Por Sérgio
Muylaert*
“As convicções são maiores inimigas da verdade que as
mentiras. Nietzsche.”
O
diário de bordo do atual presidente da República nunca foi dos mais
translúcidos nem promissores. Dele, a legenda política não guarda relação alguma
com o histórico de um “doutor Ulysses”. A prova está nesse grande envolvimento da
gestão, enviesada por fracassos e vacilações. Não traz surpresas. Apenas, reforça
a gradação da mega tarefa em seus aspectos exteriores. Além da inclusão de colecionadores
de processos criminais instalados nos gabinetes,que seguem na “continuidade
delitiva”.
De mais
a mais, esse legado histórico resume, sem exageros, a tragédia da cassação do
direito, popular e soberano, do voto em 2016, no jogo ostensivo de poder,com
recorte neoliberal, que responde pelo modo lumpen de estar no mundo,das
categorias sociais de menor padrão econômico. Enquanto isso acontece, para
perplexidade do mundo e para reversão das metas programáticas de políticas
econômicas, de 2010 para cá, desvios inimagináveis,orquestrados por um grupo
facinoroso, de sicários do Estado democrático de direito, deitam fora do cargo
de Chefe da Nação, a Presidenta, eleita com 54.501.118 de votantes (51,64%).
O
processo de interdição da Presidenta da Republica concentra, sem dúvidas, o
oportunismo flagrante dos politicamente derrotados em 2014 e o que, hoje, se
constata, em síntese, é o estado de exceção para conter os níveis absurdos da
violência no campo e nas cidades brasileiras.O país toma
rumo cada vez mais perigoso e traiçoeiro, de sentido pérfido e covarde, mercê
da obediência cega ao Congresso Nacional. E, por este voluntarismo,oposicionista
e às avessas, a la 2016, os
antagonismos aguçam a falta de imparcialidade do próprio judiciário, em
contrariedade ao estado de direito plural.
Diante
de tudo a megaoperação anticorrupção em nada contribui. Pelo contrário, ao bifar
informações privilegiadas do Estado e ao penetrar a trama, sorrateiramente, o
vice (lugar-tenente) esguedelhou a ordem natural das coisas republicanas.O que vem
esclarecer o golpe branco de 2016 é o instintivo dom conspiratório de desmontar um projeto
nacional ousado pela acumulação de forças em nome da economia popular.
2- Michel
Miguel Elias Temer Lulia, na obsessiva postura transformista e conservadora de
um Nosferatu, deixa a condição de Vice-Presidente da República, obediente a voz
do dono, para a assumir obsequiosa partilha do serviço prometido, como bem
lembra Tereza Cruvinel, em 14/5/17, no artigo O jogo endurece. De outra banda, na coluna FSP 29/6/17, Jânio de
Freitas, não faz menos em descrever o desalento da sociedade com o seu país.
Sem embargo – como bem conhece o jornalista - Temer segue bem escorado por
privilégios, na liturgia da titularidade do cargo ocupado desde agosto de 2016.
Interessante
observar que as emendas constitucionais trabalhista e previdenciária, vistas
por alguns como peças-chave, nos estratagemas, por serem duas falácias, não
convencem. A segunda, por inspirar sentido de falsidade e estelionato, deverá
ser objeto de ação penal por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, não
obstante o pedido de impeachment, de êxito duvidoso.
Evidenciam-se
os estragos das políticas públicas econômicas, com as manobras surradas do
velho direito liberal, a reluzirem interpretações argumentativas, rumo a
precarização.Refestela-se dessa forma o pensamento duro e anacrônico do Congresso
Nacional, conforme intuiu o barão deMontesquieu(1689 -1755) no“Espírito das
Leis”, entre a democracia e a monarquia,ao frisar nesta última um tremendo simulacro
dos deuses,por onde quem julga as leis se julga acima das leis. Afinal de
contas, a oportunidade, também, vale para lembrar Millôr Fernandes quando expressava
em tom de humor: “Isto sim é um Congresso eficiente! Ele mesmo rouba, ele mesmo
investiga, ele mesmo absolve”.
3- Embora
não seja o intento do sapateiro ir além das chinelas (ne sutor supra crepidam) convém atinar para este jogo dos
interesses marcados, fruto da decrepitude da política nacional e alguns dos
efeitos sobre as instituições republicanas.Quem vende? Quem compra? O Partido político
no poder ou seus membros individualmente? O cacoete é despido de qualquer ética
pública. Acautela-se no trono o gestor de negócios para exclusivos propósitos de
seus “acionistas” e dos que o cercam como aqueles que o retribuem.
4 - Do
fanatismo a barbárie, afirmou o iluminista Denis Diderot (1713 – 1784) só se
mede um passo.
Ante a
prova de seletividade indescritível desses mandarinato se dos saqueios, por eles
cometidos, o dever é repelir a intransigência moralizadora como o fez o emérito
professor Bresser-Pereira (FSP, 3/7/17) em primoroso artigo Moralidade a qualquer custo? ao explicar que
o farisaísmo é sempre um tranquilizador
perpétuo da consciência.
No topo
desta realidade vivenciamos o retrato da tragédia em carne e osso. Dizemo-lo
sob o foco das estatísticas oficiais, com o sacrifício do sangue precioso dos
quatorze milhões e trezentos mil desempregados (13,7% da população ativa
economicamente ativa), e com o déficit público na ordem de onze milhões de
Reais, comparativo ao índice de 2001. Ao mesmo tempo, a rejeição ao atual
modelo acima de 90% da opinião. Imagine-se,a configuração do poder público, constituído
desta malta, autêntica súcia, de coligação indigna de hóspedes indesejáveis, a
assumir cargos em nome da anticorrupção?!
Assim, ao
decretarem a rodo, o estado de exceção, a censura, e outras formas de aprisionamento e
intimidação dos sem-teto, sem-terra, e dos que vivem nas favelas, nos guetos e senzalas e
ao amordaçaremos acampados, as baronias podem recompor os versos de um Olavo
Guimarães Bilac, em A pátria: Criança, não verás nenhum país como este!
5- Na obra
sobre o incêndio de Lisboa,o escritor José Saramago recordava que em seu país,
uns não demitem e outros não são demitidos.
É bem outra
a verdade em que Ministro do STF,o matraqueador do judiciário, insiste aoretrucar,aqui
e ali, os delírios totalitários e surtos dos membros do MPF. Presidente atual da
Suprema Corte, lembrava,em 08/09/2016: “O escárnio venceu o cinismo”.Com
efeito, devemos intuir que o golpe branco, de 2016, para os brasileiros,tenha
gerado a caixa de Pandora.Da mesma maneira podemos lembrar o dito por Bertold Brech: as maldades quando se multiplicam se tornam
invisíveis.
6- Por ora,
a penetrante denúncia da PGR pode interromper os avanços da descompostura,empreendidos
pelos delinquentes que prosseguem com enorme apetite e potencialidade lesiva contra
a ordem do Estado Democrático. Com a denúncia nº 162339/2017/GTLJ-PGR Inquérito
n. 4.483/DF, ao fazer tábula rasa dos artigos 317 (corrupção passiva), 332
((tráfico de influência) e 359,o capítulo da exploração de prestígio ergue
imputações escabrosas, para conhecimento do Relator: Ministro Edson Fachin –
PLENO STF, frente aos representantes máximos das instituições republicanas.
Leia-se:
"Entre
os meses de março a abril de 2017, com vontade livre e consciente, o Presidente
da República Michel Miguel Temer Lulia, valendo-se de sua condição de chefe do
Poder Executivo e liderança política nacional, recebeu para si, em unidade de
desígnios e por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida
de R$ 500.000 ofertada por Joesley Batista, presidente da sociedade empresária
J&F Investimentos S.A., cujo pagamento foi realizado pelo executivo da
J&F Ricardo Saud". Segundo o procurador-geral, os pagamentos poderiam
chegar ao patamar de R$ 38 milhões ao longo de 9 meses.
Em bom
momento caberia aos poderes republicanos invocar a pudicícia exigida pelas
sacerdotisas para a Casa das Vestais e para o Colégio dos Pontífices. Caberia a
declaração dos oráculos pelos Livros Sibilinos, do Senatus Populos que Romanus
(SPQR) para o triunfo de Cesar.
Além da
condenação por corrupção passiva, o Procurador-Geral pede reparação dos danos
transindividuais causados, no valor mínimo equivalente a R$ 10 milhões para
Michel Temer e R$ 2 milhões para o apressado homenzinho da mala, Rodrigo
Loures, já que os prejuízos decorrentes da corrupção são difusos, sendo
dificilmente quantificados. Pede também a perda da função pública para os
detentores de cargo, emprego público ou mandato eletivo, por terem violado seus
deveres para com o Estado e a sociedade.
7- Com
efeito, o conjunto da obra, em desacordo com a bula, segue as tiranias e
ordenanças oligárquicas das elites locais, onde, aliás, a natureza (está)
perpetuamente em festa, como dissera Bilac, em seu inconfundível parnasianismo.
Bom é recordar,
porém, que o juiz – ao interpretar as normas legais - se encontra com o problema
da concreção dessas mesmas normas no sentido de aplicá-las ao caso concreto.
Por essa razão, em conformidade com o pensamento jurídico contemporâneo, se faz
imprescindível uma teoria da argumentação jurídica a qual juntamente com a
decisão integram os elementos essenciais da atuação judicial. (Kaufmann e
Hassemer, El Pensamiento Jurídico Contemporáneo,1992. págs. 400 e 401 –
Editorial Debate)
Em face
destes preceitos, as decisões têm que ser fundamentadas e precedidas de uma argumentação.
Mesmo por se tratar de julgamento político (Congresso Nacional) regras existem
para garantir a integridade dos argumentos de modo que a arbitrariedade seja
excluída.Os articuladores do golpe de agosto, em 2016, desfecharam um levante a
que na falta de outro nome denominaram impeachment. Nada obstante, o povo terá
sabido embarcar noutra galé,em 24 de maio de 2017,para o seu recado se opondo ao
sistema de concessões brutais como o gangsterismo internacional sempre se
beneficia dos povos e nações inferiores.
8- Mesmo que
se alastrem acampamentos e diásporas no território nacional ainda não terá o
país se rendido as idiossincrasias de algum mascate subalterno porquanto existe
o corpo jurídico para regular uma ordem econômica sob a qual a sociedade se
equilibra e os fatores que lhe posicionam este direito de manifestação é oque se
chama Mercado, com os arts. 219, parágrafo único, 219 A, 219 B e parágrafos 1°
e 2°, da Constituição Federal. Só nos resta apurar o pensamento com a sabedoria
de Rui: mais que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter
lutado.
(*) SÉRGIO
MUYLAERT
O autor
é advogado em Brasília, pós-graduado em Direito Econômico pela UFRJ, membro
efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.
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