Conforme o áudio da conversa entre o senador Renan
Calheiros (Presidente do Congresso Nacional, integrante do PMDB) e o ex-senador
Sérgio Machado (ex-PSDB e atualmente no PMDB de Michel Temer), divulgado na edição
de 25/05/2016, do Jornal Folha de São Paulo, o “plano B” ao golpe do impeachment era implantação do “semi-parlamentarismo”
no Brasil; cuja proposta semelhante para debate foi apresentada, em 27 de
janeiro de 2016, pelo ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coelho.
Quanto à esdrúxula proposta em tramitação no
Conselho Federal da OAB (que poderia ser
o “plano B” ao golpe), como anunciou Renan Calheiro, fizemos seu exame, em 06/04/2016,
na Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados
Brasileiros, conforme o texto integral a seguir reproduzido.
“Como ajustado com o Presidente da Comissão
Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros
(Professor Doutor José Ribas Vieira), venho analisar, a seguir, a proposta em
tramitação no Conselho Federal da Ordem dos Advogados Brasil, sobre a possibilidade
de se introduzir no Brasil o “semipresidencialismo”, diante da atual crise
política, apresentada em 27 de janeiro de 2016 pelo ex-presidente do Conselho
Federal, Marcus Vinícius Furtado Coelho.
1) Considerações
iniciais: o que se passa no mundo e no Brasil:
O panorama mundial vem sendo pintado em cores
demasiado acinzentadas, quase se apagando de nossas memórias a sua cor azul,
diante de tantos impasses com que nos deparamos pelos quatro cantos. E os
problemas do Brasil de hoje refletem os
sintomas do mundo.
Os estudos sociológicos e de economia política
indicam, neste momento, a mais brutal concentração de renda no mundo. O número
de ricos é cada vez menor e o de pobres e miseráveis se amplia pelo mundo a
fora; ao ponto do professor Thomas Piketty, no livro “O Capital do Século XXI”,
afirmar que o passado devora o presente.
Tal afirmação, decorrente de uma pesquisa científica
empírica, é assustadora! Todos os dias nos chegam imagens de milhares de
pessoas em busca de refúgio, em decorrência da espoliação de seus países; gente
que caminha sem destino e sem esperança pelas estradas do mundo.
Sem divergir, tanto economistas liberais clássicos
como Adam Smith, e, de outro lado, o pensador comunista Karl Marx, manifestam,
de forma geral, que é necessário atender sempre as necessidades crescentes dos
homens e mulheres, na realidade prática da vida.
Porém, o que temos visto – e os estudos citados
demonstram – é que as necessidades humanas não têm sido atendidas em nenhum
lugar, o que ocasiona um quadro geral de infelicidade, medo e até mesmo de
terror.
Como já apontava Montesquieu, em seu Espírito das
Leis, o terror produz a tirania, que causa o mais grave desrespeito a todas as
leis, qual seja a eliminação em massa de vidas humanas, já registrado pela
História e que continua a ocorrer por diversas formas.
Neste ponto, não me refiro apenas às vítimas do
terrorismo fundamentalista (propalado pela mídia universal, sem esclarecer as
suas verdadeiras causas); mas sobretudo às vítimas da concentração de capital;
que expropria, saqueia, invade e desestabiliza política e economicamente nações
soberanas, por meio de ações imperialistas e colonialistas, em curso em pleno século
XXI. Também podemos incluir como consequência deste mesmo processo os
assassinatos em massa de jovens pobres nas periferias das cidades da América
Latina.
Este cenário propicia um passo firme para a
restauração de regimes nefastos na História, que, sob o falso discurso de
moralizar uma sociedade inteira, ceifaram milhões de vidas de homens, mulheres, idosos e
crianças, das mais variadas raças, origens e credos religiosos e/ou
ideológicos.
É importante lembrar que, no seu nascedouro, “os
movimentos fascistas apresentavam elementos dos movimentos revolucionários, na
medida em que continham pessoas que queriam uma transformação fundamental da
sociedade, frequentemente com um lado notadamente anticapitalista e anti-oligárquico.
Contudo, o cavalo do fascismo revolucionário não deu largada nem correu.” (Eric
Hobsbawm, em Era dos Extremos, capítulo 4, item III).
Nesse ponto, saliente-se que, durante o século XX,
os grandes ataques às instituições liberais e às garantias democráticas constitucionais
vieram dos movimentos de direita com “medo da revolução social”, como registra
Hobsbawm e também Giorgio Agamben, em Estado de Exceção.
Por tal razão e para se evitar os erros do passado,
o momento exige mais que reflexão; exige muito equilíbrio das forças políticas
e sociais (ponto central da obra de Montesquieu, embora a maioria dos juristas acredite,
de forma equivocada, que seja a “separação de poderes”, conforme esclarece
Raymond Aron, em As etapas do pensamento sociológico). A busca desse equilíbrio
é fundamental, no momento presente, de modo a manter o Estado Democrático de
Direito, instituto construído pela sociedade universal à custa de muita luta e
vidas sacrificadas.
Que foi resgatado no Brasil, em decorrência do pacto
político que nos assegurou a Constituição Cidadã de 1988, que muitos querem
revogar a qualquer custo, exatamente nos pontos que seus redatores originais
manifestaram como mais importantes e fazendo com que os conceitos de cidadania,
garantias fundamentais e direitos sociais antecedessem o capítulo referente à
ordem econômica (J. Bernardo Cabral).
Por isso não podemos permitir ataques à
Constituição, seja de quem for, especialmente na parte relativa aos princípios
e garantias fundamentais, que constituem cláusulas pétreas, mas vêm sendo violados,
sistematicamente, por alguns membros do Poder Judiciário, por meio da
politização da justiça, que não irá solucionar os graves impasses sociais.
Como lembra Max Weber, “não é próprio de um
funcionário público participar de conflitos políticos com suas convicções
pessoais (...). Pelo contrário, seu orgulho é proteger sua imparcialidade e,
portanto, poder superar suas próprias inclinações e opiniões para realizar de
maneira conscienciosa e sensata, o que o regulamento geral ou alguma instrução
especial exigem dele.” (Parlamento e governo na Alemanha reorganizada).
Os problemas da sociedade devem ser resolvidos pela
discussão política travada nas ruas, no parlamento e no governo, e não nos
tribunais. Somente assim a sociedade construirá o seu futuro. Da mesma forma, não será por meio da cabeça
de sábios ou gênios que uma sociedade encontrará seu ponto de equilíbrio
político, pois é com a participação de todas as classes sociais que se constrói um país forte e desenvolvido.
É importante ressaltar, ainda, que a força da
concentração de capital é percebida também na política,com interferência direta
no sufrágio. Com efeito, como diz Habermas, não é possível falar em democracia, que não seja a de segmentos. Esta
forma de democracia, encontrada em todo o mundo, limita a política e gera a
atual crise de representatividade.
Por isso, não podemos admitir que se utilizem de
mecanismos de instabilidade político-institucional para atingir fins políticos
e econômicos.
2) A proposta da OAB para o Brasil:
“o novo presidencialismo”.
Depois de feita esta introdução (que reputo
necessária, diante da realidade social, política e econômica, no mundo e no
país), passo a analisar “uma proposta para o Brasil: o novo presidencialismo”,
apresentada pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus
Vinicius Furtado Coelho, protocolada no Conselho Federal em 27 de janeiro de
2016 (registro de recebimento número 49.0000.2016.000700-0), sob o argumento
colaborar para o enfrentamento da crise política em curso no Brasil.
De forma contrária ao anunciado pelo proponente (que
vislumbra “no sistema de “semipresidencialismo” uma resposta à crise
brasileira”), a proposta constitui-se
num “ensaio” que põe mais água quente na fervura e abre caminho para os
golpistas do “inexequível impeachment” (Orpheu dos Santos Salles), que já
debatem, no Senado Federal, a tentativa de reintrodução do parlamentarismo no
Brasil; sistema em que a responsabilidade pelo governo e pela administração do
país ficaria a cargo dos senhores
parlamentares.
2.1)
Proposta que viola a Constituição de 1988
O encaminhamento do Conselho Federal da OAB foi
apresentado em formato de Proposta de Emenda à Constituição, que limitaria os
atuais poderes da instituição presidência da República, que passaria a exercer
o controle do Poder Executivo em conjunto com um “Conselho de Ministros”, cujo
presidente seria nomeado pelo Presidente da República e exonerado do cargo
“quando o Congresso Nacional lhes retirar a confiança”.
Pela iniciativa, o “Conselho de Ministros responde
coletivamente perante o Congresso Nacional pela política do Governo e pela
Administração Pública Federal”.
Além da proposta de emenda constitucional ser
questionável sob o aspecto jurídico, conforme a cláusula pétrea que impede a
violação do princípio da separação de poderes (art. 60, § 4.o,
III, da Constituição Federal), é inegável a tentativa de redução de poderes da
Presidência da República, o que se
constituiria numa grave violação, por meio do poder constituinte derivado, à
independência de outro poder.[1]
2.2)
A análise do tema sob a ótica da teoria política
Deixando de lado a controvérsia jurídico-constitucional
que, por si só impõe óbice à implantação da proposta apresentada pelo
ex-presidente do Conselho Federal, passo à análise do conteúdo do estudo
desenvolvido.
Em “ensaio” de 24 laudas (pois, ao contrário do que
afirma seu autor, não se trata de artigo científico com embasamento em pesquisa
empírica aplicada à realidade social e política brasileira),o autor expõe os efeitos de uma crise política, sem
apresentar, contudo, sua autêntica e necessária causa.
Com meus respeitos, esta forma de proposição é muito
comum aos juristas de plantão, para tentar justificar ou ratificar tentativas
de rompimento institucional, uma vez que o “papel tudo absorve”.
O autor saca, de forma mágica, de sua “inteligência”,
“uma proposta para o Brasil”, sem pesar, em sua análise, uma linha sequer sobre
a realidade do pensamento político brasileiro; constituído até hoje nas margens
históricas do patrimonialismo local, que tem na figura do caudilhismo e do coronelismo
seu embasamento político, como demonstram os diversos estudos desenvolvidos por
pensadores como Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva
(História da Agricultura no Brasil), Rui Facó (Cangaceiros e Fanáticos), Josué
de Castro (Geografia da fome), Osny Duarte Pereira (Quem faz as leis no
Brasil), Victor Nunes Leal (Coronelismo,
enxada e voto), Raymundo Faoro (Donos do Poder), Jessé Souza (A tolice da
inteligência brasileira), entre muitos outros autores e obras que poderíamos
citar para tentar explicar um pensar e
agir político que envolve a constante exploração do povo e o apoderamento
do público pelo privado, no país, em benefício exclusivo de uma parcela rica da
população.
Então, sem
analisar com profundidade o passado, não dá para se compreender o presente, o
que torna impossível fazer uma proposição futura (finalista), concernente a “um
novo presidencialismo”, como sugeriu o ex-presidente da OAB.
Em seu estudo não consta uma linha sequer à crítica
da realidade do pensamento político nacional. O autor encontra sua inspiração
em modelos de outros países, como Portugal e França, mas parte de uma análise
superficial que passa ao largo da grave crise de representatividade que assola
todo o mundo e tem origem na adoção do modelo “ocidental cristão”, que tanto mal estar e infelicidade causou e
causa aos povos (sintomas descritos por Freud no início do século XX e
ainda presentes).
2.2.1.) A
realidade política brasileira – governos caudilhos presidencialistas/personalistas
e centralismo de poder
Segundo a narrativa de Domingos Sarmiento (em
Facundo: civilização ou barbárie, final do século XIX), a vasta extensão
territorial, que constituiu o latifúndio, somada ao analfabetismo, constituíram
as bases para a implantação, por toda a América Latina, de um sistema político
fundado no caudilhismo patrimonialista, cujos
efeitos se percebem até hoje, por meio de governos presidencialistas,
sempre com a marca personalíssima do mandatário.
Até a chegada da família portuguesa em 1808, o domínio
da política no Brasil era dos caudilhos ou caciques, assim definido na
literatura hispano-americana (Francisco Carlos Teixeira da Silva, em
Instituições na América do Sul). A distância da Corte portuguesa para a colônia
permitia que os senhores mais fortes se tornassem os donos da política e da
vida das pessoas que estavam no Brasil, exercendo um “domínio pessoal e
arbitrário” (Jose Murilo de Carvalho, em Mandonismo, coronelismo, clientelismo:
uma discussão conceitual); nesse
contexto, a política é exercida com forte viés personalista e mandonismo.
Tanto no período em que a sede da metrópole foi
transferida para o Brasil quanto no decorrerdo império, a família Real
portuguesa e seus descendentes combateram essa construção e debelou todas as reações caudilhas e
centralizou o poder e a unidade nacional a partir da capital no Rio de
Janeiro. (Osny Duarte Pereira, em Quem faz as leis no Brasil)
A grande vitória do caudilhismo no Brasil deu-se a
partir da implantação da república, com a derrocada dos militares monarquistas
que pretendiam transpor a estrutura de poder unitário do império para a
República recém implantada, em bases presidencialistas.
Mesmo distante da realidade política do Brasil, constituído
como país unitário, os governadores (antigos presidentes de províncias no
Império) conseguiram impor uma federação para, assim, deterem o poder de
polícia e a atribuição de demarcações locais de terras, segundo esclarecem
Maria Yeda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, em História da
Agricultura no Brasil.
Além disso, a partir da primeira República conseguiram
impor um presidencialismo marcado pela mística
cultural personalista, em que traços do passado imperial foram resgatados
(semelhante ao que Marx define como “retomada ao ponto de regresso”, no 18
Brumário de Luís Bonaparte).
Temos hoje uma federação de papel, com estados e
municípios falidos, pois muitos entes federativos não têm como se manter, por
si, e ficam na total dependência de repasses da União.
Neste sentido a dura crítica formulada por Alberto
Torres ao grande Ruy Barbosa, por copiar um modelo de federação desenvolvido
pelos americanos, para uma situação circunstancial e pragmática das treze
colônias, que nada tinha a ver com a realidade política de um Brasil de
formação unitária política e administrativa, como ocorreu na colônia e no império. Porém, o entendimento que
prevaleceu durante o processo de consolidação da república, influenciado por
juristas como Ruy Barbosa, foi para a
constituição de uma federação, o que beneficiou politicamente o coronelismo,
representado pelos governadores. (Victor Nunes Leal, em Coronelismo, enxada
e voto)
Todas as vezes, na história do país, em que se
tentou, de alguma forma, romper com o coronelismo e promover alguma inclusão social e a defesa do patrimônio nacional, não
logramos sucesso. O resultado foi o suicídio de um presidente e a deposição
de outro, em pleno exercício constitucional de seu mandato. No último caso, o
país foi lançado em vinte e um anos de escuridão (1964-1985), com a cassação de
mandatos parlamentares, deposição de juízes da Suprema Corte, a realização de
inúmeras prisões ilegais, torturas e assassinatos, como apurou a Comissão
Nacional da Verdade, no relatório entregue em dezembro de 2014. Ao final, foram atingidos até mesmo os que
inicialmente defendiam a deposição do governo.
E hoje não parece ser muito diferente, pois as
obscuras forças do passado ainda se manifestam presente contra os avanços de
reformas sociais e a extensão de alguma forma de cidadania a milhões de
brasileiros, que antes nada tinham. Quero dizer que agentes políticos civis que
atuaram no antigo regime (1964-1985) permanecem tranquilamente em suas posições,
sem que tenha ocorrido purgação ou ruptura oficial com o passado ditatorial e
dificultam, em grande medida, as proposições de um país mais inclusivo
socialmente.
Desta forma, é possível estabelecer a hipótese de
que os reacionários do passado possam estar atuando no presente, diretamente ou
por intermédio de seus descendentes (herdeiros e legatários), na pregação
moralista que tomou conta do Brasil nos últimos anos, como ressaltamos no nosso
livro “O Poder Judiciário e as ditaduras brasileiras”.
Desta forma, é estranho que os herdeiros dos
caudilhos ou dos coronéis (que sempre defenderam o sistema de governo
presidencialista e personalista, como se consagrou na cultura política do país
durante mais de um século) hoje venham defender o “semipresidencialismo” ou
parlamentarismo, que enfraquece o poder do mandonismo.
Uma
pergunta que não quer calar, diante do possível oportunismo: esta regra valerá
também para todos os estados e municípios brasileiros, onde ainda prevalecem,
na política, as forças domandonismo e do coronelismo?
2.2.2) A crise da representatividade – a força do
capital na eleições
O “ensaio” apresentado pelo ex-presidente da OAB,
Marcus Vinicius Furtado Coelho, não aponta nenhuma causa para a crise de
representatividade política.
Como
disse, são apresentados apenas os efeitos da crise.
Inegavelmente, a mesma crise política de governabilidade que assola o Brasil
ronda também os governos de Portugal e da França, que o autor apresenta como
exemplos de governos a serem seguidos.
Em vários locais,mundo afora, é grande a descrença
na política e nos políticos, como se vê na França, em Portugal, na Espanha, na
Inglaterra, na Alemanha, na Grécia, nos Estados Unidos etc., pois o dinheiro e
a força do capital sequestraram a representação popular e a vontade coletiva (definida
por Rousseau), que jamais se faz presente na vida pública.Tal é o caso do
Brasil, em que os parlamentares detêm a exclusiva primazia de decidir que
assuntos devem ser levados a plebiscito ou a referendo.
De
forma geral, os políticos utilizam-se de suas representações para defender
interesses dos segmentos corporativos ou financeiros que sustentam suas
campanhas, o que Weber já condenava na Alemanha do seu tempo,
ao dizer que: “Por menos de 20 mil marcos é impossível conquistar uma zona
eleitoral razoavelmente grande e muito disputada”. Ou ao afirmar que a solução
dos problemas financeiros (do Partido Social-Democrata) voltou a ser “o
financiamento do partido por mecenas.”
Max Weber faz esta análise no escrito político sobre “o Parlamento e o
governo da Alemanha reorganizada”, publicado em 1902, que continua atual.
Parece que, de lá para cá, quase nada mudou; ou
melhor, diante da concentração cada vez mais crescente do capital (Piketty), é possível especular, numa análise
circunstancial, que a desestabilização política de muitos governos que adotaram
políticas públicas populares torna-se uma meta do capitalismo hegemônico
(não aquele que age sob as trombetas da dominação coercitiva, mas o que atua,
nas profundezas da escuridão, pelas mídias conservadoras, por intermédio dos
“consensos” e do “dirigismo, como denuncia Gramsci).
Este ponto é por demais importante para a nossa crítica,
uma vez que a Ordem dos Advogados do Brasil (à época liderada pelo autor da
proposta sob análise), em conjunto com a Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil e outras entidades do movimento social, promoveu em 2014 e 2015 uma
campanha pela “reforma política
democrática e eleições limpas”, no que se denominou de “coalização democrática”.
Os pontos principais desta importante campanha
foram:
1)
- o financiamento público para campanhas
eleitorais;
2)
- proibição de financiamento eleitoral
por pessoas jurídicas;
3)
- extinção do sistema de voto dado ao
candidato individualmente, como adotado nas eleições para vereadores, deputados
estaduais e federais;
4)
- adoção do voto em lista pré-ordenada,
em que o eleitor, num primeiro turno vota no partido e, no segundo turno
escolhe individualmente um dos nomes da lista;
5)
- fortalecimento da participação popular
nas tomadas de decisões dos governos e do parlamento, por meio dos instrumentos
da democracia direta ou participativa.
Como se vê, em tão pouco tempo, o ex-presidente do
Conselho Federal mudou de lado e esqueceu que as propostas da “coalização
democrática” foram barradas no Congresso pelos parlamentares exatamente porque
está em desacordo com os seus interesses financeiros e os de seus “mecenas”.Esta é a verdadeira causa da crise de
representatividade.
Portanto, como se pode acreditar que um “conselho de
ministros”, que responde pelo governo e pela administração pública federal,
poderá resistir a um Parlamento (que terá a atribuição de aprová-lo) em que a
força do capital e dos interesses corporativos prevalecem?
2.2.3) Partidos
Políticos estruturalmente organizados e fidelidade partidária – exigências
fundamentais para um “semipresidencialismo” ou parlamentarismo
Um regime de governo, como consta na proposição em
análise (de “semipresidencialisemo”), ou até mesmo parlamentarista, como
apresentado para debate no Senado Federal, por meio da manifestação oportunista
do Senador Aloísio Nunes Ferreira, do PSDB/SP (e candidato a vice-presidente da
República na chapa derrotada de Aécio Neves, na última eleição de 2014), exige que
se tenha “partidos racionalmente
organizados” (Weber), o que não existe; sendo certo, ainda, que a
constatação empírica é de que também não
existe fidelidade partidária, pois a todo momento são criados partidos que
favorecem o troca-troca de legendas e promovem o desrespeito pelo voto
atribuído ao partido que serviu de estrutura para a eleição do parlamentar.
Vê-se que até deputados que defendem uma moralização
política já fizeram isto, como Chico Alencar, que saiu do PT e foi para o PSOL
(na legislatura de 2003-2006), e Alessandro Molon, que também saiu do PT e foi
para a Rede (na atual legislatura, de 2014-2018).
O único partido político “racionalmente organizado” para
um governo parlamentar ou de “semipresidencialismo” é o dos Trabalhadores (PT),
pois somente ele dispõe de uma base estrutural de luta de classes (que Domenico
Losurdo define como aquele presente nos embates contra qualquer forma de
exploração pelo capital), e tem em suas fileiras militância organizada e ativa
junto aos movimentos sindical, camponês, de moradias urbanas, estudantil,
negro, indígena, idosos, mulheres, LGBT, religiosos etc.
Porém, contra o PT, que é o único partido racionalmente
organizado de fato, estão sendo direcionados ataques direto à sua estrutura,
por meio das forças reacionárias da oligarquia coronelista brasileira que, em
associação com os meios de comunicação tradicional e parte dos membros do antigo
“estamento burocrático” do aparelho repressivo (Polícia, Ministério Público e
Judiciário), que tentam incriminar todas as suas lideranças e conduzir o
partido à clandestinidade.
Portanto, na atual conjuntura e diante de um
patrimonialismo cada vez mais atuante, em que a força do dinheiro e os acordos
das oligarquias locais elegem os parlamentares, como se pode, acreditar com
sinceridade, que há “partidos dispostos
a assumir a direção dos negócios públicos”, como diz ser determinante
Weber, no modelo de governo em que o parlamento seria o ator preponderante?
Os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal (ambos do PMDB) respondem a graves acusações criminais no
Supremo Tribunal Federal, da mesma forma que muitos outros deputados e senadores.
Nestas circunstâncias fica difícil imaginar a formação de uma “coalizão” séria
entre os partidos políticos no parlamento (que Weber reputa ser necessária), para se aprovar um governo por
meio de um “conselho de ministros”(no “semipresidencialismo”, sugerido pela
OAB) ou governar (no parlamentarismo,
como propõe o PSDB).
3) Conclusão
Com efeito, não sei se a proposta apresentada pelo
ex-presidente da OAB decorre de falta de compreensão das técnicas científicas
da ciência política ou faz parte das manobras para jogar mais combustível na
crise política, visando a construção de um “impeachment inexequível” e golpista, ao qual o Conselho da Ordem dos
Advogados aderiu sem nenhum pudor, a exemplo do que fez quando da instalação do
golpe militar-civil de 1.o de abril de 1964.
Portanto, “uma proposta para o Brasil: o novo
presidencialismo”, que tramita no Conselho Federal da OAB, além de ser de questionável
constitucionalidade (por violação da cláusula pétrea da limitação ao princípio
da separação de poderes, art. 60, § 4.o, da CF), apresenta-se
distante da realidade do pensar e do agir político brasileiro, inexistindo as
necessárias condições estruturais para sua implantação, uma vez que tal
proposta de governo exige um parlamento equilibrado no conjunto das suas forças
políticas e sociais (como Montesquieu observou na Inglaterra do seu tempo).Esse equilíbrio necessário não é factível
de se alcançar, tendo em vista a grande influência do capital no sufrágio para a
escolha dos parlamentares, aliada à inexistência de uma estrutura partidária
sólida, em que a fidelidade seja a garantia para que os partidos possam assumir,
com responsabilidade, a condução dos negócios políticos, como se exige neste
formato de governo.
Assim, recomendo
a rejeição pelo Instituto dos Advogados Brasileiros da referida proposta, apresentada
pelo ex-presidente do Conselho Federal, bem como de qualquer proposta de
emenda para introduzir o parlamentarismo no Brasil, que já foi negado em duas
oportunidades pelo povo brasileiro, nas urnas, e não tem condições jurídicas de
ser introduzido, diante da Constituição Federal de 1988; até porque, não há
como entregar o governo do País nas mãos de um parlamento que tem, nesta
legislatura (2015-2018), um altíssimo número de deputados que respondem por crimes
perante o Supremo Tribunal Federal.
Rio de Janeiro, 06 de abril de 2016.
Jorge Rubem
Folena de Oliveira
Membro da Comissão
Permanente de Direito Constitucional
do Instituto dos
Advogados Brasileiros
Doutor em
Ciência Política”
[1]A esse respeito,
o STF, anteriormente, já se posicionou no julgamento das ADI
2.356-MCe
ADI
2.362-MC,
rel. p/ o ac. min. Ayres
Britto, julgamento em 25-11-2010, Plenário, DJE de
19-5-2011.
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