Em
05 de maio de 2016, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Cautelar 4.070,
afastou Eduardo Cunha das funções de Presidente da Câmara dos Deputados. Segundo
a Procuradoria Geral de Justiça e a totalidade dos ministros da Suprema Corte,
o acusado pelos delitos de corrupção e lavagem de dinheiro, quando no exercício
das suas funções, estaria interferindo para dificultar a investigação e instrução
do processo instaurado contra ele.
Assim
entendeu o relator do processo, ministro Teori Zavascki, ao deferir a medida
cautelar, prevista no artigo 319, VI, do Código de Processo Penal brasileiro, que determinou a suspensão do exercício de
função pública, e o entendimento foi ratificado por todos os juízes
presentes na sessão de julgamento.
Ou
seja, o Supremo Tribunal Federal afastou Eduardo Cunha (integrante do partido do vice-presidente da República Michel Temer -
PMDB) das suas funções na presidência da Câmara dos Deputados, por entender que
ele estava agindo com desvio de
finalidade para atender a seus interesses particulares.
O
desvio de finalidade fica claro, sem nenhuma dúvida, no ato em que o então
presidente da Câmara dos Deputados coordenou o início do processo de
impeachment contra a presidenta Dilma Roussef, em represália ao Partido dos
Trabalhadores, cujos membros se recusaram a colaborar para livrá-lo do processo
administrativo em que se pediu seu afastamento do cargo de deputado, procedimento que ainda se encontra no
Conselho de Ética da Câmara e até hoje foi não concluído por aquela comissão.
Por
outro lado, a abertura do processo de impeachment contra a presidenta Dilma, na Câmara dos Deputados, tramitou numa velocidade muito superior à da
cassação de Eduardo Cunha, cujo processo está praticamente paralisado. Eduardo
Cunha e a maioria dos deputados encontram-se envolvidos numa rede de interesses
e proteção mútua, que utilizam contra a presidente da República.
Torna-se evidente a interferência, a sobreposição
e o abuso do poder legislativo contra o poder executivo (chefiado pela primeira
vez na História do Brasil por uma mulher), em flagrante violação ao princípio
da separação dos poderes (artigo 2.o da Constituição).
A
oposição utiliza-se da previsão constitucional do impeachment (artigos 85 e 86)
para manifestar que não existe um golpe em curso no Brasil. Porém, quando um poder (o legislativo) utiliza-se
de suas atribuições para criar embaraço, interferência e chantagem, visando
a cassação da chefia de outro poder (o Executivo), não há como negar a existência de um desvio de função e quebra da
impessoalidade constitucional (artigo 37), bem como um atentado a separação de poderes (artigo 2o da
Constituição), que têm no equilíbrio de forças políticas a sua base para
manutenção do Estado democrático de direito (artigo 1o da
Constituição).
A
utilização das normas constitucionais para alcançar fins diversos, como fizeram
Eduardo Cunha e seus colegas deputados, como fez também o seu partido (PMDB, o
mesmo do vice-presidente, que tenta conquistar o poder indiretamente) e como
fizeram os partidos de oposição liderados pelo PSDB (do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso e do ex-candidato presidencial derrotado, Aécio Neves, também
acusado criminalmente de corrupção), não pode receber outra denominação, a não
ser golpe jurídico e institucional.
Com
efeito, Eduardo Cunha utilizou-se do cargo para chantagear a Presidenta Dilma
Roussef e seu partido (PT), visando receber, em troca, na comissão de ética, a
proteção de deputados do seu partido (o PMDB do vice-presidente da República,
Michel Temer, condenado pela Justiça Eleitoral de São Paulo como “ficha suja”) e
dos partidos de oposição (como o PSDB).
Apesar
de todas as evidências delituosas apuradas na investigação criminal e no
processo judicial contra o acusado, Eduardo
Cunha ainda não foi condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal,
que lhe assegurará o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e até
mesmo a presunção de inocência (artigo 5.o, LIV, LV e LVII, da
Constituição), princípios liberais para garantia da democracia.
Ocorre,
porém, que, antes que o Senado Federal tenha sequer votado a abertura do
processo de impeachment contra a presidenta Dilma Roussef, em 06 de maio de
2016 o Portal de Notícia G1 (do mesmo grupo econômico da Rede Globo de
Televisão), noticiou que o Presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB
(mesmo partido de Eduardo Cunha e do vice-presidente Michel Temer) determinou que a consultoria jurídica do
Senado elaborasse um projeto de resolução legislativa para regulamentar os
direitos da presidenta Dilma, caso seja aceita, pelo Senado, a abertura do
processo de impeachment, no dia 11 de maio de 2016.
Isto
é, o presidente do Senado, do mesmo partido do vice-presidente, estabelecerá, por
mera resolução, quais direitos poderão ser exercidos pela Presidenta da
República durante seu afastamento para se defender, pois ainda não foi
julgada nem sofreu condenação em definitivo.
Para
o PMDB (partido de Eduardo Cunha, de Renan Calheiros - presidente do Senado e
do vice-presidente da República), trata-se de um jogo, no qual é possível estabelecer
regras jurídicas para ditar o que a Presidenta da República pode ou não pode
fazer no curso de seu afastamento, mesmo antes de iniciado o processo de
impeachment. Assim, o PMDB,
associado aos diversos parlamentares de oposição (muitos deles respondendo a
processos criminais), tenta instituir, à
força, um novo governo, a ser chefiado pelo vice-presidente da República, nomeando novos ministros de estado.
A
Constituição não determina nenhuma hipótese de instituição de um novo governo
ou nomeação de ministérios, em caso de suspensão das funções da presidenta
(artigo 86, parágrafo 2.o da
Constituição), cujo afastamento do cargo seria exclusivamente para exercitar a garantia
que lhe é assegurada (com base no devido processo legal, no contraditório e na ampla
defesa).
Ou
seja, o afastamento, previsto constitucionalmente como suspensão das
atividades, não é uma punição, mas sim
uma garantia para o(a) presidente(a) se
dedicar à elaboração da sua defesa perante o Senado Federal.
Caso
contrário, em função das horas dedicados à elaboração de sua defesa, poderá lhe faltar o tempo para bem exercer suas
atribuições presidenciais, previstas no artigo 84 da Constituição. Isto porque
se o(a) presidente(a) se omitir ou falhar no exercício de suas atribuições normais,
poderá vir a ser responsabilizado pelo não cumprimento dos deveres institucionais,
inerentes ao cargo, podendo, aí sim, ser
responsabilizado politicamente por violação constitucional.
Com
efeito, a Constituição Federal (no seu artigo 79) não prevê que o
vice-presidente Temer possa implantar um novo plano de governo (que sequer foi submetido
à votação popular) nem afastar os ministros nomeados no governo da presidenta
Dilma, que não foi, nesta fase, (1) impedida
nem tampouco (2) sucedida (o que só ocorreria no caso de vacância, por sua
morte ou renúncia ao cargo).
Somente
nestes dois casos o vice-presidente estaria legitimado constitucionalmente a
nomear um novo ministério de sua confiança, porque passaria a exercer, em definitivo, o cargo presidencial.
No exercício provisório da presidência, o vice-presidente somente poderia
nomear ministros no caso de algum deles renunciar ao cargo.
No
caso, o vice-presidente não dispõe de
autorização constitucional para nomear novos ministros, nem sob a alegação
de se tratar de cargos de confiança, pois não exerce o cargo de mandatário final,
sendo um mero substituto, numa situação
provisória. O governo e toda a sua estrutura organizacional é da presidenta
eleita pelo voto popular, até que se decida a sucessão política definitiva.
Caso
seja aprovada a abertura do processo de impeachment, a atuação do vice-presidente será meramente provisória; sendo certo
que, ultrapassados os 180 dias sem que o Senado Federal tenha julgado a
presidenta, ela deverá retornar às suas funções normais de trabalho (artigo 86,
parágrafo 2.o da Constituição).
O
papel a ser exercido pelo vice-presidente neste momento, em que a presidente
estará se defendendo no Senado Federal, deverá
ser o mesmo que ele representa quando a presidenta da República se ausenta para
viagens ao exterior, inclusive consultando-a para eventuais e urgentes
nomeações necessárias para cargos, como de juízes etc.
Não
é proporcional nem razoável (princípios constitucionais decorrentes do devido
processo legal substantivo, previsto no artigo 5.o, LIV, da
Constituição) que, neste caso, o vice-presidente possa constituir um novo
governo, ainda que provisoriamente, nem que demita todo um ministério
nomeado legitimamente, na medida em que ele
não ocupa o cargo em definitivo, o que só ocorreria na hipótese da
condenação política da presidenta Dilma,
quando então, e somente então, o vice assumiria a presidência da República.
O
artigo 76 da Constituição estabelece que o “Poder Executivo é exercido pelo
Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado”. Ou seja, o governo é exercido pelo presidente
e seus ministros nomeados. Vice-presidente
não é presidente. E somente poderia sê-lo em caso de impedimento final ou
na sucessão por vacância, quando assumiria o governo. Enquanto isto não se
efetivar, não cabe ao Senado Federal (presidido por Renan Calheiros, do mesmo
partido do vice-presidente), limitar casuisticamente e no curso do processo, os
direitos de uma presidente da República eleita pelo povo brasileiro.
Com
efeito, o vice-presidente da República e seu partido (PMDB) estão revelando sua
incontida ânsia pelo poder, e sua
atuação deixa evidente a violação de todas as regras democráticas para
consolidar um golpe jurídico-institucional, a partir do dia 11 de maio de 2016,
no Brasil.
Neste
caso espera-se que, ao contrário do ocorrido no afastamento de Eduardo Cunha da
presidência da Câmara dos Deputados, e honrando o compromisso de defesa da
democracia, assumido perante a Comissão de Veneza, o Supremo Tribunal Federal não
se omita por mais um minuto sequer, pois existe o grave risco da quebra da
ordem democrática, que pode ampliar ainda mais o desequilíbrio das forças
políticas no Brasil e aumentar a convulsão social.
Sem
dúvida, muito da atual crise política do Brasil é consequência da omissão da
Suprema Corte, que deveria ter afastado Eduardo Cunha de suas funções há muito
tempo e rechaçado claramente o pedido de abertura desse incabível impeachment,
que constituiu uma jogada política manipulada por Eduardo Cunha, motivado pelo
desejo de retaliação e por interesses particulares, em total desvio de
finalidade, como reconhecido recentemente pela Corte, na decisão que o afastou
do exercício da presidência da câmara dos deputados.
O
reconhecimento judicial do desvio de finalidade praticado por Cunha, impõe, em
respeito à democracia, que o Supremo Tribunal
Federal declare nulo todo o processo de abertura de impeachment. Pois, como
sabiamente declarou o ministro Teori Zavascki, na liminar que determinou o
afastamento de Eduardo Cunha, “garantimos uma República para os comuns, e não
uma comuna de intocáveis”.
Como
afirma o pensador clássico Tocqueville, “a primeira característica de uma força
judiciária, entre todos os povos, é servir de árbitro”. É o que se espera do
Supremo Tribunal Federal, neste grave momento: que atue com grandeza perante o
povo brasileiro e a comunidade internacional, para fazer prevalecer a moderação
e o equilíbrio das forças políticas e sociais, e, assim, restabelecer a paz no
Brasil.
Prezado Jorge Folena,
ResponderExcluirfiquei muito convencido pelos seus argumentos de que Temer não deveria poder nomear ministros enquanto ocupar temporariamente as funções da Presidenta Dilma quando dado o seu afastamento. Com base nesse raciocínio, escrevi uma "Carta às Ministras e Ministros de Estado do Governo da Presidenta Dilma Roussef e do Povo Brasileiro" com o apelo "#NãoRenunciem!"
A carta está publicada no portal GGN, no endereço:
http://jornalggn.com.br/blog/samuel-de-albuquerque-carvalho/carta-as-ministras-e-ministros-de-estado-do-governo-da-presidenta-dilma-roussef-e-do-povo-br#.Vy_CEMnwffY.facebook
Além disso, a carta também acabou se tornando uma petição no Avaaz e já conta com cerca de 200 assinaturas, incluindo nomes como a cientista política da USP, Maria Victoria Benevides:
migre.me/tITWe
Um abraço,
Samuel