Pular para o conteúdo principal

COVID-19: LIBERDADE DE IR E VIR E RESTRIÇÕES SANITÁRIAS DE CIRCULAÇÃO

A liberdade guiando o povo, de Eugène Delacroix, 1830.

O Portal G1 publicou matéria, em 09/04/2020, às 19h25 (da jornalista Bette Luchese, RJ2), sob o título: “Justiça Federal libera circulação de transporte intermunicipal de passageiro no RJ”. Segundo a reportagem, a Justiça atendeu pedido do Ministério Público Federal para anular decreto do governo do Estado do Rio de Janeiro que impediu, por prazo determinado, como medida de enfrentamento da crise sanitária do COVID-19, a circulação de ônibus, vans e táxi entre os municípios do Estado.
Para a juíza prolatora da decisão, “a proibição de circulação intermunicipal de passageiros revela-se um meio demasiadamente gravoso para a população (... que) sofre severa restrição ao direito fundamental de ir e vir”.
Ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”, manifestou igualmente o ocupante da Presidência da República, em 10/04/2020, ao circular e apertar as mãos das pessoas pelo Plano Piloto de Brasília, inclusive depois de esfregar o nariz e, em seguida, dar a mão para uma anciã, pessoa na faixa de risco do COVID-19.
Sem dúvida, o direito fundamental de ir e vir constitui, juntamente com o direito natural à vida, o mais relevante do atual período histórico, que tem na liberdade formal o seu ponto central. O direito de ir e vir é tão forte que, desde o período feudal, tem a proteção no remédio processual do habeas corpus, em favor dos indivíduos contra detenções ilegais, promovidas por parte dos agentes do Estado.
Contudo, apesar de fazer parte da pedra de fundação do sistema político em vigência, as liberdades não são absolutas, como demonstraram os utilitaristas (Stuart Mill), diante da necessidade de se proteger o bem comum, de forma a assegurar, ao máximo, a felicidade e o bem estar.  
Assim, a liberdade de circulação  ou locomoção de um indivíduo (o ir e vir) pode ficar limitada em situações especiais para proteger os direitos da coletividade, como ocorre em casos de guerra e de calamidades públicas.
A própria Constituição, em seu artigo 5º, XV, diz que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
Ou seja, em tempo de paz a liberdade de circulação é uma garantia individual plena; contudo, num estado de guerra pode sofrer limitação. A grave crise sanitária do COVID-19 impôs um verdadeiro estado de guerra aos países, inclusive a justificar a declaração de estado de calamidade pública em defesa da saúde da população, direito natural por excelência.
Nesse passo, ao estabelecerem barreiras sanitárias ou impedirem a livre circulação de transportes públicos para controlar o ingresso de pessoas em cidades ou Estados-membros, as autoridades estão atuando dentro dos limites da Constituição, quanto à limitação ao direito de ir e vir, pois estão atuando num estado semelhante ao de guerra contra o COVID-19.
Com efeito, as barreiras e as restrições de circulação, da maneira como estão sendo executadas pelos governos estaduais e municipais, estão dentro do seu poder de polícia, diante da crise sanitária em curso. De forma geral, estão sendo cumpridas com proporcionalidade e razoabilidade, dentro da competência federativa concorrente dos referidos entes, com a finalidade de assegurar o direito à saúde da população, que é dever do Poder Público.

Sendo assim, a decisão judicial que suspendeu os efeitos do decreto do governo do Estado do Rio de Janeiro, que limitou a circulação de transportes públicos entre os municípios do estado, fez uma interpretação simplista e linear da Constituição, além de ofender a medida liminar deferida pelo Supremo  Tribunal Federal na ADI 6.341 e na ADPF 672.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O povo precisa ouvir a voz do Presidente Lula

Por Jorge Folena   Começo  o artigo de hoje  pel o ensinamento  do fil ó sofo e professor italiano Dom en ico Losurdo ,  que ,   e m seu livro Contra- H istória do Liberalismo  d esnuda  o  regime  liberal que ,   com toda a sua  pretensão de comandar o  mundo , é c onst it uído por  graves contradições ;   pois   não é democrático nem respeita as liberdades fundamentais  e , desde a sua fundação, revelou -se   belicista,  exploratório , violento  e autoritário.  Digo isto porque o governo dos Estados Unidos da América , país que  vende para  os demais   a imagem de “ maior democracia do  glob o ” , sem autorização judicial ou acusação  formal,   impediu  recentemente  que Scott Ritter  (cidadão norte-americano e ex-integrante das forças armadas daquele país)  pudesse viajar para  participar d o  F órum  Econômico ...

Superação do fascismo no Brasil

A nau dos loucos de H. Bosch Por Jorge Folena   Infelizmente, as instituições têm normalizado o fascismo no Brasil. E foi na esteira dessa normalização do que deveria ser inaceitável que, na semana passada circulou nas redes sociais (em 02/07/2024) um vídeo de treinamento de policiais militares de Minas Gerais, em que eles corriam pelas ruas cantando o refrão “cabra safado, petista maconheiro”. [1] O fato configura um absurdo atentatório à Constituição, pelo qual todos os envolvidos (facilmente identificáveis) deveriam ter sido imediatamente afastados das suas funções, inclusive sendo determinadas prisões disciplinares, e, em seguida, sendo processados administrativa e criminalmente.  Outro caso esdrúxulo foi o de um desembargador do Paraná, que em plena sessão de julgamento, não teve qualquer escrúpulo em derramar toda a sua misoginia, ao criticar o posicionamento de uma mulher (o caso analisado no tribunal era de uma menina de 12 anos, que requereu medida protetiva contra a ...

O HOMEM QUE RASGOU A CONSTITUIÇÃO

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado  Por Jorge Folena   O TSE, num grande esforço interpretativo ,  em minha opinião , livrou o senador Moro da cassação do mandato  pel a acusação de abuso de poder econômico. Ele comemorou e  faz  planos  para  tentar se eleger governador pelo Paraná e ,  quem sabe ,  retomar  sua  candidat ura  à presidência da República, com o apoio da classe dominante brasileira.  Diante de ssa  vitória momentânea , precisamos  r elembr ar   as violações à ordem constitucional promovida s  pelo senador quando  no cargo de  juiz. O golpe contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, abriu no Brasil as portas para o fascismo declarado e descarado ,  cujos agentes  de  maior  apelo  são Jair Bolsonaro e S e rgio Moro; sendo  o  último mais perigoso  que o primeiro  para o povo brasileiro.  Moro, com suas roupas escuras e “a...