Pular para o conteúdo principal

Imposto de renda dos aposentados: um debate para reforma tributária

A Corte Constitucional da Nação Argentina deu uma excepcional demonstração de respeito à dignidade da pessoa humana, ao excluir da tributação do imposto de renda os trabalhadores que, no passado, contribuíram para o desenvolvimento do país.


No Brasil, os proventos recebidos por aposentados e pensionistas são considerados como “aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica” para fins do fato gerador do pagamento do imposto de renda (artigo 43, II, do Código Tributário Nacional).
A Constituição diz que a União pode instituir imposto sobre “renda e proventos de qualquer natureza” (artigo 153, I). Contudo, a mesma Constituição, em seu artigo 145, § 1º, prevê que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”.
Com efeito, um debate justo é necessário para definir se os salários e os proventos, recebidos por trabalhadores ativos e inativos, deveriam ser considerados como “renda” para fins de tributação. Isto porque, em geral, não constituem nenhum acréscimo patrimonial efetivo, mas representam tão somente a remuneração pela prestação da força de trabalho, que, na grande maioria das vezes e principalmente nos dias atuais, não é suficiente para cobrir as necessidades fundamentais dos trabalhadores e de suas famílias durante todo o mês.
Por outro lado, desde 1996 o país optou por não cobrar imposto de renda sobre a distribuição de lucro (lei 9.249/95, artigo 10), o que favorece aos banqueiros, cujos bancos anualmente batem recorde de aumento em sua lucratividade. Neste ponto, não se questiona aqui a isenção para os micros, pequenos e médios empresários optantes do simples (lei complementar 123/06, artigo 14), que lutam para sobreviver, numa sociedade cada vez mais informal nas relações de trabalho, que empurra as pessoas para o regime de “pejotização” para que tenham acesso a renda e serviços para sobreviverem.
Mas não são estes os pontos que se pretende ora questionar, mas sim o anúncio de que a Corte Suprema da Nação Argentina declarou a inconstitucionalidade da cobrança do imposto de renda sobre os proventos pagos aos aposentados, o que fez no julgamento dos processos FPA 2138/2017/CS1-CA1 e FPA 2138/2017/2/RH1 (Godoy, Ramón Esteban c. AFIP S/ Acción meramente declarativa de inconstitucionalidad).
A Corte Argentina entendeu que os aposentados devem ser considerados como “vulneráveis”, diante das necessidades reais decorrentes do envelhecimento. Sem dúvida, a maioria das pessoas aposentadas são acometidas por doenças que as levam a ter gastos elevados com medicamentos. Tais circunstâncias, associadas a não recomposição das aposentadorias diante da escalada inflacionária, comprometem a existência e qualidade de vida dos aposentados e pensionistas, no momento em que deveriam estar desfrutando dos anos de trabalho e contribuição para o desenvolvimento da sociedade.
A cobrança de imposto de renda sobre proventos de aposentados e pensionistas (e também a de contribuições previdenciárias, com base no princípio da solidariedade, como considerou o STF brasileiro no julgamento das contribuições previdenciárias dos servidores públicos) traz ao debate o princípio da capacidade contributiva (econômica), uma vez que os aposentados e pensionistas, na sua grande maioria, têm os proventos comprometidos de tal forma com a simples manutenção de suas vidas, com elevados gastos com medicamentos e tratamentos médicos, que têm prejudicada a qualidade de vida e até mesmo a sua sobrevivência; não devendo ficar limitada a isenção de imposto de renda apenas, para os aposentados com mais de 65 anos de idade, até o limite de R$ 1.903,86 (como definido no artigo 6o, XV, alínea “i”, da lei 7.713/88, com alteração dada pela lei 13.149/15) e para os aposentados portadores de doenças graves (artigo 6o, XIV, da lei 7.713/88). 
Por tal razão, a Corte Constitucional da Nação Argentina deu uma excepcional demonstração de respeito à dignidade da pessoa humana, ao excluir da tributação do imposto de renda os trabalhadores que, no passado, contribuíram para o desenvolvimento do país; devendo ser reacendido este questionamento na reforma tributária em curso na Câmara dos Deputados, que deve indagar por que trabalhadores na terceira idade são obrigados a pagar imposto de renda, enquanto banqueiros (cada vez mais ricos) estão isentos da tributação na distribuição de lucro que recebem de suas empresas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GOVERNO LULA SOB ATAQUE: a conspiração lavajatista continua

     Foto de Ricardo Stuckert Por Jorge Folena O Governo Lula ainda não completou 100 dias, não tomou qualquer medida dura contra o mercado financeiro nem conflitou com a classe dominante, porém os lacaios de sempre já disparam sua ofensiva nos meios de comunicação tradicional,  a fim de tentar domesticar o presidente.  Nesta última semana,  entre os dias 20 e 22 de março, a visita de Xi Jin Ping a Vladimir Putin deixou  definitivamente evidente a formação do mundo multipolar e o processo de declínio do império anglo-americano, que ao longo de mais de dois séculos de dominação não apresentou qualquer alternativa de esperança e paz para os povos do mundo; ao contrário, deixou um legado de guerras, destruição, humilhação e exploração. Exatamente ao final daquele encontro e diante dos preparativos para a viagem do Presidente Lula à China, o céu desabou sobre a cabeça do representante do Governo brasileiro, que está sendo atacado pelos lavajatistas plantados pelo Departamento de Justiça no

GARANTIA DA LEI E DA ORDEM: incompatível com a República

Proclamação da República, Benedito Calixto, 1893. Por Jorge Folena [1]   Em agosto de 2019, diante das pressões políticas de grupos autoritários e da tentativa de fortalecimento da extrema-direita na Alemanha, foi retomado o debate naquele país sobre “os três erros fundamentais da Constituição de Weimar”, que completava cem anos naquela oportunidade. Os três erros da mencionada constituição seriam os artigos 24, 48 e 53 que, respectivamente, previam em linhas gerais que: (a) o presidente poderia dissolver o parlamento; (b) o presidente poderia, com a ajuda das forças armadas, intervir para restabelecer a segurança e a ordem pública; e (c) a nomeação do primeiro ministro como atribuição do presidente. Como afirma  Sven Felix Kelerhoff [2] ,   essas regras eram “herança da constituição do império”, que a ordem republicana, introduzida em Weimar  em 1919, não foi capaz de superar e possibilitaram a ascensão do nazismo de Hitler, na Alemanha, a partir de 1933. Para nós no Brasil é muito im

INÍCIO DA TEMPORADA DE CAÇA AOS OPOSITORES DO GOVERNO

Caçada na floresta, Paolo Uccello, 1470  Por Jorge Folena [1]   Divirjo totalmente do governador do Estado do Rio de Janeiro, eleito em 2018 na onda da extrema direita, que empregou métodos de propagação de mentiras sistemáticas pela rede mundial de computadores, com forte evidência de abuso de poder econômico, como está sendo examinado pelo Tribunal Superior Eleitoral em relação à chapa vencedora, de forma questionável, na eleição presidencial. O governador do Rio de Janeiro não apresentou, até aqui, qualquer política pública para melhorar a vida da população pobre do Estado, mas incentivou, desde o primeiro dia de seu governo, a continuação de práticas policiais abomináveis e desumanas, tendo sugerido à polícia “mirar na cabecinha” para o abate de seres humano. Contudo, mesmo com todas as divergências contra o governador, não é possível aceitar, com passividade, o seu afastamento do cargo por decisão liminar proferida por um ministro do Superior Tribunal de Justiça; que, em verdade,