Por FRANCISCO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA
Professor titular de história moderna e contemporânea da UFRJ e do CPDA da UFRRJ
Muitos brasileiros tinham esperança,
ou ao menos expectativas, na atuação da Justiça. Mesmo sabendo que os tribunais
brasileiros são lentos, formais e que se expressam num leguleio que poucos
entendem – mesmo assim! – esses brasileiros tinham esperanças. Não podíamos
crer, materializar, o dito antigo de que a Justiça no Brasil é feita – E com
dureza! – apenas para ladrão de galinhas. “Para os amigos tudo, para os
inimigos a Lei!”. Nem muito menos
podíamos imaginar que seria através de tribunais brasileiros que interesses
estrangeiros declarariam guerra ao Brasil.
Uma guerra de novo tipo: uma guerra
sem guerra, ou seja, uma guerra que usa meios não bélicos para destruir,
solapar, aniquilar a capacidade do adversário. Assim, utilizando-se de modernos
meios tecnológicos – mídias digitais, propaganda massiva, formação de quadros
de elite em universidades estrangerias, sistemas de estágios e bolsas de
estudos em centros de treinamentos, etc... Arma-se uma elite para atuar a
serviço, consciente ou inconscientemente, desse poder estrangeiro.
O Brasil não seria o primeiro alvo.
Na verdade Ucrânia, Líbia, Egito, Tunísia, Síria, Geórgia e Turquia foram alvos
anteriores desse modelo novo de guerra – uma guerra que não precisava recorrer
aos custosos meios tradicionais de luta com canhões, bombardeios e destruição
de cidades. Podia-se fazer a guerra à bem dizer... sem guerra. Por outros
meios. Não era exatamente uma “guerra hibrida” ainda. A guerra híbrida
misturaria meios novos e meios tradicionais. Por enquanto, nas chamadas
“primaveras”, a guerra seria “sem guerra”.
Para funcionar a “guerra sem guerra”
precisa-se conhecer bem o ponto fraco do inimigo. No caso brasileiro foi fácil:
homens do talho de Victor Nunes Leal e Raymundo Faoro já apontavam para a chaga
aberta do país – o caráter patrimonial do Estado brasileiro. O patrimonialismo,
no perfeito conceito de Max Weber, permitiu que uma elite parasitária
colonizasse o Estado e cooptasse tudo e todos que se apresentem como “o novo”,
“o transformador”, “o renovador”. Trata-se do velho “transformismo” das elites,
e de seu poder de cooptação, tão bem descrito por Jorge Amado em seu personagem
“Doutor Mundinho”, de “Gabriela, cravo e canela”.
Cabia, posto, utilizar-se dos males propiciados
pela elite corrompida do país como brecha para iniciar o ataque à soberania
nacional. O interessante é que tal ataque a nossa soberania seria feita pela
parcela, aparentemente, não corrompida dessa mesma elite. Estrangeirada,
imbuída do élan “renovador”, tal elite embora inteiramente colonizada, vestida,
como no dizer de Frantz Fanon, com a máscara do colonizador para impor ao seu
próprio povo um modelo importado e alienado.
A elite “renovadora”, capacitada
em centros estrangeiros, em nome de uma pureza que só o “Outro perfeito”, “o
estrangeiro”, “o espelho” em devemos nos mirar e, assim, deixar de ser o que
somos para ser a cópia mascarada do “Outro” colonizador, renega sua própria
gente, sua história e suas tradições.
Com tudo isso destrói as bases da
própria soberania nacional.
A Operação Lava-Jato abriu, sim, para
muitos, a esperança que as coisas mudariam, que o patrimonialismo de mais de quatro
séculos seria arrancado pelas raízes e que o país seria “passado a limpo” –
mas, infelizmente, só miravam no espelho do Outro, do estrangeiro. Depois de
seus cursos e estágios no exterior se sentiam prontos para a hercúlea tarefa de
“limpar” o Estado brasileiro, tomando a tarefa como “missão”, tarefa. De
qualquer ponto que puxassem o fio viria o novelo de pecados da história pátria:
propinas, sinecuras, prebendas, filhotismo, estelionato, favoritismo, peculato,
e tanto mais... Contra uma “história feia”, a nossa, a da própria pátria,
considerada viciosa, apunham a história virtuosa d”Outro”, sem saber que a
história desse “Outro” é uma pura construção mítica, ideológica, benzida na pia
da religião.
Incultos na sua erudição tomaram o
mito d´Outro como história.
Iniciaram-se, então, os procedimentos
jurídicos, o flanco da “guerra sem guerra”, a primavero do Brasil: afinal
poderosos iriam para prisão. E realmente foram. Foram mesmo? Bem, Eduardo Cunha
– uma unanimidade nacional, uma espécie de “meu malvado predileto” da Nação -
mas, só depois que cumpriu seu papel, o de defenestrar Dilma Rousseff do seu
cargo via acusações que seriam nos meses seguintes “fichinha”, “crime” de
freira de colégio interno, face ao chorume a vazar do Congresso Nacional nos
meses seguintes ao seu impeachment.
Bom, prendeu-se Cunha com seu aspecto
melífluo, sua voz dissimulada e suas mãos felinas e seu cabelo oleoso e com aparência
de caspa severa – está lá! Condenado a 15 anos de prisão! No entanto, sua
esposa – uma jornalista de grande experiência foi considerada inocente, pois
não sabia de onde caia o dinheiro no seu generoso cartão de crédito... Há quem
mais? Ah, não... Esse está livre; este outro... Fez delação e foi solto; aquele...
hum, foi liberado e.... acolá outrem
está em prisão domiciliar.
O próprio Cunha é personagem central
de tramas noturnas da República e continua sendo personagem central no “esquema”
( ou será “organização”, um sinônimo talvez de “quadrilha” ) que sustenta com
propinas e malas cheias o presidente em exercício. Portanto, é, em verdade, um
homem mais livre que a maioria dos 204 milhões de brasileiros que não
escolherem seu presidente e com passes de equilibrista esticam seus salários
até o mês seguinte!
Ah, temos sim um prisioneiro da
Lava-Jato: o Almirante Othon Silva, condenado a 43 anos de reclusão. Um homem
que prestou inúmeros serviços à Pátria, que enfrentou terríveis forças
internacionais para dotar o país de uma tecnologia única e avançada, resistindo
heroicamente às pressões ocultas de grandes potências. Envergonhado, após a
prisão, tentou o suicídio. Mostra caráter! Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, qual
outro político escreveu sequer uma linha de arrependimento? Nada!
Muito pelo contrário continuam, com
recursos escusos, conspirando contra a ordem constitucional da República. No
entanto o tribunal entendeu que o homem que dotou o país de alta e exclusiva
tecnologia de ponta, um saber estratégico para a Nação, merecia uma pena 3.7
vezes superior ao mago do mal que presidiu o Congresso Nacional, o senhor
Eduardo Cunha. Decidiu-se punir um Almirante muito mais do que quaisquer um dos
malfeitores que roubam não só o dinheiro, mas principalmente o bem maior do
povo, roubam o voto dos cidadãos.
Temos, contudo, como explicar mais
esse paradoxo: como permitir que um país com tantas riquezas como o Brasil
pudesse se dotar de uma tecnologia nuclear autônoma? Tinha-se que exemplificar
em alguém o castigo para parar, deter e nunca mais permitir a ousadia de uma
mera colônia neo-extrativista de ser, de fato, um país verdadeiramente
soberano.
Como se não bastasse o mesmo
tribunal, aliado a governos estrangeiros, condenam as empresas brasileiras.
Isso mesmo, as empresas. Não condenam apenas os executivos responsáveis pelos
atos de corrupção, condenam as empresas. Ou seja, em vez de julgar “CPFs”, o
tribunal julga “CNPJs”. Condenado as empresas, com multas bilionárias a serem
pagas a governos estrangeiros, conseguem gerar desemprego massivo, destruição
de postos de trabalho, extinção de modernas tecnologias, subdesenvolvimento e a
retirada do Brasil de mercados duramente conquistados. E os executivos? Bem,
esses são “premiados” e vão para casa! Uma tornozeleira aqui, outra ali; uma
retenção de passaporte de um e de outro não... e para outros nenhuma punição!
Ou seja, as empresas, os “CNPJs”, são condenadas, caminham para extinção, o
desemprego campeia, os trabalhadores sofrem e os executivos – “CEOs”, gostam de
dizer! – vivem feliz o resto da história!
Nem as empresas que colaboraram, e
mesmo colocaram em funcionamento o Holocausto durante o Terceiro Reich, foram
punidas desta forma. A punição recai sobre seus proprietários e executivos e
hoje são orgulho da nova Alemanha. Aqui, como se não bastasse a contaminação de
valores intangíveis das empresas, devora-se a própria capacidade das empresas
sobreviverem. Assim, a engenharia, a pesquisa geológica, a mineral,
agropecuária, ferroviária, a engenharia de alimentos, os laboratórios das
universidades, transportes e logística passam a ser alvo de uma operação profunda
de desmonte.
Enquanto isso, outros produtores/fornecedores
internacionais, concorrentes do Brasil, ocupam fatias crescente de mercados
tradicionalmente do país. A capacidade de agregação de valor do país despenca e
cada vez mais nos aproximamos de uma situação de colônia neo-extrativista.
Trava-se, assim, uma “guerra sem
guerra” na qual o futuro da soberania nacional está em jogo. E o mais triste de
tudo é que o povo brasileiro nada sabe sobre guerras.
Em seu texto, você culpa Moro ou a Lava jato. Mas não é Moro que solta os bandidos que pilharam a República. Você também não fez a crítica de quem em 13 anos de PT nosso parque industrial virou farelo, sem investimento, sem tecnologia. Você também não criticou a falta de infraestrutura no país e nem o modelo econômica construído como se fosse um castelo de areia, com base nas commodities. Também não li nada a respeito do crédito fácil para o pobre se sentir classe média e comprar carros e viajar de avião em vez de se criar uma política voltada para o bem estar da população com base em uma cultura sólida, como por exemplo na geração de empregos que viria com a infraestrutura e o parque industrial renovado. falou sobre a condenação aos CNPJ além dos CPFs. Ora, a Petrobras, em tempo de crise, se desfez de 200 mil empregados, a grande maioria de indicados de deputados e políticos em geral. É esse modelo que você defende? Por fim, sinto que faltou a crítica ao nosso Pré-sal, ainda que o prelo do barril não compense sua retirada. Ah...claro...e faltou também a crítica ao governo maravilhoso da presidente Dilma Rousseff. Foi afinal um bom governo? E não estamos não na Primavera. Estamos num rigoroso inverno....
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