de
fato, uma realidade e as instituições, entre elas as FFAA, funcionem em defesa da
soberania popular.
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