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A RESISTÊNCIA NAS ENTRANHAS DA BESTA

Política não se faz com moral, como pretendem os meios de comunicação tradicionais no Brasil, os quais, em sua sanha de desconstruir um país inteiro, tentam impor um quadro de terror e desordem, como se tem visto nos últimos tempos.
Com efeito, política se faz com muita luta e resistência (Max Weber).
E é esta resistência que as forças reacionárias e golpistas não esperavam encontrar no Brasil de 2016, na medida em que, por décadas, trabalharam para despolitizar toda uma sociedade, por meio da vulgarização e do mais completo desrespeito pela cultura do povo. Os cidadãos foram (e continuam a ser) massificados, até se verem reduzidos à ausência de consciência crítica e temerosos do conceito de luta de classes, para não compreenderem que são explorados diariamente, em favor de uma pequeníssima minoria rica (Jessé Souza).
Nesse passo, grande parte da intelectualidade tem contribuído para isto, ao permitir passivamente a introdução do conceito de segmentos sociais, que serve mais para dividir do que para manter o estado de tensão necessário à luta política. (Ellen Wood)
A segmentação da sociedade (esclarecida por Gramsci, a partir da análise do americanismo e fordismo) proporciona  a divisão da classe social explorada e lhe retira a noção de luta de classes, na medida em que cada um passa a pensar apenas em si e em seus interesses individuais.
Minha pretensão não é aprofundar este tipo de análise, por ora, mas ressaltar a importância dos grupos sociais, antes isolados e segmentados que, no Brasil de 2016, diante da tentativa de criminalização do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e da tentativa injurídica de impedimento e deposição da presidenta Dilma Roussef, se unem num esforço de resistência contra as forças midiáticas e os grupos políticos oligárquicos tradicionais, que – sem proposta política para a sociedade – buscam, de forma truculenta, dar um golpe pela via institucional, que desrespeita o resultado da última eleição presidencial.
Considero que este grupo político é semelhante ao apontado por Francisco Carlos Teixeira da Silva, e que, na redemocratização  do país, a partir de 1985, buscou “uma transição tutelada, onde homens do ‘antigo regime’ reinavam como condutores da abertura  democrática”.
Os efeitos dessa transição, materializada no processo constituinte de 1987/1988, na figura do denominado “centrão”,  são percebidos até hoje nas instituições brasileiras. É o que chamo de  passado autoritário que ainda se manifesta presente, que deixa qualquer governo à mercê de pactos entre partidos de tendências ideológicas diversas e possibilita que o PMDB seja adesista a todos os governos, a partir de 15 de março de 1990.
Desde as marchas de ruas de 2013, a mídia conservadora trabalha na construção do que Ortega y Gasset denomina “homem massa” (um sujeito “esvaziado de sua própria história, sem entranhas de passado e, por isso mesmo, dócil às disciplinas internacionais”).  
Assim temos visto pelo comportamento de muitos participantes vestidos de verde e amarelo, tanto naquelas manifestações quanto em outras, que ocorreram em 2015 e 2016, contra o governo federal.
Nestes eventos populares questionou-se muito o efeito moral da corrupção, porém sem apontar com eficácia suas verdadeiras causas. Nesta parte, há um ponto incontroverso: “até o maior dos corruptos é contra a corrupção”. Por isso, tanta gente acusada criminalmente de corrupção foi vista vestindo verde e amarelo, nas mencionadas manifestações.
Grande parte dos manifestantes deposita cegamente toda a sua esperança, de um país melhor e mais justo, nas mãos da burocracia, particularmente a Judicial, cujos representantes se dizem integrantes de um movimento apartidário, mas agem de forma totalmente prejudicial à política.  
Na verdade, ao contrário do que afirmam, muitos são partidários, pois atendem a chamados de grupos organizados pela internet, com denominação e lideranças, o que é próprio de facções e partidos. Não vejo nenhum problema nisto. O preocupante é quando tais grupos defendem ideias de segregação, xenofobia, racismo e preconceito de qualquer tipo, como ideológico por ser de esquerda, por ter admiração pelos estudos de Karl Marx ou até mesmo pelo fato de uma pessoa ter o gosto pela cor vermelha.
A massa, na ignorância completa da sua própria história (Ortega y Gasset), acredita que o Poder Judiciário (o único poder de origem feudal e aristocrática) poderá limpar com suas “mãos” todos os males de um país, que, ao contrário do que propaga a mídia tradicional, finalmente avançou no campo social e econômico, mesmo diante da brutal crise mundial do capitalismo, que está em curso desde 2008.
É importante dizer que o Poder Judiciário não é o local apropriado para disputas políticas. Estas devem se dar nos embates de ideias nos espaços públicos, no parlamento e nos governos; os juízes, quando muito, podem servir como força auxiliar para se alcançar a conciliação e tentar estabelecer o equilíbrio das forças políticas e sociais.
Mas jamais podem servir de instrumento de politização, como se tem visto com frequência por parte de certos magistrados, hipnotizados pelos holofotes das câmeras e movidos por uma falsa crença de que podem reformar um país ainda com uma estrutura coronelista, que começou a ser vencida nos últimos anos. Com certeza, esta é a senha para a tentativa do retrocesso.
Aliás, Alex Tocqueville diz que juízes jamais são bons políticos. Por esta razão, não deveriam se pronunciar publicamente contra ou a favor de ninguém, pois o exercício da função exige imparcialidade e equilíbrio.
Os meios de comunicação tanto instigaram as multidões que se pode afirmar que, no atual momento, perderam o controle sobre elas. Tanto é assim que políticos tradicionais, que acreditavam ser apoiados pelas massas, foram expulsos da marcha do dia 13 de março de 2016, em São Paulo, sob xingamentos de “ladrão”, “corrupto” etc.
Depois da revelação da lista da construtora Odebrecht, em 23/03/2016, outros políticos conservadores e reacionários foram igualmente hostilizados por todo o país.
Diante da divulgação da referida lista, fica totalmente prejudicada qualquer tentativa de processamento do pedido de impeachment da presidenta da República (que não cometeu delito de qualquer natureza, seja contra a Constituição ou previsto no código penal), perante uma legislatura totalmente desmoralizada e desgastada.
A mesma hostilidade poderá se voltar, em breve, contra a própria mídia tradicional e seus escribas, e também contra o juiz,  eleito para ser o salvador da pátria, que interceptou ilegalmente os telefones do Palácio do Planalto e, como ele mesmo confessou, vazou o conteúdo da referida interceptação telefônica para os grupos de mídia que lhe dão cobertura.
Uma pergunta que não quer calar: que interesse tem o Poder Judiciário em fazer chegar ao conhecimento da sociedade a lista dos políticos que receberam dinheiro da construtora, sendo que na lista não estão os nomes da presidenta Dilma nem do ex-presidente Lula, mas de todos os outros importantes políticos defensores do golpe institucional?
Gabriel Tarde afirma que “as multidões políticas, urbanas em sua maior parte, são as mais apaixonadas e furiosas: versáteis, por sorte,  passam da execração à adoração, de um acesso de cólera a um acesso de alegria, com extrema facilidade.”
Ou seja, o que hoje vale para um lado, poderá ser revertido em breve, uma vez que a resistência contra o golpe torna-se cada dia maior e acontece em vários setores da sociedade, como bem se viu na manifestação da cineasta Anna Muylaert, ao receber o prêmio concedido pelo Jornal O Globo (que integra o oligopólio das Organizações Globo), na noite de 23 de março de 2016, quando lembrou publicamente que, no Brasil de hoje, os filhos dos pobres passaram a estudar nas universidades brasileiras e, por isso, dedicava o troféu recebido ao ex-presidente Lula e à presidenta Dilma.
Ou seja, existe resistência, organizada ou não; a resistência está nas ruas, praças, nas universidades, escolas, sindicatos, favelas etc. A grande besta jamais poderia imaginar que encontraria resistência e, muito menos, que fosse manifestada dentro do seu intestino, como fez Anna Muylaert na noite de 23 de março.
Com efeito, é esta resistência política diária, que se espalha país afora, que faz surgir uma potência tão forte e contagiante que neutraliza o cheiro de enxofre e estabelece o equilíbrio de forças, tão necessário na política e que, mesmo com todas as tentativas de cambalhotas jurídicas, irá barrar o descabido e despropositado pedido de impedimento da presidenta da República, eleita pela vontade da maioria do povo brasileiro e que, como já dito, não tem contra si qualquer acusação de corrupção ou de prática de qualquer delito que seja, opostamente aos seus adversários!  
A única e risível acusação que recai sobre a presidenta da República é ter utilizado o dinheiro emprestado pelos bancos  públicos para pagar o bolsa família. Esclareça-se que o empréstimo foi quitado e que o expediente contábil, retoricamente chamado de “pedalada fiscal”, explorado pela mídia para confundir a população, sempre foi utilizado por todos os governos anteriores.
Ao contrário do que pretendiam, os meios de comunicação social colaboraram para politizar e mobilizar o país, que se apresenta na defesa da democracia e pela restauração do estado de direito, rompido por atos de alguns integrantes do Poder Judiciário, sob o patrocínio da mídia.
Hoje o mundo inteiro sabe que, no Brasil, existem golpistas que trabalham contra o desenvolvimento do seu próprio país e de sua gente sofrida, cujos filhos jamais serão servos, como no passado foram seus pais; porque a esperança tem vindo dos subúrbios e periferias, onde se “pensa com os pés” uma realidade distinta daquela das varandas dos edifícios de apartamentos, cercados de grades por todos os lados.
  
Bibliografia:

FOLENA DE OLIVEIRA. Jorge Rubem. Do conflito ao equilíbrio: política, Judiciário e audiência públicas. Rio de Janeiro: Pachamama, 2016.
FOLENA DE OLIVEIRA. Jorge Rubem. Poder Judiciário e as ditaduras brasileiras. Rio de Janeiro: ARC Editor, 2015.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Vol. 4. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileira, 2015.
ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. Lisboa: Relógio D’Água, S.d.
SOUZA, Jessé. A tolice de inteligência brasileira. São Paulo: Leya, 2015.
TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, p. 2005.
TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. A anistia, o STF, Amarildo e dona Cláudia Ferreira: elos da história! Rio de Janeiro: (S.d), mesa redonda realizada não no Arquivo Nacional, 18 set. 2015.
TOCQUEVILLE. Alex. Lembranças de 1848. As jornadas revolucionárias em Paris. São Paulo: Companhias das L          etras, 2011.
WEBER, Max. Escritos políticos, parlamento e governo na Alemanha reorganizada. São Paulo: WMP Martins Fontes, 2014.

WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra capitalismo a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Bointempo, 2011.

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