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O PRINCÍPE DE MAQUIÁVEL: UMA LEITURA PARA CRISE POLÍTICA

A calúnia, de Botticelli.

A autonomia política, na obra O Príncipe, está relacionada diretamente à ação do governante, de modo que se deve considerar como objetivo da política a manutenção da estabilidade social e do governo a qualquer custo, mesmo que para isto seja necessário o uso da força extrema, que, segundo o autor, deve ser empregada de maneira virtuosa.
Nesse ponto, deve-se realçar a importância da virtude do governante para manter o poder e salvar o Estado, no que for preciso. A fortuna e o acaso, por si só, não são suficientes para conquistar o poder, como ressaltou Maquiavel, sendo necessário que o governante disponha em sua formação de valores como eficiência, astúcia e prudência para se manter o reino.
Para tanto,  na ação política considera-se válido o emprego de práticas consideradas até cruéis  para sustentar o governo,  como diz Maquiavel sobre a conduta política de César Borja: “Portanto, se julgas necessário, num principado novo, assegurar-te contra os inimigos, conquistar amigos ou pela força ou pela astúcia, fazer-te amado e temido do povo, ser seguido e respeitado pelos soldados, extinguir os que podem ou devem ofender, renovar as antigas instituições por novas leis, ser severo e grato, magnânimo e liberar, dissolver a milícia infiel, criar uma nova, manter a amizade dos reis e dos príncipes, de modo que te sejam solícitos no benefício e tementes de ofender-te, repito que não encontrarás melhores exemplos do que nas ações do duque (César Borja)” (Os Pensadores, Abril Cultura: SP, 1991, p. 32)
Ou seja, “... o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois um príncipe, vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos ...” (obra citada, p. 75)
Entretanto, em razão desta assertiva o pensamento de Maquiavel tem sido mal interpretado por alguns, que o questionam por enxergar ali a ruptura do conteúdo ético e moral que permeia a cultura ocidental cristão.
Com efeito, tal crítica se constitui num grave equívoco na análise do pensamento de Maquiavel, diante da autonomia de governo exposta na obra “O Príncipe”, porque certos atos políticos, considerados necessários para a manutenção do governo, muitas vezes exigem o rompimento com ideias tradicionais de conteúdo moral, a fim de assegurar o bem público proposto pelo governo.
A esse respeito, Robert Chisholm manifesta que “... uma leitura cuidadosa de O Príncipe em si revela uma preocupação que transcende a busca do ganho pessoal ou mesmo da glória – em parte, porque a glória de um príncipe é o reflexo de seu legado e também de suas ações pessoais. Na realidade, há uma ética política exposta por Maquiavel que não apenas  reconcilia O Príncipe e os Discursos, mas que impede que o primeiro caia na simples maldade ou no oportunismo político.” (A Ética Feroz de Nicolau Maquiavel, p. 52, sem grifos no original)
Nesse sentido, Francisco Weffort diz que para Maquiavel “não cabe nesta imagem a ideia da virtude cristã que prega uma bondade angelical alcançada pela libertação das tentações terrenas, sempre à espera de recompensas no céu. Ao contrário, o poder, a honra e a glória, típicas tentações mundanas, são bens perseguidos e valorizados. O homem de virtude pode consegui-los e por eles luta” (Os Clássicos da Política, pag. 22).
Portanto, na ação política proposta por Maquiavel, a efetivação da autonomia e da manutenção do governo devem ser perseguidas a qualquer custo, inclusive pondo de lado preceitos de conteúdo moral, sendo certo que a conduta do governante deve ser provida de eficiência, astúcia e prudência, a fim de alcançar a estabilidade social e a sustentação de governo, mesmo que para isto seja necessário o emprego da força.


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