O homem controlador do universo, Diego Rivera, 1934. |
Na atual quadra
histórica, a sociedade universal convive com uma concentração de renda tão brutal
que levou o economista Thomas Piketty a afirmar que: “o capital se reproduz sozinho, mais rápido do
que cresce a produção. O passado devora
o futuro. (...) Aqueles que possuem
muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se a fazer
contas raramente traz benefícios aos mais pobres.”[1] Com
efeito, há cada vez menos ricos, os quais, porém, concentram em suas mãos cada
vez mais riquezas[2];
ao mesmo passo que há cada vez mais pessoas demasiadamente pobres (sem quase
nada para sobreviver, vagando pelas ruas do mundo sem trabalho e esperança);
sendo certo que o desenvolvimento tecnológico tem favorecido a concentração de
capital, que diminui a capacidade concorrencial, que por sua vez elimina
empresas e postos de trabalho[3].
Sem
dúvida, o progresso tecnológico (consequência da revolução cultural) deveria
ser colocado em favor da humanidade e para beneficiar a vida das pessoas. Contudo,
o que se constata é que poucos têm se beneficiado de forma eficaz do avanço
tecnológico e, geralmente, com quase nenhuma tributação sobre o seu patrimônio.
A robótica tem
gerado desemprego massivo[4];
que conduz ao caos urbano, a guerras e a mais violência, promovendo o aumento
do aparato repressivo. Isto tudo possibilita que se proponha a redução formal
de direitos sociais, em favor dos que concentram capital em suas mãos, diante
da grande quantidade de pessoas que buscam trabalho e com menos postos disponível.
Sob
este ponto, a regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil, de forma
meramente retórica e programática (como se pretende por meio do Projeto de Lei
do Senado 5.051/2019), poderá sancionar o descumprimento dos
princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988, como a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa. (Artigo 1º)
Nesse
passo, a Constituição Federal, em seu artigo 3º, incisos I, II e
III, estabelece que são objetivos da República Federativa do Brasil “constituir uma sociedade livre, justa e
solidária”; “garantir o desenvolvimento nacional”, bem como “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Estes
princípios são reafirmados na Constituição, ao tratar da ordem econômica, que
será “fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, (que) tem por fim assegurar a todos a existência digna,
conforme os ditames da justiça social, observados os princípios: da livre
concorrência; da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do
pleno emprego.”
Nesse
contexto, é importante ressaltar o aspecto humanista da Constituição, de
proteger a dignidade, os valores sociais, a justiça social, a formação de uma
sociedade solidária, sem pobreza, sem marginalização e desigualdades regionais
e sociais e que garanta o pleno emprego.
Assim,
o avanço tecnológico proporcionado pela inteligência artificial deve ser
regulamentado no Brasil, de modo a
proteger o ser humano (como garante a Constituição Federal) e não simplesmente
descartá-lo.
O referido
projeto de lei apresenta apenas sete artigos, como propostas meramente programáticas,
ressaltando princípios fundamentais (em seus artigos 2º
e 3º) que já estão previstos na Constituição Federal e acima
destacados; sem, contudo, estabelecer sanções e imposições para os casos de
infração dos mencionados princípios; inclusive o legislador tem a oportunidade
(que não consta no projeto legislativo) de estabelecer um regime de tributação
patrimonial sobre os ganhos decorrentes da inteligência artificial, de modo a
estabelecer a fonte de custeio e receita para treinamento dos trabalhadores e
estabelecer uma forma de distribuição de renda para os que vierem a ser
prejudicados com o avanço tecnológico.
Desta forma, o
legislador deverá ter o cuidado de proteger os trabalhadores e as empresas para
que sejam assegurados os empregos e a relação concorrencial, de forma que a
força do capital (beneficiária da inteligência artificial) não impere
exclusivamente para eliminar postos de trabalho e empresas de menor capacidade
econômica; sendo vital para que haja uma sociedade justa, livre e solidária, como
propõe a Constituição, sem marginalização e desigualdades regionais e sociais, que salvaguardas de proteção ao trabalho e
à concorrência sejam incluídas no
projeto de lei, de forma mais específica e sancionatória, para mantê-lo em linha com os princípios
fundamentais da Constituição Federal acima mencionados, inclusive sendo estabelecida uma forma de tributação progressiva sobre o patrimônio dos
beneficiados pela inteligência artificial, que possibilite a distribuição da
riqueza gerada entre todos e propicie a recolocação dos que vierem a perder o emprego
no mercado de trabalho ou a criação de uma renda mínima para os desempregados.
Assim, propõe-se
que, no projeto de lei acima mencionado, seja incluída a possibilidade de:
a) acréscimo de 20% sobre a alíquota do adicional do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas para as empresas que venham a adotar qualquer forma de plataforma digital;
a) acréscimo de 20% sobre a alíquota do adicional do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas para as empresas que venham a adotar qualquer forma de plataforma digital;
b) proibição para as empresas que venham a adotar qualquer forma de plataforma digital de dispensar seus empregados pelo prazo de 36
(trinta e seis) meses, salvo por justa causa; e, uma vez vencido o prazo de
estabilidade ora previsto, a pessoa jurídica que venha a dispensar
seus empregados deverá assegurar, por 12 (doze) meses, o pagamento de curso de
reciclagem e/ou treinamento aos seus empregados dispensados, conforme a escolha
destes, até o valor mensal equivalente a 1 (um) salário mínimo.
[2] Segundo relatório da
ONG Oxfam (Tempo de cuidar: o trabalho não remunerado e mal pago e crise global
da desigualdade) Enfrentar as desigualdades para vencer a pobreza), divulgado
em 19 de janeiro de 2020: “Os 2.153 bilionários do mundo têm mais riqueza do que 4,6
bilhões de pessoas – ou cerca de 60% da
população mundial.” (Disponível em https://oxfam.org.br/noticias/bilionarios-do-mundo-tem-mais-riqueza-do-que-60-da-populacao-mundial/
Acesso em 25 de feb. 2020).
[3] Nesse ponto, o
professor Milton Santos salienta que “a modernização tecnológica produz uma crescente disparidade
econômica e social.” (SANTOS, M. Pobreza
urbana. São Paulo: Universidade de Universidade de São Paulo, 2009, p. 81)
[4]“Carl Frey, pesquisador da Universidade de Oxford que estudou a
ascensão de trabalho computadorizado, ganhou as manchetes quando previu que a
automação colocaria até 47% de empregos americanos em ‘alto risco’”. (Disponível
em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/06/140630_robos_empregos_lab.
Acesso em 26 de feb. 2020)
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